Acórdão nº 738/03.0TBSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA D
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 738/03.0TBSTR.E1 (1.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…) e (…), autores na ação declarativa, sob a forma de processo sumário que moveram contra (…), (…) e (…) e mulher, (…), interpuseram recurso do despacho proferido pelo Juízo Central Cível de Santarém, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual não admitiu a sua reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelos réus. A decisão sob recurso tem o seguinte teor: «Por intermédio do requerimento com a referência 6660634, veio a autora (…) reclamar da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelos réus requerendo a retificação da nota apresentada. Os réus pugnam pelo indeferimento da reclamação. Os autores não juntaram qualquer comprovativo de depósito, respeitante ao valor peticionado pelos réus da sobredita nota de custas de parte. Quid iuris? Nos termos do artigo 26.º-A, do Regulamento das Custas Processuais, na redação que lhe foi dada pela Lei 27/2019, de 28 de março, prevê-se que: “1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes. 2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota. 3 - Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC. 4 - Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º” O citado preceito legal entrou em vigor em 27 de abril de 2019 (artigo 11.º da Lei n.º 27/2019, de 28 de março). As alterações referentes aos atos processuais, como a que consta do preceito reproduzido, são de aplicação imediata (artigo 136.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). No caso vertente, questiona-se a nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelos réus em 3 de fevereiro de 2020. Portanto, ao caso em apreço é aplicável o disposto no reproduzido artigo 26.º-A, do Regulamento das Custas Processuais, que já se encontrava em vigor no momento em que os réus exigiu aos autores o reembolso das custas de parte. Com a introdução de tal normativo legal, visou o legislador superar a inconstitucionalidade orgânica resultante da decisão vertida no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 280/2017, publicado na I Série do DRE em 3 de julho de 2017, e que concretamente diz respeito ao estipulado no n.º 2, do artigo 33.º da Portaria n.º 419- A/2009, de 17 de abril. Pelo que, em face do atual quadro normativo, os autores deveriam ter depositado a “totalidade do valor da nota”, o que não fizeram. A exigência legal desse depósito não tutela simplesmente o interesse do credor das custas de parte subjacente à garantia do seu pagamento, mas antes desse, um outro, de racionalização do recurso ao funcionamento do sistema judicial e de prevenção da sua utilização com fins dilatórios. A consequência de tal conduta omissa dos autores é, de acordo com o citado artigo 26.º-A, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o não recebimento da reclamação. Neste conspecto, e com os sobreditos fundamentos, não admito a reclamação apresentada. Custas do incidente a cargo dos autores, fixando-se a taxa de justiça e uma (1) UC - art.º 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa ao mesmo. Notifique.» I.2. Os recorrentes formulam alegações que culminam com as seguintes conclusões: «I- O presente recurso vai interposto do Douto Despacho/Conclusão (referência 83429349 de 10-03-2020 do Citius), proferida pela Mº Juiz a quo, da qual foi o Recorrente notificado em 16/03/2020, e que não admitiu a reclamação por si oportunamente suscitada – RECLAMAÇÃO DA NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA DE CUSTAS DE PARTE APRESENTADA PELOS RÉUS - na qual arguiram, designadamente, a violação do disposto no artº 26º, nº 3, al. c) do R.C.P. (Regulamento das Custas Processuais), concluindo em resumo, que: “(...) em face do atual quadro normativo, os autores deveriam ter depositado a “totalidade do valor da nota” o que não fizeram. (...) A consequência de tal conduta omissiva dos autores é, de acordo com o citado artº 26º-A, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais, o não recebimento da reclamação. Neste conspecto, e com os sobreditos fundamentos, não admito a reclamação apresentada”. II - Salvo o devido respeito, entendem os Autores aqui recorrentes, que o Tribunal «a quo», ao decidir como decidiu, não fez uma correta interpretação dos normativo legais aplicáveis á situação em apreço, ou seja, ao caso concreto, incorrendo assim numa decisão contrária à Lei, bem assim como à Constituição da República Portuguesa, a qual, por conseguinte, deverá ser revogada a final. III - O Tribunal recorrido entendeu que a reclamação da conta de custas apresentada pelos RR, não deverá ser apreciada por não se mostrarem reunidas as condições (prévio depósito da quantia reclamada) de que depende a sua apreciação ao abrigo do atual artigo 26.