Acórdão nº 229/18.5GBGDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

IAcordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do Juízo Local Criminal de Grândola, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, em que (...) se constituiu assistente e deduziu pedido cível por danos não patrimoniais no valor de 3.500,00 € contra o arguido (...), este respondeu, acusado de ter cometido um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1 al.ª b) e 2 al.ª a), do Código Penal, mais tendo sido requerido pelo M.º P.º a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, nos termos do artigo 152.°, n.° 4 e 5, do Código Penal, bem como a sua condenação a indemnizar a ofendida nos termos dos art.º 82.°-A, do Código de Processo Penal.

Realizado o julgamento, foi o arguido absolvido da prática do mencionado crime de violência doméstica, tendo sido condenado antes pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 8,00 €, o que perfaz o montante global de 1.600,00 €, mais tendo sido julgado parcialmente procedente o pedido cível e, em consequência, condenado o arguido a pagar à demandante a quantia de 750,00 € mais juros de mora à taxa supletiva desde o trânsito em julgado desta sentença até integral pagamento.

d) E em consequência condenar o arguido a pagar à demandante, a título de danos não patrimoniais a indemnização cível no valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) acrescidos de juros de mora desde o trânsito da decisão a que vier ser condenada, até integral pagamento Nestes termos, nos melhores de Direito e de Justiça e com o sempre Mui Douto Suprimento de V, Exas., deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se o douta sentença recorrida e condenar o arguido (...) seja condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2 do Código Penal, e em consequência condenar o arguido a pagar à demandante, a título de danos não patrimoniais a indemnização cível no valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros) acrescidos de juros de mora desde o trânsito da decisão a que vier ser condenada, até integral pagamento.

  1. - Esta sentença não pode, a nosso ver, colher aplauso, pois temos por líquido que a prova produzida em audiência, conjugada com a prova documental constante dos autos, impunha que se desse como provada toda a matéria de facto descrita na acusação, com a consequente condenação do arguido como autor do crime de violência doméstica.

  2. - Ainda que assim não fosse, a matéria dada como provada na sentença de que se recorre, é de molde per si a consubstanciar a prática pelo arguido de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art.° 152.° n.° 1 b), n.°2 a) do Código Penal 4.° - O tribunal "a quo", numa decisão censurável, apenas deu como provados os factos insertos nos art.° 1.º , 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.° 10.º.

  3. - Temos por líquido que a prova produzida em audiência, conjugada com a prova documental constante dos autos e com as regras da experiência comum impunham que se desse como provada toda a factualidade cuja prática se imputa ao arguido.

  4. - As declarações da assistente prestadas na audiência de julgamento em 1 de Outubro de 2019, do minuto 01.29s ao minuto 05.17s, do minuto 05.17s ao minuto 08.27, do minuto 08.27s ao minuto 16.19s,do minuto 16.19s ao minuto 24.44s ,do minuto 24.44s ao minuto, 29.00s do minuto 29.00s ao minuto 31.21s, do minuto 31.21s ao minuto 35.53s, do minuto 35.36s ao minuto 51.58s e do minuto 51.58s ao minuto 1.05.35s, impunham que se desse como provada toda a factualidade cuja prática se imputa ao arguido.

  5. - As declarações da testemunha (…) prestadas na audiência de julgamento em 1 de Outubro de 2019, do minuto 1.05s ao minuto 19.00s, do minuto 19.00s ao minuto 23.00s do minuto 25.00s ao minuto 26.48s, impunham que se desse como provada toda a factualidade cuja prática se imputa ao arguido.

  6. - As declarações da testemunha (…) prestadas na audiência de julgamento em 10 de Outubro de 2019 do minuto 1.30s ao minuto 11.43s, do minuto 11.45s ao minuto 24.00s e do minuto 24.00s ao minuto 27.00s, impunham que se desse como provada toda a factualidade cuja prática se imputa ao arguido.

  7. - As declarações da testemunha (…) prestadas na audiência de julgamento em 10 de Outubro de 2019, do minuto 2.10s ao minuto 8.30s, impunham que se desse como provada toda a factualidade cuja prática se imputa ao arguido.

