Acórdão nº 4747/18.9T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução24 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No inquérito nº 4747/18.9T9STB, foi deduzida pelo MP acusação pública, para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, contra o arguido L…, imputando-lhe a prática de um crime de burla p. e p. pelo art. 217º nº 1 do CP

O processo foi distribuído para julgamento ao Juízo de Local Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, tendo o Exº Juiz desse Juízo proferido, em 4/6/2019, um despacho do seguinte teor: «Questão prévia Dispõe o artigo 311°, n.º 1, do Código de Processo Penal, que «recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa logo conhecer» Compulsados os autos, afigura-se que efectivamente subsiste questão de que importa conhecer desde já, sendo que a mesma inclusivamente consta do intróito que antecede a dedução da acusação pública. Com efeito, constato que os presentes autos têm origem em certidão que foi extraída, por seu turno, do processo n.º 481/16.0GSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal (Juiz 4), sendo que, mais concretamente, foi emitido em tal contexto e também por referência ao despacho atinente ao artigo 311.º do Código de Processo Penal, decisão que rejeitou a acusação aí deduzida pelo Ministério Público contra o arguido (v. fls. 64-65), sendo que também foi emitido em tais autos despacho que consignou o arquivamento dos autos, indeferindo-se a devolução dos mesmos ao Ministério Público (v fls. 70·-72) Analisada a referida certidão igualmente se constata que os referidos despachos não foram objecto de recurso, tendo o Ministério Público optado, precisamente, pela extracção de certidão para instruir novo inquérito que corresponde ao presente processo, tendo deduzido nova acusação contra o arguido, agora contextualizando o local em que os factos ocorreram, omissão que havia acarretado a rejeição aludida no parágrafo antecedente. Impõe-se, pois, aferir da possibilidade de o Ministério Público, na sequência da rejeição da acusação, deduzir nova acusação aperfeiçoada e, mais concretamente, se pode proceder dessa forma através de um novo processo derivado da certidão do primeiro processo. A questão agora enunciada tem sido enquadrada pelos tribunais superiores através da figura do caso julgado, considerando parte da jurisprudência que esse instituto impede a reformulação da acusação e a jurisprudência contrária refere que esse caso julgado é meramente formal, não havendo decisão do mérito da causa, nada obstando, por conseguinte, que se proceda à referida reformulação. Assim, enquanto exemplo de decisões dos tribunais superiores que subscrevem o entendimento da verificação de caso julgado meramente formal, sem que subsista uma apreciação do mérito da causa penal e, assim, sem óbice à correcção do texto acusatório, não havendo violação do ne bis in idem, encontramos o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.4.2018 (relatado pelo Exmo Sr. Juiz Desembargador Gomes de Sousa, processo n.º 1559/16.6GBABF.E1, disponível para consulta em www.dgsi.pt). mas consignando-se em tal aresto que o processo deve ser devolvido ao Ministério Público para que se opere a referida reformulação, não se sugerindo como solução que seja extraída certidão do processado e que a acusação seja agora deduzida, ainda que corrigida, em novo processo. Por seu turno e em consonância com o entendimento que a acusação rejeitada é insusceptível de ser reformulada, é de considerar a jurisprudência contida no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.12.2018, aí se consignando que «o juiz formular convites ou recomendações, e muito menos ordens, ao Órgão Titular da acção penal, para aperfeiçoamento, rectificação, complemento, ou dedução de nova acusação, como não o pode fazer relativamente aos demais sujeitos processuais» (relatado pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora Ausenda Gonçalves, processo n.º 987/16.1T9VNF.G1, também disponível para consulta em www.dgsi.pt). Volvendo ao caso vertente. é de registar a lei processual penal não contém qualquer norma alusiva ao conceito de caso julgado, sendo, assim, de aplicar a lei processual civil (ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal) e, mais concretamente, considerar que o artigo 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispõe que «as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo» e, por seu turno, o artigo 619.°, n." 1, do mesmo diploma lega, esclarece que «transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele», aludindo aquela primeira norma processual ao caso julgado formal e a segunda ao caso julgado material, sendo que o último pressupõe o efectivo conhecimento do mérito da causa. É de considerar que no âmbito do processo n.º 481/16.0GSTB não houve lugar à apreciação do mérito da causa penal, não se deixando de considerar que os autos não prosseguiram para a fase de julgamento, tendo antes sido emitido, primeiro, despacho de rejeição da acusação e, posteriormente, novo despacho negando a devolução dos autos ao Ministério Público para reformulação da acusação. Tais despachos, contudo, não foram impugnados em sede de recurso, consolidando-se, formando-se caso julgado formal a seu respeito. A questão que se impõe considerar é se o Ministério Público pode reformular a acusação ao extrair certidão integral do processo n.º 481/16.0GSTB e sequentemente remeter novamente os autos à distribuição. Na nossa óptica a questão em apreço deve ser respondida de forma negativa na medida em que a certidão em apreço, precisamente por constituir duplicação integral do processado dos autos com o n.º 481/16.0GSTB, constitui, na realidade, o mesmo processo somente tendo diferente numeração (4747/18.7T9STB). Na verdade, todo o processado que constitui os presentes autos corresponde ao que foi constituido naqueloutros, sendo que inclusivamente contém os despachos de rejeição da acusação e de indeferimento de devolução dos autos ao Ministério...

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