Acórdão nº 241/10.2TASSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Juízo Central Criminal de Almada, por despacho de 08/03/2020, constante de fls. 629, ao Arg.

[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 285[3]), foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, nos seguintes termos: “… O arguido AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 16 de Fevereiro de 2018, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1 e 25º, alínea a), do Decreto-lei nº 15/93 de 22/01, na pena de um ano e dez meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período, sob regime de prova.

Mostra-se já decorrido o período de suspensão da execução da pena.

Não foi possível elaborar o pertinente plano de reinserção social porquanto o arguido se ausentou da morada por si fornecida nos autos, sem indicar qualquer outra, permanecendo o seu paradeiro desconhecido desde data próxima da do trânsito em julgado do acórdão, não obstante as diligências empreendidas nos autos com vista a localizá-lo.

Dispõe o artigo 56º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que “A suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social”.

Ora, face aos factos apurados temos que o arguido, ao ausentar-se da morada por si fornecida nos autos, sem indicar qualquer outra, desinteressando-se por completo do desfecho do processo, sabedor de que a suspensão da execução da pena de prisão em que fora condenado havia sido condicionada à observância de regime de prova (aliás, esteve presente na leitura do acórdão), inviabilizou definitiva e irremediavelmente a observância desse regime e a própria elaboração de plano de reinserção social, infringindo grosseira e repetidamente os deveres a que estava vinculado, revelando com o seu comportamento que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram alcançadas.

Face ao exposto e concordando com a posição manifestada pelo Ministério Público, nos termos do artigo 56º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, declaro revogada a suspensão da pena aplicada ao arguido AA e determino que este cumpra a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão que lhe foi aplicada no acórdão proferido nos presentes autos.

…”.

* Não se conformando, o Arg.

interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 636/638, concluindo da seguinte forma: “… 1. O presente recurso tem como objecto o douto Despacho que foi proferido pelo Juízo Central Criminal de Almada, no dia dezoito de Março de 2020 que declarou revogada a suspensão da pena de um ano e dez meses de prisão, cuja execução tinha sido suspensa pelo mesmo período, sob regime de prova e determinou que o arguido cumprisse a pena de um ano e dez meses de prisão efetiva.

  1. Mas, o Artº. 498º, nº. 3 do Código de Processo Penal remete para o Artº. 495º., nº. 2 do citado diploma legal.

  2. Da leitura do Art. 495º, nº. 2 do Código de Processo Penal resulta claramente que o Tribunal pode declarar revogada a suspensão da pena aplicada ao arguido, por Despacho, mas só depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.

  3. Neste caso concreto, procedeu-se à revogação da suspensão da pena que fora aplicada ao arguido AA e determinou-se que ele cumprisse um ano e dez meses de prisão efetiva sem que o condenado tenha sido ouvido pelo Tribunal a quo.

  4. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo poderia ter designado um dia e uma hora para se proceder à audição do condenado, dando assim cumprimento ao preceituado no Artº. 495º, nº. 2 do Código de Processo Penal.

  5. Depois de o Tribunal a quo ter designado dia e hora para a audição do condenado, este poderia ou não comparecer no Tribunal, mas se o condenado não comparecesse só então se poderia afirmar com segurança que ele não tinha sido ouvido pelo Tribunal por sua única e exclusiva culpa.

  6. A lei processual penal e a Constituição da República Portuguesa consagram a possibilidade de o arguido se defender, estando previstos na lei os casos em que o arguido deve estar presente, para que possa organizar a sua defesa.

  7. O Tribunal a quo proferiu o Despacho ora recorrido sem dar ao arguido a possibilidade de ser ouvido e explicar quais os motivos do não cumprimento dos deveres que lhe foram impostos como condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora aplicada no âmbito dos presente autos.

  8. Portanto, o Tribunal a quo proferiu o Despacho ora recorrido sem ter ouvido condenado, tal como impõe o Artº. 495º, nº. 2 do Código de Processo Penal.

  9. Assim, salvo o devido respeito o Despacho recorrido deve ser declarado nulo, pois padece da nulidade insanável prevista no Artº. 119º, al. c) do Código de Processo Penal.

  10. O Despacho ora recorrido violou o disposto nos Artºs. 119º, al. c), 495º, nº. 2 e 498º, nº. 3 do Código de Processo Penal.

