Acórdão nº 19355/19.7T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJERÓNIMO FREITAS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 19.355/19.7T8PRT.P1 SECÇÃO SOCIALACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIOI.

1 B… intentou contra “C… Sucursal Em Portugal” a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que julgada a acção procedente seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de €10.000, a título de indemnização pela prática de assédio, nos termos previstos no art.º 29.º n.ºs 2 e 4, do Código do Trabalho.

Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da ré em 2 de Outubro de 2017, mediante contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano, ocorrendo o termo a 1 de Outubro de 2018, para exercer funções de Chefe de Oficina, no Departamento de Produção, auferindo em contrapartida da sua prestação de trabalho a retribuição mensal ilíquida de € 650,00, para um horário de 40 horas por semana, distribuídas de segunda-feira a sábado.

Desde o início da vigência do contrato de trabalho que o funcionário da Ré, D…, Chefe Geral e seu superior hierárquico, teve comportamentos para consigo de grande agressividade, fazendo com que vivesse em estado de pânico durante o período de trabalho. Gritava constantemente consigo, transmitia-lhe informações contraditórias induzindo-a em erro na realização de tarefas, chegando a atirar paletes na sua direção com o intuito de a magoar, dirigindo-se muitas vezes simulando ou ameaçando que lhe daria murros e proferindo expressões como: “Sai da minha frente que sou um homem casado”, “Puta”, “Vaca”, ou “A Brasileira”, em tom depreciativo.

Após queixas que dirigiu à Ré, esta procedeu ao afastamento do Sr. D… da zona da oficina, onde a Autora prestava trabalho, para a zona do pátio, local mais afastado daquela, tendo a Autora de continuar a conviver diariamente com o agressor.

O cargo de chefe geral foi ocupado por outro funcionário da Ré, o Sr. E…, que lhe impôs a assinatura de um acordo de isenção de horário de trabalho, pelo que passou a trabalhar mais horas sem receber remuneração a título de horas extraordinárias. Acresce que, muitas vezes não eram sequer respeitados os horários de descanso obrigatório legalmente previstos.

Estes factos apenas consubstanciam o início de uma perseguição a que a Autora foi sujeita, perante a total inércia da Ré, e que se mantiveram até ao seu esgotamento físico e emocional.

Em 16 de fevereiro de 2018 foi sujeita, mais uma vez, a condições de trabalho psicologicamente extremas, tendo comunicado à Ré por e-mail o facto de um dos trabalhadores do seu turno se apresentar ao serviço recorrentemente embriagado. A solução apresentada pelo seu superior hierárquico seria a mudança do funcionário para outro turno, desde que a Autora tratasse disso. Voltou a solicitar uma tomada de posição da chefia, nunca obtendo resposta, mesmo depois de ter feito nova comunicação sobre a embriaguez do funcionário em 23 de maio de 2018.

Contratada para o cargo de Chefe de Oficina do Departamento de Produção ficou responsável por mais uma função, a de inspecionar os balneários masculinos, a partir de 16 de março de 2018, o que consubstanciou uma medida de humilhação.

O turno em que trabalhava era o único com regras de tratamento diferenciadas.

O chefe geral chegava a exigir à Autora a adoção de procedimentos extremamente perigosos.

Apesar de as suas funções não terem sido alteradas, foi-lhe retirado o acesso a um computador. A Autora teve de começar a levar o seu computador pessoal para o trabalho, para fazer os cálculos necessários e de recorrer ao seu telemóvel pessoal para o envio de e-mails.

Fruto do esgotamento físico e psicológico desencadeado pelo circunstancialismo acima descrito, em 09 de agosto de 2018, a comunicou à ACT o que se estava a passar na empresa e as condições em que laborava. Em 14 de agosto de 2018, a Autora voltou a contactar a ACT, de forma a que fosse apurada a situação de assédio moral no local de trabalho, em virtude de a mesma se ter tornado insustentável e de já não reunir condições psicológicas para continuar a exercer funções.

Mesmo depois de lhe ter comunicado que o seu contrato de trabalho não seria renovado, a Ré continuou a dificultar, sempre que possível, a vida da Autora. Não assinou, nem carimbou, o Modelo RP…./2018, conforme deveria fazer. Negou ainda enviar-lhe os seus recibos de vencimento, obrigando-a a deslocar-se às suas instalações para os receber.

Nos termos do artigo 29.º do Código do Trabalho, é proibida a prática do assédio. A Autora sofreu danos psíquicos bastante graves, convivendo com eles até à presente data. Os danos causados pela Ré à Autora deverão ser indemnizados, uma vez que a primeira não cumpriu com as suas obrigações legais, deixando-a à mercê dos comportamentos manifestamente abusivos por parte dos seus superiores hierárquico, tendo a receber da Ré uma quantia não inferior a €10.000 (dez mil euros) a título de indemnização pelos danos sofridos pelas situações descritas.

Contestou a ré defendendo-se por excepção e impugnação.

Excepcionando, alega, em síntese, que a Autora e Ré foram partes no processo n.º 7392/19.6T8VNG que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, autos que se iniciaram em 27/09/2019 no qual aquela peticionava uma compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho.

Na audiência de partes, a 14 de novembro de 2019, foi acordado pelas partes o pagamento pela Ré à Autora do montante de €650,00, tendo ficado estipulado, na cláusula 3ª da referida transação: “Com o pagamento integral da quantia mencionada em 1º), as partes declaram nada mais ter a haver ou reclamar uma da outra por força do contrato de trabalho que constitui o objecto dos presentes autos.

”.

A Autora intenta a presente ação como sendo alegadamente vítima de assédio (mobbing), no âmbito do contrato de trabalho celebrado e já objeto daquela transação, reclamando o direito a ser indemnizada, a título de danos não patrimoniais, em 10.000,00€. Assim, aquele acordo constitui-se como facto extintivo que importa a absolvição do pedido, por força do n.º 3 do artigo 576.º do Código de Processo Civil.

Respondeu a autora alegando, em síntese, aceitando os termos da transação e o pedido formulado na ação interposta. Contudo, refere que a compensação peticionada se deve exclusivamente a créditos não pagos e devidos à Autora no âmbito daquela ação e não a outras em curso.

I.2 Findos os articulados, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador, fixando o valor da causa em €10.000.00 e, nesse âmbito, pronunciando-se sobre a defesa por excepção, concluiu decidindo o seguinte: - «(…) Pelo exposto, julgo procedente a exceção invocada e absolvo a Ré do pedido nos termos do artigo 576º, nº 3 do CPC.

Custas a cargo da A., sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

(..)».

I.3 Inconformada com esta decisão a Autora interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes: 1.ª A Autora, ora Apelante, intentou ação contra a Ré, que correu termos no Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Gaia - J1, sob o n.º 7392/19.6T8VNG, onde peticionou uma compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho a título de créditos salariais, designadamente, compensação pela caducidade do contrato, retribuição de férias, subsídio de férias e de natal e retribuição pela formação profissional não ministrada.

  1. No âmbito desse processo, a Autora, aqui Apelante, e a Ré celebraram transação em que a aquela se comprometeu a não exigir quaisquer outros créditos laborais da Ré, relativos ao objeto do mesmo processo.

  2. Previamente à celebração da transação, a Apelante intentou o presente processo contra a Ré, peticionando um quantum indemnizatório por assédio moral na vigência do seu contrato de trabalho.

  3. O objeto do presente litígio diverge completamente daquele que serviu por base à transação celebrada, não podendo qualquer cláusula da mesma justificar uma absolvição do pedido na presente ação.

  4. O Tribunal recorrido devia ter concluído pela aplicação do artigo 238.º n.º 1 do Código Civil e observar que a base da transação não exclui a responsabilidade da Ré por outras compensações provenientes do contrato de...

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