  8. - As declarações da testemunha (…) prestadas na audiência de julgamento em 10 de Outubro de 2019. do minuto 2.00s ao minuto 12.05s, impunham que se desse como provada toda a factualidade cuja prática se imputa ao arguido.

  9. - Este manancial probatório cotejado com as regras da experiência comum impunha que o tribunal desse como provado todos os factos da acusação. O tribunal o não fez, numa decisão que quanto a nós é incompreensível, desrazoável e imotivada.

  10. - A análise da prova testemunhal é norteada pelo princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.° 127.° do CPP, conjugado com o dever de fundamentação previsto no art.° 205.° da CRP, que exige uma apreciação motivada, crítica e racional, fundada nas regras da experiência da lógica e da ciência, o que parece não ter sido o caso nestes autos. Tal exigência, cuja preclusão a lei processual penal comina com a sanção de nulidade (cfr. art. 379.º, n.° 1, a) do C.P.P.), que expressamente se argui é imposta pela necessidade de revelar o procedimento lógico seguido pelo juiz ao tomar a decisão, assim se garantindo que não houve uma ponderação arbitrária das provas e demonstrando-se à sociedade o acerto daquela decisão.

  11. - A fundamentação do tribunal só pode ter por fundamento uma incompreensão acerca do fenómeno criminal da violência doméstica e das consequências do mesmo.

  12. - Resulta óbvio o recurso a prova proibida, violando o disposto no art.° 355.° n.° 1 do CPP, o que se argui, já que o tribunal alicerça o descrédito nas declarações da ofendida com base em declarações da mesma prestadas perante o OPC a fls. 75, e que não foram lidas em audiência de julgamento.

  13. - Como resulta das declarações da assistente do minuto 01.29s ao minuto 05.17s, esta nunca referiu que a relação foi sempre má, antes pelo contrário, referiu que inicialmente era boa apesar de pautada pelo excessivo consumo de bebidas alcoólicas pelo arguido. E é natural que assim seja, foram 18 anos de união. É claro que nesses 18 anos a relação não foi sempre má.

  14. - Não é correcto afirmar que assistente não tenha concretizado os acontecimentos. Desde logo concretizou os acontecimentos vertidos no art.°s 4.° e 5.° da acusação, que situou no mês de Março de 2018 ( declarações da assistente do minuto 05.17s ao minuto 08.27), 8.° e 9.°, que situou em data posterior a junho ou julho de 2017 ( declarações da ofendida do minuto 16.19s ao minuto 24.44s), 10.° que situou em Setembro de 2018.

  15. - A assistente apenas não concretizou os factos imputados no art° 3.°, e é muito natural que assim seja, a violência exercida, apesar de ser também física, não deixou marcas que exigissem que a arguida se socorresse, por exemplo, de auxilio hospitalar o que faria, naturalmente, que se recordasse em concreto do dia em que aconteceu.

  16. - Acresce que o tratamento degradante prolongou-se por muito tempo e os actos eram repetidamente praticados sendo que a concretização no tempo é muito difícil. Será razoável exigir à vítima, que o foi ao longo de tanto tempo, que date cada um dos comportamentos ofensivos que sofreu? Parece-nos que não! 19.° - O tribunal não retirou nenhuma consequência jurídica, pelo facto de o arguido manifestar "falta de apoio" à assistente. E apoia-se no facto de, para o tribunal causar semelhante dor, ser vítima de empurrões ou estar fustigada por uma doença mortífera e não ter o companheiro a apoia-la tendo que recorrer a uma colher de pau para colocar creme sobre o corpo. O que é que o facto de a assistente sentir maior ou menor dor por essa circunstância indicia quanto à verificação das outras? A nosso ver nada.

  17. - Não é correcto dizer que a assistente negou desconhecer que o arguido mantinha relações extra matrimoniais, já que resulta das suas declarações ( do minuto 16.19s ao minuto 24.44s) que em 2014, descobriu que o arguido tinha relações extra matrimoniais porque lhe contaram. Confrontava o arguido mas este desmentia. Achava que o arguido tinha de facto...

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