Acórdão nº 55/20.IPBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Dezembro de 2020
Magistrado Responsável | AUSENDA GON |
Data da Resolução | 09 de Dezembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. O Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido J. M.
, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do C. Penal. Realizado o julgamento, foi proferida sentença oral a 24/2/2020, a condenar o arguido, como autor material do aludido um crime, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de € 275,00 (duzentos e setenta e cinco euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do artigo 69º, n.º 1, alínea a), do C. Penal.
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Inconformado, o arguido recorreu, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «1) O limite máximo da pena de multa do crime de condução de veículo em estado de embriaguez do artigo 292º nº 1, de que o arguido vem condenado é de 120 dias; 2) A pena de 50 dias de multa, ou seja, muito próxima de metade do seu máximo legal admissível, fixada na aliás, douta sentença, é injusta, desadequada, desproporcionada e excessiva.
3) A medida da pena não é proporcional à medida da culpa do arguido.
4) A douta sentença não teve em conta as condições sociais e profissionais do arguido, a sua confissão, a não intervenção em acidente de viação e a ausência de antecedentes criminais, na fixação do número de dias da pena de multa, violando ao decidir como decidiu os artigos 47º e 71º do Código Penal; 5) Tendo em conta o grau da culpa do arguido e a suas condições sócio profissionais, a ausência de antecedentes criminais, isto e a necessidade de o mesmo sentir ao mesmo tempo o grau de censura penal que a sua conduta deve merecer, deve a douta sentença ser revista, condenando-se o arguido em 25 (vinte e cinco) dias de multa, por se entender tal como justo adequado e proporcional; 6) Resultou provado que o arguido aufere quantia mensal que o obriga a viver muito perto do limiar mínimo de subsistência; 7) Ao fixar o quantitativo diário da pena de multa, só se pode atender à matéria dada como provada, e tendo em conta a situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, fixar tal quantitativo; 8) Se existe situação em que se justifica a aplicação de um quantitativo diário da pena pelo seu mínimo é o caso dos presentes autos; 10) Destarte, em nome da justiça e da equidade impõe-se tendo em conta o caso concreto, a personalidade do arguido, as condições de vida, enunciadas nos autos e tendo em conta, o prescrito no artigo 47º do Código Penal, nomeadamente quanto à necessidade de ter em conta as condições económicas e financeiras do arguido, impõe-se a condenação do arguido, em pena de multa, fixando o quantitativo diário, num valor inferior ao fixado na douta sentença, sendo que no caso concreto se considera como justo, adequado e proporcional a sua fixação num valor de € 5,00 (cinco euros); 11) A fixação de uma pena de multa no número de dias e quantitativo diário referidos, realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade; 12) Ora, a dosimetria concreta da pena deve respeitar os limites estabelecidos na lei, sendo feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerando-se a finalidade das penas indicada no artigo 40º do Código Penal, havendo ainda de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, possam depor a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as exemplificadamente indicadas no artigo 71º nº 2 do Código Penal; 13) Quando medidas com rigor excessivo as penas deixam de realizar os seus fins, o combate a este tipo de crimes não pode ser realizado só com penas muito severas, estas têm de ser justas e adequadas à culpa do agente; 14) A pena será sempre adequada à culpa ontológica do arguido e com base no princípio da culpa, cujas forças ao nível da medida concreta da pena não devem ser excedidas pela carga própria da prevenção geral e especial; 15) A condenação do arguido, na pena constante da aliás, douta sentença, não realiza, salvo o devido respeito, no caso concreto, nenhum dos fins das penas, como também não é adequada à culpa do agente pelas razões supra expostas. Conforme salienta o saudoso Prof. Eduardo Correia, in Direito Criminal, vol. II, pág. 329 “O conteúdo da ilicitude e a sua maior ou menor gravidade variam em função do números de interesses ofendidos ou das consequências que lhe estão ligadas”.
