Acórdão nº 1097/16.7T8FAR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1097/16.7T8FAR.E2 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Família e Menores de Faro – J1 Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na presente acção declarativa de investigação de paternidade proposta por (…) contra (…), o Réu interpôs recurso da sentença proferida.

* A Autora pedia que fosse reconhecida como filha do falecido (…).

* Para tanto, a Autora alegou que nasceu em consequência das relações sexuais que (…) manteve com a sua mãe, (…).

* Regularmente citado, o Réu contestou, defendendo a improcedência da acção e sustentando que existia violação do caso julgado por a acção de averiguação oficiosa ter sido declarada improcedente.

* O Juízo de Família e Menores de Faro julgou procedente a excepção de caso julgado. Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora a referida decisão foi revogada. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou o acórdão desta Relação.

* Descidos os autos, foi então elaborado despacho saneador e ali fixado o objecto do litígio e os temas da prova.

* Procedeu-se à realização de prova pericial visando apurar a paternidade, com exumação do cadáver do falecido (…).

* Realizado o julgamento, o Juízo de Família e Menores de Faro decidiu: a) declarar que a ora Autora (…), nascida a 10 de Setembro de 1984, é filha biológica de (…), este nascido a 14 de Julho de 1964 e falecido a 3 de Janeiro de 2016, no estado de solteiro.

  1. condenar o Réu (…) a reconhecer o referido em a).

  2. determinar o averbamento dos registos respeitantes à paternidade e à avoenga paterna no respectivo assento de nascimento de (…).

    * O recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou as seguintes alegações: «A. Na fundamentação de Direito da douta sentença salienta-se que, a alínea a) do artº 1871º do CC dispõe-se que a paternidade se presume quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público, ora não é, nem nunca foi o caso, e em vida o filho do Recorrente rejeitou tal paternidade.

    1. Ora manifestamente nunca foi o caso, pois em boa verdade foi necessário o óbito do presumível pai para a Autora intentar a acção de investigação de paternidade, nunca assumida em vida pelo filho do Recorrente.

    2. Inclusive o filho do Recorrente na primeira acção, encontrando-se vivo e de boa saúde, contestou a acção negando a manutenção de relações sexuais com a mãe da menor e invocando "exceptio plurium" para fundamentar a improcedência da acção, tendo a sentença lhe sido favorável.

    3. Nunca o filho do Recorrente em vida como seria de esperar, reconheceu a paternidade para com a Recorrida, nem fez nunca vida familiar com esta, nunca a tratou como filha nem socializou com esta nem em sua casa nem na casa deste, do modo como testemunhou os familiares da ora Autora.

    4. E na alínea c) do referido artigo presume-se a paternidade quando, durante o período legal da concepção, tenha existido concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai, tal foi referido somente pela mãe da recorrida, por impossibilidade de defesa do filho do Recorrente, por já ter falecido.

    5. Não pode o Tribunal com base no mero depoimento da Mãe da ora Autora e sua família, assegurar-se que aquela nos últimos 90 dias dos primeiros 120 que integram os 300 que precederam o nascimento da filha, não manteve relações sexuais com outros homens, ou que somente teve um relacionamento de namoro com o filho do recorrente, quando este já havia contestado e negado qualquer tipo de relacionamento em vida.

    6. De acordo com o disposto no artº 1801º do CC, nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados.

    7. Não obstante e após perícia médica efectuada, em que o direito do recorrente foi sacrificado com a justificação de estar em causa o reconhecimento de um direito superior, levantam-se outras questões mormente a do elevado grau de consanguinidade entre a comunidade local.

      I. A percentagem probabilística revelada no exame hematológico de 99,9% não é, por si só e isolada de outros meios de prova, susceptível de fundamentar a prova do vínculo biológico.

    8. Tal percentagem contém e evidencia a probabilidade de 1 (um) em casa 200 duzentos) homens poder gerar com a mãe da menor um filho que em nada se distinguiria deste.

    9. Por tratar-se de investigação de paternidade “post mortem” e atendendo a que o falecido nunca assumiu em vida a paternidade agora sob investigação, nunca o Recorrente concordou com a profanação perpetrada, embora oficiosamente, para comprovar o pedido da Autora não devia, no entendimento do Recorrente, ter-se procedido por necessidade à recolha de amostras de ADN (osso) do cadáver do seu filho, através da exumação do mesmo, tendo tudo ocorrido contra sua vontade.

      L. É, pois, de reconhecer e salientar a real diferença de interesses legítimos – nomeadamente entre a dignidade humana, o bom nome, a reputação ou intimidade da vida privada do falecido e filho, e os sentimentos de piedade e desgosto do Réu para com a exumação do cadáver de seu filho, que de certa forma o afectaram quando não se pretendia a exumação do cadáver.

