Acórdão nº 22/12.9PJAMD-D.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No âmbito do processo comum (tribunal coletivo) n.º 22/12.9PJAMD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Criminal de Sintra - Juiz 6, foi, pela Mmª Juíza, proferida, em 12 de outubro de 2020, a seguinte decisão (cfr. referência Citius n.º 127098529): “Veio o arguido AA, através do requerimento que antecede, requerer a reabertura da audiência, nos termos do art. 2º, n.º 2 do Código Penal e do art. 371º-A do Código de Processo Penal, para a aplicação da lei penal mais favorável, no que concerne à pena acessória de expulsão em que foi condenado no âmbito dos presentes autos.

Para o efeito, e em síntese, alegou: O arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 1 do art. 21º do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de prisão de 8 anos e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 5 anos, por acórdão transitado em julgado a 11 de agosto de 2014 (tendo o acórdão de cúmulo jurídico também transitado em julgado a 12 de janeiro de 2015).

Contudo, à data do trânsito em julgado do acórdão a lei impunha limites mais rígidos à expulsão de cidadãos estrangeiros, sendo o regime jurídico atualmente vigente mais favorável do que aquele que então vigorava.

Com efeito, prevê agora o art. 135º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 23/2007, de 31 de julho, alterada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, que não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do país cidadãos estrangeiros que tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal.

Sendo a pena acessória considerada uma pena de natureza penal, deverá, portanto, ser revista e aplicada de acordo com o novo regime existente, uma vez que favorecerá o arguido.

Antes da prisão, o arguido teve uma relação, da qual nasceu uma filha, TT, de nacionalidade portuguesa (cf. documento n.º 1, que juntou), atualmente com 7 anos de idade. A mãe entregou a criança ao pai, ainda bebé, e desde a detenção do arguido que a menor tem sido sempre acompanhada pela família paterna, concretamente, a avó e a tia do arguido, que também o criaram.

Sucede que após o cumprimento da pena e o seu afastamento do território português, motivado pela necessidade natural de voltar a juntar-se à sua família nuclear, o arguido, ainda que desautorizado, voltou para Portugal no final de agosto de 2018.

Portanto, desde esse momento – final de agosto de 2018 –, a filha do arguido voltou a viver com o pai e com a sua atual companheira, RR, também de nacionalidade portuguesa (cf. documento 2, que igualmente juntou).

Pese embora o arguido tenha estado preso e alguns meses afastado do território nacional, tem exercido desde sempre as responsabilidades parentais da menor e cumprido escrupulosamente o papel de pai, evidenciando uma intensa relação paternal e afetiva com a filha.

O arguido deseja manter a sua família e continuar a exercer a sua função de pai, acompanhando a vida e crescimento da menor, bem como contribuir para o seu sustento e educação.

Assim, de acordo com o n.º 4 do art. 29º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o art. 371º-A do Código de Processo Penal, é de aplicar retroativamente a lei penal mais favorável ao arguido, concedendo-lhe legitimidade para requerer a reabertura do processo para a aplicação do novo regime.

A ser deferida a reabertura do processo, o arguido compromete-se a juntar aos autos documentação relativa ao exercício das responsabilidades parentais da sua filha, bem como a indicar prova testemunhal, demonstrativa do alegado.

* A Digna Procuradora da República pugnou pelo indeferimento do peticionado, conforme resulta da douta promoção que antecede.

* Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o art. 371º-A do Código de Processo Penal, sob a epígrafe «Abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável»: “Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.” No caso presente, o arguido AA fundamentou o respetivo pedido nas alterações introduzidas ao art. 135º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho.

Com efeito, à data do acórdão condenatório estabelecia o art. 135º, al. b), como um dos limites absolutos à expulsão de cidadãos estrangeiros, o facto de os mesmos terem a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa ou estrangeira, a residir em Portugal, sobre os quais exerçam as responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação.

Posteriormente, após a revisão operada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, a al. b) do art. 135º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, passou a dispor que não podem ser afastados coercivamente ou expulsos do país os cidadãos estrangeiros que tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal.

