Acórdão nº 908/19.0T8OAZ-B.P1.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ARAÚJO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 908/19.0T8OAZ-B.P1.P1.S1 6ª SECÇÃO (Cível) REL. 159[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Declarada, por sentença transitada em julgado, a insolvência de AA., no âmbito da qual foi apreendido o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. ……. da freguesia……, concelho ……., descrito sob o n.º ……. da Conservatória do Registo Predial ……., apresentou o administrador da insolvência (AI) a relação dos créditos reconhecidos, em que, entre outros, incluiu o crédito de BB., no montante de € 240.000,00, dos quais € 200.000,00 respeitam a capital e € 40.000,00 a juros, que classificou como garantido, por beneficiar de hipoteca voluntária registada sobre o imóvel.

Sem que esse crédito tivesse sido objecto de impugnação, foi oficiosamente ordenada a junção aos autos de certidão de nascimento de BB. e dela se constatando ser irmão da insolvente, foi proferido despacho para que o AI se pronunciasse sobre a natureza do crédito desse credor, atento o disposto nos artigos 47º, n.º 4, alínea b), 48º e 49º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), tendo o AI mantido a classificação do crédito como garantido, essencialmente com o fundamento de que, apesar das relações de parentesco do credor com a insolvente, o crédito se reportava ao ano de 2010 e o registo da hipoteca datava de 2010/02/04, ou seja cerca de 9 anos antes da apresentação à insolvência, pelo que não era de aplicar o disposto nos artigos 48º, al. a), e 49º, nº 1, al. b), do CIRE.

Foi então proferida sentença em que se decidiu: - Julgar reconhecidos os créditos referidos na lista elaborada pelo Sr. Administrador, junta sob a refª ……, mais se decidindo que o crédito reconhecido a BB. tem natureza subordinada.

- Graduar os créditos verificados nos seguintes termos: - As custas da insolvência e dos seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração variável do/a Senhor/a Administrador/a da Insolvência, e as demais dívidas da massa insolvente saem precípuas do produto da liquidação dos bens apreendidos ou a apreender (art. 172º do C.I.R.E. e Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro).

- Após, serão pagos os créditos comuns, com rateio entre eles - cfr. art. 176º do C.I.R.E.

- Após pagamento integral dos créditos comuns, serão pagos os créditos subordinados, pela ordem prevista no art. 48º do CIRE - cfr. art. 177º do CIRE.

Inconformado, apelou o credor BB..

O Tribunal da Relação ….. julgou o recurso de apelação procedente (com voto de vencido de um dos Senhores Desembargadores) e, em consequência, qualificou o crédito de BB. como garantido, graduando-o para ser pago antes dos créditos comuns.

A credora Caixa Geral de Depósitos, S.A., apresenta, agora, recurso de revista desse acórdão, concluindo do seguinte modo: 1. O recurso que ora se subjuga à mui douta e criteriosa apreciação de V. Exas. é interposto ao abrigo do artigo 14.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante, designado CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto de 2004 e Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, porquanto, o Acórdão proferido pela Relação ……., sob sindicância, encontra-se em clara oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 1517/14.5T8STS-B.P1.S1 (acórdão fundamento) e com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 13 de Junho de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 1960/18.0T8VNF-C.G1, já transitados em julgado.

  1. Sempreo presenteseriaadmitido, igualmente ao abrigo do disposto no artigo 14.º do CIRE, porquanto o legislador ao consagrar neste preceito legal que “no processo de insolvência, e nos embargos opostos à declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação”, fê-lo apenas quanto a estes dois pontos concretos do processo de insolvência: os autos principais e os embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não restringindo a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos demais apensos passíveis de serem criados no decurso do processo de insolvência, como, nomeadamente, o apenso de Reclamação de Créditos.

  2. O Tribunal a quo, julgou procedente o Recurso de Apelação apresentado pelo Credor Reclamante BB. e considerou que o seu crédito “não deve ser qualificado como subordinado, mas, ao invés, porque beneficia de hipoteca registada, ser qualificado como garantido e, como consequência, ser alterada a graduação de créditos estabelecida na sentença recorrida, ou seja, antes dos créditos comuns”.

  3. Nos termos do artigo 48.º, alínea a), “consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.” Por sua vez, o artigo 49.º, n.º 1, alínea c) estatui que “são havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor.” 5. Em matéria de subordinação de créditos, em função do especial relacionamento com o devedor, a Doutrina e a Jurisprudência tendem a concordar que se está perante uma presunção iuris et de iure, isto é, uma presunção absoluta, inilidível por prova em contrário, que tem subjacente a necessidade de prevenir a ocorrência de estratagemas cujo único objectivo seja o de prejudicar o ressarcimento dos direitos de crédito dos demais credores da insolvência, pelo que, a simples constatação do vínculo ou situação de que é feita depender a qualificação como pessoa especialmente relacionada com o devedor basta para que ela opere e desencadeie os seus efeitos.

  4. Tal entendimento colide com o sufragado pelo Acórdão sob sindicância, que aponta que, para além do referido vínculo existente entre devedor e credor, é tambémimperativo que o momento da constituição do crédito se mostre próximo da declaração da insolvência.

  5. Contrariamente, como bem refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 06 de Março de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 1517/14.5T8STS-B.P1, “considerar um eventual limite temporal para a constituição do crédito subordinado (…) designadamente dentro de 2 anos referenciados a propósito da norma do artº 48º al. a) parte final CIRE, é proporcionar a apresentação à insolvência por forma a resguardar ou prevenir a “desclassificação do crédito” das “pessoa especialmente relacionadas com o devedor”, algo que o legislador manifestamente visou evitar.”.

  6. A alínea a), do artigo 48.º do CIRE mais não faz do que perspectivar duas situações distintas: uma, referente aos créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, outra, aludida aos casos em que os créditos são transmitidos por aquelas pessoas a terceiros, desde que tal transmissão tenha ocorrido “nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.”, pelo que, se o legislador quisesse, efectivamente, ter consagrado, a par do requisito do vínculo familiar com o insolvente, o de um limite temporal, tê-lo-ia feito de forma expressa, o que não sucedeu.

  7. Assim, acompanhamos os ensinamentos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 23 de Maio de 2019, proferido no âmbito do processo n.º 1517/14.5T8STS-B.P1.S1 (acórdão fundamento), quando este evidencia que a lei, ao consignar a simples constatação do vínculo familiar para operar a qualificação como pessoa especialmente relacionada com o devedor e, consequentemente, o crédito como subordinado, baseou-se “em razões objectivas que...

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