Acórdão nº 02282/18.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Recorrente, E., LDA., NIPC (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença que julgou o recurso totalmente improcedente e, no âmbito do processo de contraordenação (PCO) n.º 1880 02016060000137733, que decidiu pela aplicação à Arguida de uma coima única no valor de € 2.132,34, acrescida de custas legais no valor de € 76,50, pela prática de quarenta e sete transgressões ao regime legal previsto no artigo 5.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, consubstanciadas na falta de pagamento de taxas de portagem em vias dotadas de sistemas de cobrança eletrónica, infrações puníveis nos termos do artigo 7.º, da dita Lei n.º 25/2006.

A Recorrente não se conformou tendo interposto recurso formulou as seguintes conclusões: a) Vem o presente Recurso interposto da douta sentença que decidiu manter a decisão administrativa de aplicação da coima, reduzindo o valor das coimas aplicadas aos seus limites mínimos, e condenando a Recorrente, pela prática, em cúmulo material destas coimas, o Tribunal condena a recorrente na coima única de €2.132,34.

DA NULIDADE DA SENTENÇA b) Ora, estabelece o artigo 374.º, nº 2 do Código de Processo Penal que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

c) Não obstante, analisada a douta sentença recorrida, é possível constatar que tal enumeração pura e simplesmente inexiste, verificando-se uma total omissão quanto à decisão que incidiu sobre a matéria de facto.

d) Esta decisão, para além de ser essencial ao ponto de a sua falta ser cominada com o vício da nulidade, no presente caso ganha ainda mais força na medida em que foram alegados factos que deveriam ter conduzido à aplicação da figura do crime continuado.

e) Não o tendo feito, entende a Recorrente que a sentença recorrida é nula, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 379.º, nº 1, alínea a), o que requer seja decretado.

f) Sem prescindir, A decisão de aplicação de coimas deve, sob pena de nulidade, conter a descrição dos factos que concretamente vem imputar ao arguido e nos quais se funda o ato punitivo.

g) A satisfação das exigências do artigo 79.º “deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício” dos seus direitos de defesa (cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª edição, na nota 1 ao artigo 79.º, p. 528) – cfr. Ac. do STA, de 18-11-2009, proferido no âmbito do processo 0593/09 (disponível em www.dgsi.pt), numa situação idêntica à dos autos, apenas diferindo no tipo de imposto, nos termos do qual se pode ler que: h) A não concessão à Recorrente da possibilidade de ser ouvida sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções aplicáveis deve considerar-se uma nulidade insuprível nos termos do art. 119.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP).

i) Conforme defendem Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra – Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, págs. 380 e 381, anotação 7, embora esta norma preveja a ausência do arguido ou do seu defensor quando a lei exija a sua comparência, o objectivo desta obrigatoriedade de comparência é a concessão ao arguido da possibilidade de exercer os seus direitos de defesa, devendo esta norma ser interpretada extensivamente a todas as situações em que não foi dada ao arguido a possibilidade de exercer os seus direitos de defesa.

j) Ao arguido não se dá a possibilidade de exercer os seus direitos de defesa não só quando não se o notifica para o exercício dos seus direitos de defesa, como quando se notifica para o exercício desse direito e não obstante ele o ter exercido a Autoridade Tributária e Aduaneira não lhe dá relevância porque apesar de ter recebido o direito de defesa apresentado pelo arguido não o junta ao respectivo processo, ainda que por manifesto lapso do serviço, e não se pronuncia sobre o mesmo, proferindo a decisão administrativa de aplicação da coima sem ter considerado a defesa apresentada pelo arguido e sem se pronunciar sobre a mesma, como nas situações em que se pronuncia mas não se pronuncia sobre todas as questões suscitadas pelo arguido.

k) Com efeito, não há direito de defesa do arguido tanto na situação em que não se o notifica para o exercício do direito de defesa, como na situação em que o arguido é notificado para esse efeito, apresenta a sua defesa e a autoridade administrativa não a junta ao processo, não a aprecia, nem se pronuncia sobre a mesma, ou junta-a e não se pronuncia sobre ela ou pronuncia-se sem apreciar e decidir todas as questões suscitadas.

