Acórdão nº 25/17.7T9EPS-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução09 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

Nos autos de inquérito (Atos Jurisdicionais) com o NUIPC 25/17.7T9EPS, de que o presente incidente de quebra de sigilo profissional constitui apenso A, a correr termos na Procuradoria da República da Comarca de Braga - Departamento de Investigação e Ação Penal - Secção de Esposende, em que são denunciantes A. P. e mulher, M. F., e denunciado R. S., foi proferido pelo Mmº. Juiz com funções de instrução criminal, em 02-09-2020, o seguinte despacho (transcrição[1]): «O Ministério Público promoveu, ao abrigo do disposto no artigo 135.°, n.° 3, do CPP, o suscitar do incidente de quebra de sigilo profissional da Ilustre Advogada A. S. junto do Tribunal da Relação de Guimarães, e seja ordenada a prestação de depoimento por parte da testemunha, com quebra do sigilo profissional.

Decidindo.

No caso dos autos, a Ordem dos Advogados emitiu parecer no sentido contrário às pretensões do Ministério Público, escudando-se no sigilo profissional.

A questão deve, portanto, ser resolvida no quadro do disposto no art. 417°, n° 3 e 4 do CPC, que dispõe o seguinte: “3 — A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a) Violação da integridade física ou moral das pessoas; b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações; c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n° 4.

4 — Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado”.

Antes de mais, importa saber se a recusa é legítima, i. é, se a informação pretendida está abrangida pelo sigilo profissional.

Afigura-se-nos que a recusa é legítima, uma vez que os factos em causa chegaram ao conhecimento da testemunha e ocorreram com a intervenção desta no âmbito da referida atividade profissional.

Contudo, afigura-se-nos igualmente que o depoimento em causa é essencial e como tal serão superiores os valores de segurança e certeza jurídica em relação aos que o sigilo visa proteger.

Pelo exposto, determina-se, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 497°, n° 3, 417°, n° 3, alínea c), do CPC, e 135°, do CPP, que se autue certidão dos presentes autos e se autue por apenso e se remeta o apenso com a indicação incidente para a dispensa do dever do sigilo ao Venerando Tribunal Relação de Guimarães, solicitando-se tal dispensa.

Notifique.» 2.

Organizado o referido apenso, dando origem aos presentes autos de incidente de quebra de sigilo profissional, foram os mesmos remetidos a esta Relação de Guimarães, onde a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, tendo em consideração que a Ordem dos Advogados apenas se pronunciara, ao abrigo do disposto no art. 135º, n.ºs 2 e 4, do Código de Processo Penal, no sentido de a escusa para depor como testemunha pela Senhora Advogada. Dr.ª A. S. ser legítima, promoveu a audição, agora, da referida Ordem nos termos e para o efeito do disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo, sobre se se justifica a prestação de testemunho por parte da referida Senhora Advogada com quebra do segredo profissional.

  1. Deferida essa promoção, a Ordem dos Advogados pronunciou-se no sentido de que, para além do facto de o depoimento da Senhora Advogada não visar a defesa de qualquer cliente seu, antigo ou atual, também três dos requisitos cumulativos para a autorização de dispensa do sigilo profissional - a saber, exclusividade, essencialidade e imprescindibilidade - não estão preenchidos, concluindo, assim, que «não estão reunidas as condições de que depende a audição da ilustre Colega, Dra. A. S., com quebra do segredo profissional, devendo prevalecer os interesses que subjazem ao instituto jurídico-deontológico do dever de segredo profissional».

  2. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que não deve ser julgada justificada a quebra do segredo profissional invocado pela Senhora Advogada, por se afigurar que o seu depoimento não é imprescindível para a descoberta da verdade material, pelas razões aduzidas no parecer da ordem dos Advogados.

  3. Colhidos os vistos, o processo foi submetido à conferência.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO 1.

    Para a decisão do presente incidente são relevantes os seguintes elementos de facto que resultam dos autos: - Corre termos na Secção de Esposende do Departamento de Investigação e Ação Penal, da Procuradoria da República da Comarca de Braga, o processo de inquérito com o NUIPC 25/17.7T9EPS, de que o presente incidente de quebra de sigilo profissional constitui apenso A, em que são denunciantes A. P. e mulher, M. F., e em que é denunciado R. S., no qual se investiga a eventual prática pelo denunciado dos crimes de abuso de confiança e de falsificação de documento, previstos e punidos, respetivamente, pelos arts. 205º e 256º do Código Penal.

    - O denunciado, na qualidade de advogado, patrocinou os denunciantes na ação com o n.º 383/06.9TBEPS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no Juízo Local Cível do Porto - Juiz 2, na qual aqueles assumiam a qualidade de autores e em que era ré, entre outros, a sociedade comercial com a firma "X".

    - Nessa ação, a referida ré foi condenada a pagar aos autores, ora denunciantes, a quantia global de € 38.255,27, acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4%, contados sobre o valor de € 31.255,27, referente à indemnização por danos patrimoniais, desde a citação até integral pagamento, e dos juros à mesma taxa legal de 4%, contados sobe o montante de € 7.000,00, correspondente à compensação por danos não patrimoniais, desde a data da sentença até efetivo pagamento.

    - Na queixa-crime que apresentaram contra o denunciado e que deu origem ao referido processo de inquérito, os queixosos alegaram, nomeadamente, o seguinte (transcrição): «(…) No dia 21 de Julho de 2016 a Ré, X, para pagamento de parte da indemnização arbitrada aos Autores, ora Queixosos, efetuou uma transferência bancária para uma conta titulada por estes, no valor de 31.255,27 - cf.

    doc 5.

    No dia 25 de Julho de 2016 o Denunciado solicitou a presença dos Denunciantes no seu escritório e...

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