Acórdão nº 97/18.7GTCSC.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução02 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 97/18.7GTCSC, procedeu-se ao julgamento de RA , melhor identificado nos autos, pela imputada prática de factos integradores da autoria material de um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1 e 69.º n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, e de um crime de omissão de auxílio agravado, p. e p. pelo artigo 200.º n.º 1 e 2, do Código Penal.

BC deduziu pedido de indeminização civil contra o arguido e a L. – SUCURSAL EM PORTUGAL, no qual peticionou a condenação daqueles no pagamento da quantia de 6.000€ a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência dos factos elencados na acusação, a saber: 4.200€ a título de danos corporais e físicos e danos morais, 339,73€ a título de aluguer de veículo de substituição e 1.460,27€ a título de danos patrimoniais (reparação do motociclo e perdas salariais), com o acréscimo de juros vencidos e vincendos.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto e decidindo, julga-se a acusação parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, ABSOLVE-SE o arguido RA como autor material do crime de omissão de auxilio agravado que lhe era imputado, mas CONDENA-SE o arguido como autor material de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. no artigo 148.° n.° 1 do Código Penal, NA PENA DE 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS DE MULTA À RAZÃO DIÁRIA DE 6€ (SEIS EUROS), O QUE PERFAZ UM TOTAL DE 270€ (DUZENTOS E SETENTA EUROS).

Vai ainda o arguido condenado, nos termos preceituados no artigo 69.° n.° 1 al. a) do Código Penal na PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS PELO PERÍODO DE 4 (QUATRO) MESES.

Julga-se ainda parcialmente procedente por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido por BC e, consequentemente, ABSOLVE-SE o arguido/demandado RA da instância atenta a sua ilegitimidade, mas CONDENA-SE a demandada L. – SUCURSAL EM PORTUGAL no pagamento ao demandante da quantia de 1.000€ (MIL EUROS) pelos danos físicos e não patrimoniais sofridos pelo demandante, acrescida de juros à taxa legal, vincendos desde a data da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se do demais peticionado.

(…)» 2. O assistente/demandante recorreu desta sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): A. A douta sentença recorrida enferma de vício passível de ser apreciado em sede de Recurso na medida em que não julgou corretamente os factos provados, pois, em face da prova produzida, devia ter dado como provados os factos constantes das alíneas c) e) e f) dos “Factos não Provados”.

  1. Atento o que dispõe o artº 410º do Código de Processo Penal, existem fundamentos para que o presente recurso seja procedente, porquanto apesar da prova produzida em audiência de julgamento, vem absolver o Arguido do crime de omissão de auxílio de que vinha acusado; C. Quando se encontram verificados os pressupostos objetivos e subjetivos previstos no Artº 200º do Código Penal que levariam a que o Arguido fosse condenado pela prática do crime de omissão de auxílio; D. Consequentemente, decorrente da condenação do Arguido pelo crime de omissão de auxílio, deveria o mesmo ser condenado nos termos do pedido de indemnização civil, a pagar ao ofendido, ora Recorrente, uma indemnização por danos não patrimoniais nunca inferior a €.2.000,00; E. Da análise da prova produzida, nomeadamente a resultante das declarações do Arguido e do depoimento do Assistente e Demandante Cível, cuja audição se requer, resulta claramente prova suficiente para fundamentar a decisão de condenar o arguido também pelo crime de omissão de auxílio; F. E se assim não se entender, deve ser renovada a prova e ser chamada a depor a testemunha ML, testemunha ocular dos factos e que foi prescindida pela acusação; Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., Deve ser julgado procedente o presente Recurso, vindo a ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por douto acórdão que condene o Arguido pelo crime de omissão de auxílio nos termos do Artº 200º do Código Penal e, consequentemente, o condene a pagar ao ofendido, ora Recorrente uma indemnização nunca inferior a €.2.000,00, pelos danos não patrimoniais por este sofridos como consequência da conduta criminosa do Arguido.

Assim se fazendo JUSTIÇA.