º-A, nº 2, do R.C.P. introduzido pela Lei n.º 27/19, de 28/03. IV - Ora, salvo o devido respeito, por opinião contrária, entendem os recorrentes que a consequência da omissão do prévio depósito do valor total da nota discriminativa de custas de parte, não é, pelo menos no imediato, o não recebimento da reclamação apresentada, designadamente, sem a possibilidade de qualquer controlo judicial, tanto mais que, tal controlo judicial, concretamente no que respeita à verificação dos requisitos formais e de cumprimento de todos os elementos legalmente exigíveis (cfr. artº 25º do R.C.P.), pode e, por conseguinte, deve ser apreciado, mesmo oficiosamente pelo Tribunal. V - Assim, a apreciação que o Tribunal deverá fazer a título oficioso não depende, sequer, de necessária arguição da exceção por banda dos recorrentes, sob a condição de efetuarem previamente o depósito da totalidade das custas de parte reclamadas. VI - Tal regime decorre, salvo melhor opinião, do disposto no nº4 do citado artº 26º-A do R.C.P. o qual remete, para efeitos de reclamação da nota justificativa, para as disposições constantes do artº 31º do mesmo diploma, concretamente do disposto nos nºs 2 e 4 co referido artº 31º, onde se estatui (mutatis mutandi), que apenas não será de admitir uma segunda reclamação da nota justificativa, sem prévio depósito do respetivo valor, motivo pelo qual, em consequência, o Tribunal “a quo” sempre deveria, no caso concreto, e antes de mais, ter convidado os reclamantes para que, em prazo estipulado, procedessem ao depósito em causa, sob cominação de, não o fazendo, então sim, não verem ser apreciada a sua reclamação. VII - Ora, ao não proceder deste modo, violou o Tribunal “a quo”, por omissão de aplicação ao caso concreto, o supra citado regime legal aplicável, designadamente o disposto no nº4 do artº 26º-A e nºs 2 e 4 do artº 31º, todos do R.C.P. IX- Por outro lado e, de qualquer forma, a interpretação que o Tribunal “a quo” faz do regime legal aplicável ao caso concreto é materialmente inconstitucional, porquanto, com efeito, no caso concreto em apreço, não há proporcionalidade na exigência à parte vencida (os ora Recorrentes) do depósito da totalidade das custas de parte de montante tão elevado, como seja € 15.019,21 como condição de reclamação, no caso em que o valor em que as partes estão em desacordo, corresponde exactamente a metade daquele montante, com a consequência da violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição. X - Porquanto, o depósito do montante dos valores tal qual foi reclamado, mais do que um encargo severo, constitui um ónus incomportável, sendo certo que o carácter não controlado do processo de elaboração da nota de custas presta-se, em muitas situações e casos (e o presente caso não foge a essa leviandade) a exigência de montantes excessivos e muitas vezes injustificados e não comprovados, conferem colossais entraves (senão mesmos absolutos) às partes “lesadas”, ao fazer depender a admissão da reclamação ao depósito prévio do montante total constante da nota discriminativa de custas de parte, é suscetível de constituir um verdadeiro entrave à realização da justiça do caso concreto, e consequentemente, a doutrina que dele se extrai é o da sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade. XI - Ora, uma interpretação segundo a qual se exige uma imposição do depósito prévio à reclamação da conta de custas de parte, tem como único fundamento a norma que agora se extrai no n.º 2 do artigo 26º-A do R.C.P., face ao caso concreto, enferma de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), porquanto confere à parte que elabora a Nota de Custas de Parte a faculdade de definir, sem qualquer controlo judicial, o montante que a parte contrária tem de depositar para que a sua reclamação possa ser apreciada. XII - Permitindo, assim, que uma das partes, sem qualquer controlo prévio, possa definir o montante que a parte contrária terá de...

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