Acórdão nº 132/17.6GAVVC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução12 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, n.º 132/17.6GAVVC, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo Local Criminal de Évora – Juiz 2, foi submetido a julgamento, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido (...), melhor identificado nos autos, estando acusado da prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 153º e 155º, n.º 1, al. c), por referência ao artigo 132º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal e de um crime de injúria agravado, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1 e 184, ambos do Código Penal.

1.2. No início da audiência de julgamento, o ofendido apresentou desistência de queixa quanto ao crime de injúria, que foi homologada e, consequentemente, declarado extinto o procedimento criminal, em relação a tal ilícito (cfr. ata de fls. 165 e ss.).

1.3. Findo o julgamento, foi proferida sentença, em 18/02/2020, depositada nessa mesma data, na qual se decidiu absolver o arguido da prática do crime de ameaça agravado, de que vinha acusado.

1.4. Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões: «1. O Tribunal a quo incorrido no vício enunciado na alínea c) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, porquanto tanto do depoimento gravado como da transcrição do mesmo realizada na sentença recorrida, resulta que as testemunhas (…) referiram as mesmas expressões ameaçadoras, inexistindo quaisquer e não expressões distintas, conforme refere o Tribunal a quo.

  1. Terá também o Tribunal a quo incorrido no vício enunciado na alínea b) do nº2 do artigo 410° do Código de Processo Penal, porquanto, afirma contraditoriamente na sentença ora em crise que não vislumbra motivo para que as testemunhas estejam a mentir, dando a seguir como não provadas as expressões ameaçadoras por ambas relatadas, por duvidar da sua credibilidade.

  2. Ambos os vícios podem ser ultrapassados com recurso ao texto da decisão recorrida, sem necessidade de reenvio do processo para novo julgamento (cfr. artigos 426.º, n.º 1 e 431.º, al. b) do Código de Processo Penal).

  3. A sentença recorrida padece ainda da nulidade prevista na alínea a) do artigo 379º do Código de Processo Penal - falta de fundamentação - porquanto a argumentação ali redigida não revela como é que a Mmº, Juiz a quo, partindo da valoração das declarações prestadas pelas referidas testemunhas (das imprecisões e incoerências detectadas nos respectivos depoimentos, etc.) chega a uma situação de dúvida insanável e à conclusão de que não é possível dar como provadas quais as expressões concretamente utilizadas pelo arguido 5. A sentença recorrida padece igualmente da nulidade prevista na alínea a) do artigo 379º do Código de Processo Penal - falta de fundamentação - porquanto resultando da mesma que o Tribunal a quo valorou as declarações do arguido - dando como provadas das mesmas as suas condições pessoais - nada refere relativamente à versão apresentada pelo arguido, desconhecendo-se se atribui crédito ou descrédito à mesma, quais os motivos de tal conclusão e, sobretudo, qual a relevância e forma de tal raciocínio para a decisão absolutória através do processo de concatenação com os restantes elementos probatórios.

  4. Entende-se ainda que com base na prova produzida em audiência, deveria ter julgado PROVADOS os factos dados como NÃO PROVADOS na sentença recorrida, indicando-se como prova dos mesmos as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas (…), nos trechos temporais supra indicados.

    Isto porque: 7. Das declarações do arguido resultam confessados os circunstancialismos de tempo e espaço, mais confirmando a sua relação não oficial com o evento desportivo em causa - era treinador do (…), uma das equipas em jogo - o que permite concluir pela existência de elemento motivador para a prolação das expressões ameaçadoras que lhe são imputadas.

  5. Das declarações do arguido e do depoimento da testemunha (…) resulta que o arguido é individuo que habitualmente se altera emocionalmente durante os jogos de futsal, especialmente das equipas que treina, daqui se concluindo que tal tenha também ocorrido com toda a probabilidade no evento descrito na acusação, tendo sido por tal motivo que proferiu as expressões ameaçadoras dirigidas ao ofendido, árbitro que naquele momento havia apitado falta contra a equipa do arguido.

  6. Do depoimento da testemunha (...) resulta que o arguido se comportou de forma exaltada durante o jogo de futsal em causa, tendo chamado burro ao ofendido por várias vezes, sendo que, no momento em que terá proferido as expressões ameaçadoras, esta testemunha viu o arguido enfurecido, tendo-se apercebido que este disse qualquer coisa.

  7. Tanto do depoimento do ofendido como das declarações do arguido resulta que ambos referem não se conhecerem, pelo que, ainda que ambos estejam a mentir em relação a tal facto - face ao depoimento da testemunha (...) - tal falta à verdade não é susceptível de colocar em causa a credibilidade do restante depoimento das testemunhas ou das restantes declarações do arguido - porque confirmadas entre si e porque todas enquadradas com as regras da experiência comum.