Sucede, porém, e com relevância para o caso presente, que à data da prolação do acórdão condenatório – e até, pelo menos, à expulsão do arguido AA de território nacional (ocorrida a 17 de março de 2018 – cf. fls. 3080 a 3081), cuja efetivação determinou a extinção da pena que lhe foi aplicada (cf. decisão do T.E.P. de fls. 3085 e 3086), o mesmo não se encontrava na situação a que alude o já citado art. 135º, n.º 1 al. b) da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho (numa e noutra das suas versões), na medida em que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada no referido acórdão, nomeadamente no ponto 59): “No plano afetivo, o arguido AA estabeleceu uma relação afetiva, da qual nasceu uma filha, hoje com 17 meses de idade. A mãe e respetivo descendente continuam a viver no respetivo agregado de origem, beneficiando do apoio desses familiares”.

Aliás, da aplicação da pena acessória recorreu o arguido AA para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegando, precisamente, ter uma filha menor, nascida em Portugal, que se encontrava a seu cargo, não tendo, no entanto, obtido vencimento, por tal factualidade não ter resultado demonstrada.

Ora, tais factos – os dados como provados - são distintos dos factos que o arguido veio neste momento alegar, sendo que estes últimos não são, com o devido respeito, fundamento de reabertura da audiência, em conformidade com a norma legal invocada, porquanto se trata de factos (novos ou não), conforme se referiu, e não de uma nova lei penal, não sendo este o meio processual adequado à sua eventual e respetiva reapreciação.

Como se refere no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de janeiro de 2019, proferido no Processo Comum Coletivo n.º 1/11.3PJAMD, deste Juízo Central Criminal de Sintra, Juiz 4: “Com o art. 371º-A do Código de Processo Penal o legislador não visou, a pretexto da entrada em vigor da lei nova, dar aos arguidos a oportunidade de um segundo julgamento onde possam ser colmatadas deficiências do primeiro ou considerados novos factos”.

E, com o devido respeito, é este mesmo o desiderato do arguido, ora requerente, para contornar, desde logo, a violação da pena acessória de expulsão do território nacional que lhe foi aplicada, com interdição de entrada pelo período de 5 (cinco) anos, que de modo algum tem cabimento legal e processual nas normas invocadas.

* Por todo o exposto, e em conformidade com as normas legais citadas, face à inexistência do pressuposto da aplicação de lei penal mais favorável, indefere-se a requerida reabertura de audiência.

Notifique.

Oportunamente, abra de novo vista à Digna Procuradora da República, a fim de requerer o que tiver por conveniente, face à violação da pena acessória aplicada ao arguido AA no âmbito dos presentes autos." (fim de transcrição).

[1] 2. AA, conhecido por “XX”, nascido a 28 de setembro de 1986, solteiro, servente da construção civil, filho de BB, natural de Cabo Verde, e residente, antes de preso, na Rua ……………………., em Carnaxide, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "1. O arguido foi condenado numa pena acessória de expulsão de 5 anos.

  1. Sucede que em momento posterior à condenação do arguido, entrou em vigor nova versão da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, alterada pela Lei n.º 59/2017, de 31 de Setembro.

  2. De acordo com o disposto no artigo 371º-A do Código de Processo Penal conjugado com o artigo 2º n.º 2 do Código Penal, e com o artigo 29º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, o legislador configurou um mecanismo específico que pudesse oferecer a possibilidade de o arguido requerer a abertura da audiência para aplicação retroativa de lei penal mais favorável, no momento posterior à sua condenação e ainda durante a execução da pena.

  3. Portanto, tendo a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho sido alterada e configurar uma versão mais favorável ao arguido, deverá este beneficiar do novo regime vigente.

  4. Assim, ao entrar em vigor uma lei penal mais favorável, encontra-se preenchido o pressuposto exigido para funcionar o mecanismo do artigo 371º-A do Código de Processo Penal.

  5. A filha do arguido desde bebé que tem sido criada pela família paterna — avó e tia — e imediatamente após ao cumprimento da pena, o arguido procurou dar de rapidamente apoio integral à filha.

  6. No seguimento dos ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva, não estando cumprida a pena, torna-se necessário proceder à reabertura do processo para a aplicação retroativa da lei mais favorável.

  7. Sendo certo que no que respeita à modificação da decisão anterior relativamente às sanções aplicadas com base nos factos dados como provados, a audiência limitar-se-á na prática a novas alegações sobre o direito aplicável.

  8. Deste modo, deverá ser reaberto o processo para que o arguido tenha a possibilidade de demostrar que tem efetivamente a seu cargo a...

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