    10. A valoração da prova para a convicção de condenação ou de absolvição tem de ser racional, objectiva e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos. Só assim permite ao julgador objectivar a apreciação dos factos para efeitos de garantir uma efectiva motivação da decisão.

    11. Mesmo que podendo ser considerado como facto novo, a questão da caducidade, deveria ter sido suscitada “ab initio” pela Mmª. Juiz do Tribunal “a quo” impedindo o direito de investigar a paternidade pela Autora decorrido o prazo de 10 anos após esta ter atingido a maioridade em 10/09/2002, ou seja, poderia intentar a respectiva acção até 10/09/2012 nos termos do art.º 1817º n.º 1, conjugado com o art.º 1873º do CC.

    12. A Autora intentou a presente acção fora de prazo, encontra-se o seu direito caducado nos termos do art.º 1817º do CC e sob essa base legal, ser o ora Recorrente absolvido do pedido, considerando-se assim, existir outras nulidades, questões prévias de que o Tribunal cumpra conhecer.

    13. Suscitaram-se igualmente questões de caducidade e de respeito pelo falecido, que impediam a prossecução da investigação da paternidade previsto no nosso enquadramento jurídico e acompanhado por reconhecida jurisprudência, que, a serem admitidas, ter-se-ia rejeitado a perícia requerida pela ora Autora, para tanto veja-se do Tribunal Constitucional no seu acórdão de 22//05/2012 – Proc. n.º 638/10, bem como Ac. STJ, Proc. n.º 187/09.7TBPFR.P1.S1, 6ª Secção, de 09-04-2013.

    14. Esta filiação biológica apenas pode ser provada por presunção, demonstrando que a recorrida foi tratada como filha pelo pretenso pai, é, pois, do entendimento do recorrente, que nunca tal sucedeu por total desconhecimento do presumível relacionamento familiar com a ora Autora.

    15. Pelo exposto, considera o recorrente não terem estado verificados os pressupostos para ser reconhecido judicialmente a paternidade da Autora.

      Termos em que, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá este recurso ser procedente e consequentemente ser revista a sentença que decretou a condenação Recorrente.

      Porém Vossas Excelências decidirão como for de Justiça.

      Assim se fazendo a costumada Justiça».

      * Houve lugar a resposta do Ministério Público e da Autora, que pugnaram pela manutenção do decidido.

      * Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 655.º do Código de Processo Civil relativamente a questão incidental inscrita nas alegações de recurso relacionada com a boa fé e o abuso de direito na oportunidade da defesa por excepção de caducidade.

      * Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

      * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).

      Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro de direito na dimensão da falta de comprovação da paternidade e da caducidade.

      * III – Dos factos apurados: 3.1 – Matéria de facto provada Discutida a causa e produzida a prova, com interesse para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos: 1. A Autora (…) nasceu em 10 de Setembro de 1984, sendo filha de (…), estando omissa a paternidade.

      1. (…) estabeleceu relação de namoro com (…) entre Novembro de 1983 e Fevereiro de 1984, mantendo relacionamento sexual regular com o mesmo.

      2. Naquele período a (…) apenas manteve relações sexuais com o (…).

      3. No Serviço de Genética e Biologia Forenses do I.N.M.L. – Delegação do Sul foi efectuada perícia de investigação biológica de paternidade com colheitas de sangue e zaragatoa bucal a (…) e de osso a (…), tendo-se concluído, de acordo com os resultados obtidos, que o grau de probabilidade de paternidade de (…) relativamente a (…) é de 99,999999996%.

      4. A Autora nasceu das relações sexuais mantidas entre a sua mãe e (…).

      5. Nos primeiros anos de vida da (…), a tia (…) levou-a algumas vezes a ver (…) no local de trabalho deste, em (…).

      6. Aos 18 anos de idade, quando trabalhava num supermercado na (…), a (…) começou a conversar com o (…).

      7. A partir daí, passaram a conviver, frequentando o (…) a casa da (…), onde tomava refeições e chegou a pernoitar.

      8. A (…) e o (…) costumavam tomar café e passear juntos.

      9. (…) tratava a (…) como filha, perante outras pessoas.

      10. O Réu nunca socializou com a Autora, em lugar público ou na sua residência.

      11. (…), nascido em 14 de Julho de 1964, é filho de (…) e (…), (ora Réu), tendo falecido em 3 de Janeiro de 2016.

        * 3.2 – Matéria de facto não provada: Com interesse para a decisão da...

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