  8. Do depoimento de ambas as testemunhas resulta uma mesma versão das expressões ameaçadoras proferidas pelo arguido - "se te apanho em Borba, bato-te e, se me passo, mato a tua filha" - pelo que, deveria o Tribunal a quo ter dado como provada a prolação das mesmas pelo arguido, procedendo a uma alteração não substancial dos factos.

  9. As testemunhas apresentaram-se perante o Tribunal a quo de forma desinteressada, afirmando não terem nada contra o arguido, tendo relatados os factos de forma objectiva e fundamentada, pelo que o seu depoimento merece toda a credibilidade.

  10. Apesar das discrepâncias detectadas entre as expressões ameaçadoras relatadas pela testemunha (...) em sede de inquérito e aquelas posteriormente referidas em julgamento, tanto das explicações por este apresentadas como das regras da experiência comum e judiciária, resulta que tal facto não é anormal pelo que não afecta a credibilidade do seu depoimento.

    Face ao exposto, 14.

    mal andou o Tribunal a quo em dar como não provados os factos supra elencados, ao não proceder à alteração substancial dos factos dando como provado que o arguido, naquele dia, hora e lugar, dirigindo-se a (...), disse: "se te apanho em Borba, bato-te e, se me passo, mato a tua filha", e ao não condenar o arguido pela prática de um crime de ameaça agravado, previsto e punido pelos artigos 153.º, 155.º, n.º 1, alínea c), por referência à alínea l), n.º 2 do artigo 132.º e ao artigo 131º, todos do Código Penal, pois só assim se fará JUSTIÇA» 1.5. O recurso foi regularmente admitido.

    1.6. O arguido respondeu ao recurso, pugnando para que lhe seja negado provimento, mantendo-se a decisão recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões: «I - Tudo o que o ofendido declarou foi-lhe transmitido pela única testemunha presencial, (...).

    E ambos, de acordo com a nova versão dos factos trazida a julgamento, alteraram os seus depoimentos.

    II - Na primeira versão o arguido ameaçou matar o ofendido, na segunda versão o arguido ameaçou matar uma filha do ofendido.

    III - Estes depoimentos contradizem as declarações prestadas em inquérito e a própria acusação do M.P. e afetam profundamente a prova, impedindo o apuramento da verdade, como bem se referiu na douta sentença.

    IV - Não existiu nenhum vício de raciocínio na apreciação da prova, bem pelo contrário, existiu um raciocínio lógico que apurou a incoerência da existência das duas versões.

    V - Contradições que houve sim, mas nos depoimentos da única testemunha, (...), que confrontado com as mesmas, muito se engasgou! VI - A sentença deve ser lida no seu todo, sem descontextualizações, porque a mesma segue um raciocínio lógico e perfeitamente compreensível, nunca se contradizendo, bem pelo contrário, explicando, sem deixar dúvidas, as decisões tomadas.

    VII - Negando o arguido os factos, como negou, que outra sindicância se deveria fazer ao seu depoimento? VIII - Quanto às dúvidas sérias do Tribunal "a quo", as mesmas, na perspetiva do Recorrente, não são aceitáveis, porque apesar de haver contradições, nada o impedia de "descobrir" o que aconteceu.

    IX - Apenas a testemunha (...) afirma ter ouvido as ameaças e esta testemunha contradiz-se, apresenta duas versões, e justifica- se muito mal, como releva do seu depoimento.

    X - A sentença não padece de qualquer nulidade e mostra-se bem fundamentada, enumera os factos provados e de direito que fundamentam a decisão, indicando e examinando criteriosamente as provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

    XI - Não se vislumbra, como partindo das declarações do arguido (…), do ofendido (...) e da testemunha com duas versões, (...), transcritas pelo Recorrente, os factos se mostram incorretamente julgados e que existam provas que impõem decisão diversa.

    XII - Bem pelo contrário, a sentença recorrida não é nula e a prova foi correta e justamente avaliada.

    XIII - Durante a audiência de julgamento, o Recorrente, que sempre esteve presente, nunca invocou uma alteração dos factos.

    XIV - Contudo, a fls. 18 da motivação de recurso entende-se no antepenúltimo parágrafo, que se deveria ter procedido «… a uma alteração não substancial dos factos ... " e no último parágrafo que «mal andou o Tribunal "a quo " .... ao não proceder à alteração substancial dos factos ...».

    XV - Ignora-se, assim, se a alteração pretendida é uma alteração não substancial ou uma alteração substancial dos factos, pelo que não é possível responder.

    XVI - O que sim é patente é que se alterou profundamente a acusação, em manifesta violação dos princípios subjacentes às garantias do processo penal constitucionalmente consagrados (artigo 32°. n°. 5 da Constituição da República Portuguesa).

    XVII -...

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