16) A pena aplicada ao arguido, não deve ser transcrita no certificado de registo criminal, para os certificados referidos nos artigos 11º e 12º da Lei nº 57/98 de 18 de Agosto; 17) Mesmo que se mantenha a pena a que o arguido foi condenado, o que só por mera e remota hipótese se admite, não pode a mesma constar de tais certificados, uma vez que a alínea e) do nº 12º do citado diploma, diz claramente, que : “As condenações de delinquentes primários em pena não superior a seis meses de prisão ou em pena equivalente, salvo enquanto vigorar interdição decretada pela autoridade judicial” Não podem constar de tais certificados; 17) No entanto, e por mera cautela, e caso tal não se considere, tendo em conta que o arguido é primário e que poderá ser prejudicado na sua atividade profissional, com a inscrição da sentença acima descrita, nos referidos certificados, sempre se requer que a mesma não seja transcrita nos mesmos; 18) A Douta sentença recorrida sofre de erro na determinação da medida concreta da sanção acessória aplicada ao arguido; 19) Ao aplicar o período de inibição de conduzir, não teve em consideração o tribunal a quo, em consideração os critérios que devem presidir à determinação da medida da pena; 20) Como refere o Professor Figueiredo Dias, o pressuposto material de aplicação da pena acessória referida no artigo 69º do Código penal prende-se com o exercício da condução quando se tenha revelado, no caso concreto, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do facto; 21) Não existem no caso concreto factos provados que permitam concluir que o arguido conduzia nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, de forma censurável e tal circunstância deveria ter pesado a favor do arguido nos termos do nº 2 do artigo 71º do Código Penal; 22) Não pode o tribunal ao determinar a medida da pena, assentar a decisão na prevenção do crime, alheando-se da recuperação e ressocialização do ora recorrente e da sua sobrevivência; 23) O tribunal a quo, ao condenar o recorrente na pena acessória de inibição de conduzir de 4 (quatro) meses) violou os arts. 40º, nº 1 e 2, 71º, nº 1 e 2 e 47º nº 1 e 2, todos do Código penal, por excesso, desadequação e desproporcionalidade, pelo que a sentença deverá ser revista substituindo a pena acessória aplicada por outra, que cumpra com os preceitos legais subjacentes à sua aplicação; 24) A condenação do arguido na proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses é manifestamente excessiva, devendo ser substituída por uma outra em que ocorra a redução da sanção acessória, para o seu limite mínimo, ou seja, 3 (três) meses, ajustando assim a pena com a alegada culpa do recorrente e tendo em conta todas as atenuantes; 25) A douta Sentença violou as normas legais citadas, pelo que deve ser revogada.».
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Admitido o recurso, a Digna Magistrada do Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência total do mesmo, defendendo que as penas (principal e acessória) aplicadas, bem como o quantitativo diário daquela devem ser mantidas, atenta as elevadas exigências de prevenção geral, o dolo directo, o elevado grau de ilicitude e da culpa, considerando a taxa de alcoolemia registada, não obstante a confissão integral e sem reservas dos factos e o arrependimento demonstrado, os quais, no seu entender, também não poderão assumir grande relevância consideradas as circunstâncias e tipo de crime.
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E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, defendendo o acerto dessa resposta, cuja argumentação apoiou e reforçou, dizendo que as penas, se algum erro apresentam, é o da sua benevolência, face à elevada taxa de álcool no sangue com que o arguido conduzia, que a taxa de multa diária de € 5,5 se mostra justa e adequada à situação económica e financeira do mesmo, atendendo a que a taxa diária de cinco euros se destinará a pessoas sem qualquer rendimento conhecido, e que a pretensão que o arguido só agora formulou de que a condenação que lhe for aplicada não seja inscrita no seu registo criminal não foi colocada ao Tribunal de primeira instância, pelo que, tratando-se de uma questão nova, este Tribunal não pode pronunciar-se sobre ela.
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Cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP, efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*II – Fundamentação 1.
Delimitação do objecto do recurso.
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscitam-se neste recurso as questões de aferir se: (i) as penas principal (e respectivo quantitativo diário) e acessória aplicadas ao arguido se revelam juridicamente inadequadas, por não observarem os escopos assinalados no art. 40, n.º 1, do C. Penal; (ii) não deve ser transcrita no CRC do arguido a sua condenação.
Deve considerar-se como pertinente ao conhecimento do objecto do recurso a fundamentação de facto da sentença recorrida proferida oralmente.
Os factos...
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