Acórdão nº 0308/18.9BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA BENEDITA URBANO |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.
A…………, devidamente identificado nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAN, de 03.04.2020, pelo qual: “- se nega provimento ao recurso do Autor; - se concede provimento ao recurso da Ré, revogando-se a sentença e julgando-se improcedente a acção com a manutenção da validade do acto impugnado”.
O A. A………… intentou junto do TAF de Aveiro, contra a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (CAAJ), a suspensão de eficácia, bem como a declaração de nulidade ou anulação do acto administrativo, de 20.11.2017 da Directora da Comissão de Disciplina dos Auxiliares da Justiça, mediante o qual foi determinada a suspensão preventiva do exercício de funções pelo A., ora recorrente.
No TAF de Aveiro, o Juiz titular do processo entendeu que se encontravam verificados os pressupostos do n.º 1 do artigo 121.º do CPTA, e antecipou o juízo sobre a causa principal e a convolação dos autos em processo declarativo de natureza urgente, proferindo a decisão, datada de 09.01.2018, cujo dispositivo tem o seguinte teor: “Pelo exposto, - Recuso a aplicação, neste caso concreto, por inconstitucional, do artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2017, de 16/05; - Julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, anulo o ato impugnado, por: a) - violação do disposto no artigo 211.º, n.º 2, da Lei do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 73/2017, de 16/08; b) - violação do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do Estatuto dos Administradores Judiciais, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2017, de 16/05, bem assim do disposto no artigo 121.º do Código do Procedimento Administrativo”.
O Ministério Público e a CAAJ interpuseram recurso directo para o Tribunal Constitucional (TC) da decisão de não aplicação, por inconstitucional, do artigo 18.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 22/2013, de 26.02.
O TC prolatou, em 30.05.2029, o Acórdão n.º 332/19 (cfr. fls. 2266 a 2309– paginação SITAF), não tendo julgado inconstitucional a norma objecto de controlo.
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Inconformado, o A. da acção recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo, na parte que agora mais interessa, do seguinte modo (cfr. alegações de fls. 3362 a 3428 – paginação SITAF): “(…)*****9.
O acórdão, em grande medida, constitui uma reprodução quase integral das peças processuais apresentadas pela requerida CAAJ (são as mesmas citações, os mesmos argumentos, até os factos que foram aditados à matéria de facto têm exactamente a mesma redacção proposta pela CAAJ no seu recurso...), sendo que, ressalvado o devido respeito, tal não é, nem pode ser admissível num Estado de direito democrático, pelo que das duas uma: ou se considera que o acórdão recorrido é nulo, por total falta de fundamentação e ou ininteligibilidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b) e c), 666.º e 154.º, n.º 2 do CPC, e art. 205.º, n.º 1 da CRP, porquanto não existe (salvo raras excepções), em tantos segmentos decisórios, uma tomada de decisão, uma pronúncia por parte do Tribunal a quo – cfr. neste sentido Ac. STJ, de 19/1/84 e dogmática citada.
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Ou caso à tort assim não se entendesse, o que não se concede, então, salvo o devido respeito, deve considerar-se que o acórdão recorrido padece de flagrante e patente erro de julgamento, nomeadamente porque o mesmo (salvo raras excepções) se limita a utilizar a argumentação de uma das partes, ora para lhe dar razão, ora para negar provimento ao aqui requerente, mas sem, na verdade, emitir qualquer pronúncia decisória, sem apresentar o seu entendimento, o seu próprio discurso decisor, pelo que viola, pungentemente e entre o mais, o disposto nos arts. 94.º, n.ºs 2, 3 e 4 e 149.º do CPTA, nos arts. 154.º, n.º 2, 607.º, n.º 3, 4 e 5, 608.º e 663.º, n.º 3 do CPC e no art. 205.º da CRP.
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S.m.r., que é muito, esta situação bule com "a actividade de convencimento das partes (sobre a seriedade do convencimento judicial, senão sobre a justiça da solução) indispensável à dignidade do tribunal e à função de restabelecimento da paz jurídica", e, além disso, afronta os basilares princípios do due process, da imparcialidade e da igualdade de tratamento das partes (previsto nomeadamente no artigo 4.º do CPC e art. 13.º da CRP) e do princípio da justiça, equivalendo a uma denegação de justiça (proibida pelo direito fundamental de acesso à justiça, que é um dos baluartes do princípio do Estado de direito democrático – cfr. arts. 2.º e 3.º do CPTA, art. 2.º do CPC e arts. 1.º, 2.º, 8.º, 16.º, 17.º, 19.º, n.º 1 a contrario, 20.º e 202.º da CRP; 6.º, 14.º, e 17.º da CEDH ex vi art.º 8.º da CRP e 20.º, 41.º, 47.º, 48.º, 51.º, 52.º, 53.º e 54.º da CDFUE ex vi art.º 8.º da CRP).