  11. Acresce que, o Despacho ora recorrido violou também o preceituado no Artº. 32º, nº. 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, e com o douto suprimento de V. Exas. deve ser concedido provimento, ao presente recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! …”.

    * A Exm.ª Magistrada do MP[4] respondeu ao recurso, a fls. 645/647, concluindo da seguinte forma: “… 1ª – Embora a letra do nº 2 do artº 495º do C.P.P. imponha a audição presencial do condenado, antes da tomada de decisão, quando haja notícia do incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão, ele tem que ser interpretado no sentido de restringir essa obrigatoriedade aos casos em que tal audição se mostre possível, sob pena de a oportunidade da tomada de decisão e a própria decisão judicial ficarem na disponibilidade do condenado, a quem bastaria para tal colocar-se em situação de prolongada ou indefinida incontactabilidade; 2ª – Deste modo, o que se exige é que o tribunal envide os esforços razoáveis para fazer comparecer o condenado com vista à sua audição pessoal, nomeadamente empreendendo as diligências tendentes a apurar o seu paradeiro, como foi feito nos autos; 3ª – Sendo desconhecido o paradeiro do Recorrente – como, aliás, continua a ser! – não tinha o tribunal que designar data para proceder à sua audição pessoal e notificá-lo para o efeito, por se tratar de acto manifestamente inútil; 4ª – Frustrados os esforços que os autos bem documentam, por motivo imputável ao próprio condenado (designadamente quando, sabedor de que foi alvo de condenação em pena de prisão suspensa na sua execução sob regime de prova, se ausenta da morada que havia indicado nos autos e não fornece qualquer outra, permanecendo em paradeiro incerto), não podia o tribunal ficar impedido de decidir, podendo e devendo o contraditório ser assegurado mediante a audição do condenado por intermédio de defensor – audição processual, naturalmente; 5ª – No caso, o contraditório foi satisfeito através da notificação, à ilustre mandatária do Recorrente, do parecer de revogação da suspensão da execução da pena formulado pelo Ministério Público (e ao próprio Recorrente, por via postal simples com prova de depósito na morada constante do Termo de Identidade e Residência que prestou nos autos); 6ª – Assim, foi nos autos cabal e satisfatoriamente observado o princípio do contraditório ínsito no artº 495º nº 2 do C.P.P., pelo que o tribunal a quo não violou esta norma nem, consequentemente, o despacho recorrido padece da nulidade prevista no artº 119º al. c) do mesmo código.

    Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e ser mantido na íntegra o douto despacho recorrido.

    …”.

    * Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 654, em suma, subscrevendo a posição assumida pelo MP da 1ª instância e pugnando pela improcedência do recurso.

    * É pacífica a jurisprudência do STJ[5] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[6], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

    Da leitura dessas conclusões, e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a única questão fundamental a decidir no presente recurso é a seguinte: Falta de audição do Arg., nos termos do art.º 495º/2 do CPP, e suas consequências.

    * Cumpre decidir.

    I – Parece entender o Recorrente que não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 495º/2 do CPP[7], porque não foi presencialmente ouvido, pelo que se verifica a nulidade prevista no art.º 119º/c) do CPP.

    Sufragamos o entendimento de que, qualquer que seja o fundamento para a revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão, há que dar cumprimento ao art.º 495º/2 do CPP, sob pena de nulidade insanável[8], [9], salvo se tal não for possível, por ausência injustificada do Arg..

    Mas no presente caso, o tribunal recorrido fez até mais do que lhe era exigível para ouvir o Arg., o que não foi possível.

    Na verdade, o Arg. prestou TIR em 14/04/2015 e não informou o tribunal, nem os Serviços de Reinserção Social, de qualquer mudança de morada.

    O Arg. nunca compareceu nos Serviços de Reinserção Social, assim inviabilizando a elaboração do seu plano de reinserção social.

    Apesar das muitas diligências do tribunal recorrido (cf. fls. 558/564, 568/579, 583/586 e 611/615), não foi possível encontrar o seu paradeiro, havendo a informação de que se ausentou para a Holanda.

    A Exm.ª Defensora foi notificada para informar sobre o paradeiro do Arg. e nada disse.

    Ambos foram notificados da promoção do MP de revogação da suspensão e nada disseram.

    Como se diz no acórdão da RC de 07/05/2003, relatado por João Trindade, in www.gde.mj.pt, processo 612/03, de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT