Acórdão nº 713/19.3T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMOIS
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: C…, pessoa coletiva de direito público (ré).

Apelado: P… (autor).

Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho 1.

O autor veio intentar a presente ação sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra a ré, pedindo ao tribunal que: a) declare que entre o autor e ré vigorou, no período compreendido entre 2 de dezembro de 2010 e 31 de janeiro de 2019, um contrato de trabalho; b) declare ilícito o despedimento do autor promovido pela ré e, em consequência: 1. Condene a ré a pagar ao autor as retribuições contabilizadas desde 26.02.2019 até ao trânsito em julgado da presente sentença, tendo por referência a retribuição mensal de € 2 972,40, e ainda, desde a mesma data, as férias, subsídios de férias e de Natal, vencidos nesse mesmo período, contabilizados à mesma razão, no valor de € 47 558,40, aos quais acrescem os juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações.

  1. Condenar a ré no pagamento ao autor de uma indemnização de 30 dias de retribuição base, tendo-se em consideração o valor de retribuição de € 2 972, por cada ano completo ou fração de antiguidade, reportando-se esta a 02.12.2010, até ao trânsito em julgado da presente decisão judicial.

  2. Condenar a ré no pagamento de juros de mora desde a data da citação, à taxa legal.

    1. Condenar a ré no pagamento da quantia de € 5 944,80, a título de retribuição de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2019 e de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal do ano da cessação, € 247,70x 3= € 743,10.

    Para o efeito alegou, em síntese, que trabalhou desde dezembro de 2010 até janeiro de 2019, primeiro para a AMBAAL e depois para a ré - por força da fusão da primeira na segunda -, como diretor do Jornal explorado pela ré, devendo qualificar-se tal contrato como contrato de trabalho, por se verificarem todos os indícios de laborabilidade do artigo 12.º do Código do Trabalho, e que em fevereiro de 2019 a ré contratou outra pessoa para exercer essas funções, o que configura despedimento ilícito do autor, porque não se baseia em facto imputável ao trabalhador e não foi precedido de procedimento disciplinar, devendo a ré, enquanto empregadora, pagar-lhe uma indemnização em substituição da reintegração; as prestações intercalares desde a data da sentença até ao trânsito em julgado da decisão e ainda créditos de férias não gozadas e subsídio de férias vencidos em 01.01.2019 e de proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal do ano da cessação.

    Juntou documentos e arrolou testemunhas.

    Foi designada data para audiência de partes, e frustrada a mesma, foi a ré notificada para contestar.

    A ré contestou a ação, por exceção e por impugnação.

    Alegou a inexistência de vínculo laboral entre o autor e a ré, invocando que, pese embora a existência de alguns dos indícios laborais alegados pelo autor, a intenção das partes sempre foi manterem um vínculo de prestação de serviços e que, a não ser assim, sempre teria de se entender que a relação entre o autor e a A… já teria findado quando se verificou a fusão entre aquela e a ré e existir abuso de direito por parte do autor que nunca quis manter qualquer vínculo laboral com a ré. Por último refere que, procedendo a pretensão do autor no reconhecimento da existência de vínculo laboral entre as partes, as prestações intercalares e a indemnização devem ter por pressuposto a retribuição mensal que o autor receberia como funcionário público e não aquela que o autor reclama.

    Conclui pela improcedência da ação e pela condenação do autor como litigante de má-fé.

    Juntou documentos e arrolou testemunhas.

    O autor respondeu às exceções alegadas pela ré.

    Foi proferido despacho que, procedendo ao saneamento dos autos, dispensou a seleção da matéria de facto.

    Frustrada a conciliação das partes, realizou-se a audiência de julgamento como consta da ata respetiva.

    Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte: Pelo exposto, julgo procedente por provada a ação e, em consequência: - Reconheço a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre o autor e a ré, com início a 1 de janeiro de 2011 e fim a 31 de janeiro de 2019; - Declaro a ilicitude do despedimento do autor por parte da ré e, em consequência: - Condeno a ré a pagar ao autor uma indemnização que fixo em 30 (trinta) dias de retribuição por cada ano ou fração de antiguidade, desde a data de celebração de cada contrato até ao trânsito em julgado da decisão de despedimento, e que, à presente data (04.05.2020), perfaz o valor de € 27 767,17 (vinte e sete mil, setecentos e sessenta e sete euros e dezassete cêntimos) e respetivos juros de mora vencidos desde a data do trânsito em julgado da presente decisão, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento.

    - Condeno a ré a pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal, desde a data do despedimento (31.01.2019) até ao trânsito em julgado da sentença tendo por base o valor da remuneração mensal do Trabalhador de € 2 972,40 (dois mil, novecentos e setenta e dois euros e quarenta cêntimos) e o acréscimo dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento, desde a data do vencimento de cada prestação, sem prejuízo das legais deduções previstas nas alíneas a) a c), do n.º 2 do artigo 390.º n.º 2 do Código do Trabalho.

    - Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 5 944,80 (cinco mil novecentos e quarenta e quatro euros e oitenta cêntimos), a título de retribuição por 22 (vinte e dois) dias de férias não gozadas e respetivo subsídio, bem como a quantia de € 743,10 (setecentos e quarenta e três euros e dez cêntimos) a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano de cessação de facto do contrato, a que acrescem juros de mora à taxa cível desde a data da cessação do contrato (31.01.2019) até efetivo e integral pagamento.

    Custas pela ré que saiu vencida, cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil.

    Valor da ação: € 34 455,07 (trinta e quatro mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros e sete cêntimos) - artigos 296.º, 297.º, 299.º n.º 4 e 306.º todos do Código de Processo Civil.

  3. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem: A. O Tribunal a quo considerou-se competente para apreciar e julgar a presente ação, invocando para o efeito o disposto no artigo 126.º n.º 1, alínea b), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e do artigo 4.º n.º 4, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro; B. Nessa sequência, considerou procedentes os pedidos do autor recorrido, tendo reconhecido «… a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre o autor e a ré, com início a 1 de janeiro de 2011 e fim a 31 de janeiro de 2019», assente na presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, e concluído pela existência de um despedimento ilícito do recorrido, bem como pela condenação da C… no pagamento das quantias peticionadas a título de indemnização, retribuições alegadamente deixadas de auferir e férias não gozadas; C. A recorrente não concorda com a decisão recorrida, porquanto considera verificar-se i) Incompetência material do Tribunal a quo; ii) Impossibilidade aplicação do artigo 12.º do Código do Trabalho, na situação sub judice; e iii) Violação do direito fundamental previsto no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa; D. É certo que, como a sentença recorrida afirma, em sede de aplicação das normas de competência jurisdicional, a determinação da competência concreta do tribunal em razão da matéria é feita em função dos termos em que é formulada a pretensão do autor na respetiva petição inicial, sendo relevante a forma como se apresentam a causa de pedir e o pedido à data da propositura da ação, sendo também certo que o recorrido alega na sua petição inicial a existência de um contrato individual de trabalho entre si e a C…; Porém, E. Como bem esclarece o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 02 de fevereiro de 2016, a «… competência material não é, salvo casos manifestos, decidida antes da apreciação do mérito da causa, sobretudo, quando a qualificação da relação jurídica em que assenta a pretensão do demandante é factualmente controvertida (…). Sendo controvertida a matéria de facto só após a produção da prova o Tribunal fará o seu julgamento em relação à competência material.» (sublinhado nosso); F. Na situação em apreço, verifica-se que, realizado o julgamento (audiência final), o Tribunal a quo deu como provada a celebração entre a C… e o recorrido de dois contratos de prestação de serviços, ambos adjudicados na sequência de procedimento de contratação pública (vidé pontos 5. a 14., 41. a 45. Dos Factos Provados) e no âmbito da legislação sobre emprego público; Pelo que, G. O objeto do presente litígio teria que ter sido reconfigurado pelo Tribunal a quo face ao inicialmente desenhado pelo recorrido, passando a assentar apenas na discussão da qualificação jurídica a dar aos contratos de prestação de serviços para exercício de funções públicas como tal ou como contrato de trabalho em funções públicas, uma vez que «o trabalho em funções públicas pode ser prestado mediante vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviço…», nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da LGTFP; H. É, pois, incontornável que a discussão em causa nos presentes autos é, na realidade, a de saber se nos contratos de prestação de serviços celebrados entre o recorrido e a C… existe subordinação jurídica própria de um contrato de trabalho em funções públicas, assumindo os contornos próprios de uma relação de emprego público, o que está subtraído à competência do Tribunal a quo...

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