l) Na realidade quando a autoridade administrativa não junta ao processo o requerimento com o exercício do direito de defesa apresentado pelo arguido, não aprecia a defesa apresentada, nem se pronuncia sobre ela ou sobre todas as questões suscitadas, está a negar ao arguido a possibilidade do exercício do seu direito de defesa e equivale à sua falta de notificação para audição e apresentação de defesa (arts. 63.º, n.º 1, alínea c), 71.º do RGIT, 50.º do RGIMOS e 119.º, n.º 1, alínea c), do CPP).

m) Na prática, não há nenhuma diferença entre não notificar o arguido para audição e apresentação de defesa ou notificá-lo para exercer o direito de defesa e não juntar ao processo a defesa apresentada pelo arguido ou tendo sido junta a defesa não a apreciar e decidir ou decidi-la sem apreciar o mérito de todas as questões suscitadas n) A Recorrente alegou em sede de defesa que a comunicação efectuada não contemplar qualquer factualidade subjectiva, bem como, o auto não retratar a veracidade dos factos, nem proceder à necessária e suficiente concretização das circunstâncias do ocorrido porquanto jamais lhe foi exibida qualquer imagem ou fotografia da indicada infracção demonstrativa que, no dia e hora em questão, era um seu funcionário quem conduzia a viatura em apreço, assim, sem qualquer elemento probatório desconhece a arguida se o seu veículo foi efectivamente o detectado a passar na portagem em causa.

o) A decisão de aplicação da coima na descrição sumária dos factos deveria ter-se debruçado quanto à factualidade alegada, porém, resulta da mesma a mera transcrição da informação dada pela entidade autuante, sendo certo que, a mesma na referida informação desonera-se da obrigação de apreciação da defesa apresentada pela ora Recorrente.

p) Entende a Recorrente que era essencial ter-se apurado ou pelo menos haver pronúncia por parte da autoridade administrativa relativamente à factualidade relevante invocada pela Recorrente, o que não sucedeu.

q) E, sendo assim, não se pode considerar que a decisão de aplicação da coima contém os elementos essenciais exigidos pelo artº 79º do RGIT.

r) Pelo exposto, não se mostrando satisfeitas as exigências previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, ocorre uma nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributária, por força do prescrito na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo Regime.

s) Desta feita, confrontado o conteúdo da decisão recorrida, e perante a insuficiência da descrição apontada, não se logra outrossim atingir o iter lógico e valorativo trilhado pela Administração Fiscal no processo de formação da sua decisão condenatória – cfr. acórdão proferido a 19 de Março de 1997 pelo Tribunal da Relação do Porto (recurso n.º 10178), onde se decidiu que a “fundamentação da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima - uma vez que não estamos perante qualquer audiência de julgamento donde resulte a indicação de factos provados e não provados - há-de consistir na indicação dos factos que são imputados ao arguido, com a interpretação, ponderação e valoração da prova produzida e a integração desses factos na previsão legal.” t) Resulta do exposto que não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas, a que alude a alínea b) do n° 1 do artigo 79° do RGIT, enfermando a mesma, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 63° do mesmo diploma legal.

u) Pelo exposto, não se mostrando satisfeitas as exigências previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, ocorre uma nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributária, por força do prescrito na alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo Regime.

v) Consequentemente, é igualmente nula a sentença proferida, a qual deve ser revogada e substituída por uma outra que decrete a nulidade de todo o processo de contraordenação.

w) E por ser nula a decisão recorrida, devem também anular-se os termos subsequentes do processo, nos termos do n.º 3 deste último preceito.

x) Sem prescindir, entende a Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao decidir ao presente caso não pode ser aplicado o instituto do crime continuado.

y) É entendimento uniformizado da nossa jurisprudência que, à semelhança do que ocorre no direito penal, no direito contraordenacional pode ser aplicado o regime da contraordenação continuada, desde que cumpridos os respetivos pressupostos – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15/02/2013, proferido no âmbito do processo nº 01097/08.0BEVIS, onde se decidiu que “Logram aplicação nas infracções tributárias, a título subsidiário, as normas gerais acerca do crime continuado, definido no art.º 30.º, n.º2 do Código Penal e com a previsão da sua forma de punição na norma do n.º 1 do art.º 79.º deste mesmo Código, sendo punido com a pena correspondente à conduta mais grave que integra a...

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