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A situação é de tal forma grave que é colocado em risco (e é o que basta), de forma grave e séria, o próprio princípio da imparcialidade e da isenção do Tribunal recorrido – que, salvo o merecido respeito, não apresenta condições para voltar a decidir o processo, caso este STA decida ordenar a baixa dos autos para novo julgamento.
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Por conseguinte, face à patente inadequação da concepção fundamentadora e decisória adoptada no acórdão recorrido, roga-se a intervenção deste Supremo Tribunal, mormente para uma melhor aplicação do direito em todos os enfoques decisórios do acórdão recorrido, sob pena de, caso contrário, ser cometida uma flagrante injustiça e de estar em crise a própria "dignidade do tribunal e a função de restabelecimento da paz jurídica".
É assim, sem prescindir e apenas por cautela de patrocínio, que concluiremos ainda o seguinte: 14.
Quanto à prescrição, temos, em primeiro, que, se o normativo previsto no artigo 178.º, n.º 1 da LGTFP não fosse aplicável aos administradores judiciais (como é, por remissão expressa do art. 17.º n.º 2 do EAJ), então, tal entendimento conduziria a uma situação insustentável e de franca desprotecção do arguido administrador judicial, pois que não estaria prevista a prescrição da infracção… (em flagrante violação do princípio da segurança jurídica e da boa fé, imanente ao princípio do Estado de direito democrático) e, em segundo lugar, não se pode fazer paralelismos com os estatutos dos agentes de execução e de advogados, pela simples mas decisiva razão de que a interpretação das normas no direito sancionatório é sempre enformada pelos princípios da legalidade, da proibição da analogia e, sobretudo e assim, do princípio do favor libertatis (por exemplo, cfr. art. 1.º do CP e artigo 7.º da CEDH), como todos sabemos.
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Portanto, concluímos, assim, que não há qualquer lacuna: o art. 17.º, n.º 2 do EAJ manda aplicar subsidiariamente o regime disciplinar constante da LGTFP com as devidas adaptações, sendo que, neste tipo de caso, nada há a adaptar, nem se pode adaptar (não se pode adaptar ou alargar um prazo de prescrição, por analogia), sob pena de constitucionalmente insuportável desprotecção dos administradores judiciais alvo de processos.
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Assim sendo, o prazo de prescrição da infracção disciplinar é de um ano sobre a respectiva prática, e o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento, que no caso foi direto, imediato e em tempo real via CITIUS e via «Protocolos DIAPCAAJ, sendo que o direito de aplicar qualquer sanção relativamente aos casos dos autos, está há muito caduco, por incumprimento dos respetivos prazos – art.º 220.º da LGTFP ex vi art.º 17.º n.º 2 do EAJ), pelo que ocorreu largamente a prescrição e caducidade nos processos referidos no acto impugnado, padecendo o acórdão de patente erro de julgamento.
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Relativamente à alegada tese de a CAAJ não poder conhecer, prever ou prevenir atempadamente o dano decorrente do exercício dos poderes do administrador judicial em desvio das suas obrigações legais, tal não convence, pois a CAAJ dispõe de vários mecanismos legais para o efeito, entre os quais, acesso em tempo real à plataforma informática CITIUS a todos os processos, protocolos de ampla colaboração com os DIAP – sendo que o argumento é inócuo, pois se assim fosse, que não é (dada a comprovada inércia da CAAJ), nunca existiria prescrição do que quer que fosse.
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Depois e quanto a não ter ocorrido a prescrição da infracção por as alegadas infracções terem reflexo criminal, não pode ser aplicada a norma desta forma abstracta e genérica, ou seja, não pode bastar que se invoque, abstractamente, que a infracção disciplinar envolve simultaneamente a prática de um crime, exigindo-se ainda que a Administração tenha, no mínimo, feito participação ao Ministério Público (dever que decorre do art. 179.º, n.º 4 da LGTFP), o que não se mostra provado pela CAAJ nos autos, nem sucedeu de facto – sob pena de ficarmos, perigosamente, à mercê de meras e inadmissíveis presunções.
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O que é, s.m.r., constitucionalmente inadmissível, pois afronta as mais liminares garantias constitucionais do processo sancionatório, como seja o valor da presunção da inocência, da segurança jurídica e da boa-fé, bem como representa uma clara violação do espírito legislativo, de política criminal e dogmático (concepção humanista) que enformou o nosso sistema jurídico punitivo moderno, que é de estrutura acusatória – ou seja, sem indícios de crime, não há acusação; sem acusação, não há julgamento e sem julgamento, não há crime (valor tutelado no n.º 5 do art. 32.º da CRP).
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Em suma, não poderia jamais o Tribunal aplicar simples presunções de relevância criminal dos factos (mormente em sede sancionatória), sem qualquer evidência disso mesmo, pelo que o prazo de prescrição da infracção é necessariamente o de um ano, como defende a hodierna dogmática, prazo que já foi ultrapassado no caso, pelo que este...
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