  1. O Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta, no sentido de que a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada e o recurso não provido. 4. Subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), pronunciou-se no sentido de que o recurso deve ser rejeitado.

  2. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do C.P.P., procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

    II – Fundamentação 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

    Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: - Erro de julgamento / Vícios do artigo 410.º, n.º2, do C.P.P.; - Preenchimento da tipicidade do crime de omissão de auxílio por que foi o arguido acusado; - Condenação do arguido a pagar indemnização por danos não patriminoniais não inferior a 2.000,00€ em função da pretendida condenação pelo crime de omissão de auxílio.

  3. Da sentença recorrida 2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos: 1. No dia 18 de julho de 2018, pelas 9h e 50m, o arguido RA conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, com a matrícula 79..., na faixa de rodagem esquerda da Autoestrada n.º 5, denominada “A5”, sentido Cascais/Lisboa, na área do município de Oeiras, a uma velocidade não concretamente apurada.

  4. Nesse momento, circulava na faixa central de rodagem o veículo motociclo da marca Honda com a matrícula 09..., conduzido pelo ofendido BC .

  5. Seguidamente o arguido mudou para a faixa de rodagem central, a uma velocidade superior à do veículo motociclo conduzido pelo ofendido, atingindo por alcance o motociclo.

  6. Em concreto, ao atingir o km 3,800, o arguido embateu com a parte frontal direita do veículo por si conduzido na parte traseira do veículo motociclo conduzido pelo ofendido.

  7. Como consequência do embate, BC perdeu o equilíbrio do motociclo, acabando por cair, sendo projetado em direção ao asfalto do pavimento e aí deslizando durante uns metros.

  8. Enquanto o motociclo e BC deslizaram no asfalto, o arguido retomou novamente a faixa de rodagem esquerda.

  9. Quando já se encontrava na faixa de rodagem esquerda e ao aperceber-se da queda de BC , o arguido abrandou a marcha do veículo que conduzia, seguindo algum tempo em marcha reduzida.

  10. Em ato contínuo, apercebendo-se que o ofendido já estava de pé, o arguido aumentou a velocidade da sua marcha e afastou-se do local de embate.

  11. No local mencionado, a autoestrada configura uma reta com inclinação descendente, composta por 3 (três) vias de trânsito, encontrando-se pavimentada e em bom estado de conservação.

  12. No momento do acidente estava bom tempo e o piso encontra-se limpo e seco.

  13. Pelos atos supra descritos, o ofendido nesse mesmo dia, pelas 10h51m, foi assistido no serviço de urgência do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. – Hospital São Francisco de Xavier, ao qual foi atribuído o n.º 18086276, apresentando um ferimento aberto na região dorsal - lombar, sendo que teve alta nesse mesmo dia.

  14. Como consequência direta e necessária do aludido evento, BC sofreu um traumatismo de natureza contundente, que no período de 5 (cinco) dias evoluiu favoravelmente, embora com afetação da capacidade de trabalho geral do ofendido e afetação da capacidade de trabalho profissional no período compreendido entre os dias 18 de julho de 2018 a 30 de julho de 2018 por 100% de Incapacidade Temporária Absoluta.

  15. O arguido ao agir assim, sem o cuidado devido e sem atenção ao trânsito que se processava na faixa de rodagem para a qual alterou a sua circulação, desrespeitou as regras de circulação rodoviária que, atentas as circunstâncias, estava obrigado a respeitar, era capaz e que teria evitado a produção do acidente e das lesões provocadas em BC .

  16. O arguido previu como possível que, ao conduzir o veículo automóvel sem o cuidado devido, pudesse ocorrer um embate que colocasse em perigo a integridade física e vida dos utentes da estrada e, não obstante, continuou a conduzir da forma mencionada, não se conformando com essa possibilidade e não conseguindo evitar o acidente.

  17. O arguido sabia ainda ser causador do acidente e consequente queda geradora de risco para o corpo e saúde de BC e que, por força disso, impendia sobre si o dever de prestar apoio direto ou por via de contacto com socorro médico ao ofendido.

  18. Não obstante, o arguido quis de...

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