Acórdão nº 973/20.7T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 27 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelRAMALHO PINTO
Data da Resolução27 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: L... veio intentar a presente providência cautelar não especificada contra I..., SA, pedindo que a mesma seja julgada procedente e provada e, consequentemente, seja suspensa a decisão tomada pela requerida relativamente à transferência do requerente, mantendo-se o mesmo a prestar trabalho na estação de Castelo Branco.

Alegou, para o efeito e tal como consta da sentença recorrida: É funcionário da requerida desde 12/07/1989, exercendo as funções de operador de circulação. Essas funções são exercidas na estação da ... de Castelo Branco desde 2003, com a excepção do período compreendido entre 01/06/2005 e 08/08/2011, em que exerceu as mesmas funções na estação das ... No início de Março de 2020 (6 de Março) tomou conhecimento através de e-mail que a entidade empregadora se preparava para proceder à transferência do seu local de trabalho para a estação da ... com efeitos a 23/04/2020, situação que, face aos efeitos da pandemia gerada pela doença Sars Covid 19, não foi efetivada na data aprazada, sendo que o poderá ser, a qualquer momento, pela entidade empregadora, aqui requerida.

Ora, entende o requerente que a transferência do seu local de trabalho e a consequente ordem de afectação definitiva à Estação de ... não cumpre os requisitos legais previstos no artigo 194.º, n.º 1, do Código do Trabalho, quer porque não se encontra devidamente fundamentada, quer porque não se verifica na verdade qualquer encerramento do estabelecimento da requerida em Castelo Branco, quer ainda porque a mesma não respeita os critérios de seleção e ordenação dos trabalhadores abrangidos pela extinção do posto de trabalho.

Acrescenta ainda o requerente que a transferência do seu local de trabalho da Estação a que se encontra adstrito – Castelo Branco -, para a Estação de ... lhe causa um grave prejuízo pessoal e familiar. Isto porque, por um lado, o requerente é portador de uma doença crónica – colite gástrica – que desenvolve, por vezes, úlceras gástricas, provocando-lhe náuseas, alterações intestinais, hemorragias, vómitos e dores, pelo que para controlar a doença, para além da medicação que faz, tem que observar diariamente uma dieta rigorosa ao nível alimentar, que só será possível se tiver possibilidade de se deslocar diariamente ou o máximo número de vezes a casa à hora da refeição. E porque, por outro lado, o seu agregado familiar é composto por si, pela sua mulher e pela sua sogra, que tem 86 anos e é doente cardíaca, estando actualmente dependente da sua ajuda para todos os actos da sua vida, designadamente levantar-se, fazer a sua higiene, confeccionar os alimentos e administrar a medicação que necessita.

Acresce que a mulher do requerente é enfermeira especialista no Serviço de Urgências do Hospital de ..., com um horário fixo incompatível com as necessidades de assistência que são necessárias à sogra do requerente, sendo por isso o requerente que normalmente faz o almoço e dá a refeição com a medicação à sua sogra. Assim como a levanta e ajuda na sua higiene de manhã, antes de ir para o trabalho, tarefas que são impossíveis se for transferido para a Estação de ...

Por último, salienta ainda o requerente que a distância que terá que percorrer diariamente da sua residência para a Estação de ... ascende a cerca de 200 km (ida e volta) o que provocará um cansaço extremo e o fará perder mais de duas horas de viagem em cada dia, prejudicando o seu descanso e a vida familiar.

Concluiu pugnando pela procedência da providência cautelar.

Mais apresentou o requerimento de inversão do contencioso, previsto no artº 369º, nº 1, do CPC, dispensando-se o requerente do ónus de propositura da acção principal.

A requerida apresentou oposição, sustentando, no essencial, que a ordem de deslocação em serviço é lícita, não havendo fundamento de facto ou de direito para que a presente providência seja decretada. Na verdade, sustenta a requerida que a comunicação da decisão de transferência se encontra devidamente fundamentada de acordo com o exigido pela lei, ou seja, encerrando em si a explicação de uma medida de racionalidade de gestão — que impele a empresa a agir e não um mero capricho ou subterfúgio para diferente propósito — sindicável e, para cúmulo, já amplamente conhecida do requerente, pelo que nenhuma violação há ao previsto no n.º 2 artigo 196.º do Código do Trabalho.

Acresce que não está em causa o encerramento, total ou parcial, da Estação de Castelo Branco, mas sim uma mudança no estabelecimento por via de uma transferência colectiva de postos de trabalho, motivada por alterações no plano territorial da requerida, em virtude de necessidade de melhoria da produtividade e racionalidade da gestão que, ao contrário do que o requerente pretende, se encontra acolhida na letra e no sentido do previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 194.º do Código do Trabalho. Mais sustenta a requerida que a ordenação elaborada está de acordo com os parâmetros vigentes na empresa e, logo, não sendo admissível perante tal critério (e nunca foi praticado pela requerida) o cômputo de períodos interpolados de antiguidade em posto de trabalho, razão pela qual conclui, em suma, ser a ordem de deslocação lícita.

Por fim, defende a requerida que o direito que lhe assiste de alterar o local de trabalho do requerente nunca representará um perigo susceptível de causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação, pelo que o procedimento dos autos não se justifica.

Conclui, pedindo a improcedência do procedimento, por não se demonstrar existir uma probabilidade séria de lesão grave ou dificilmente reparável do direito do requerente e, em consequência, a sua absolvição dos pedidos.

Realizada a audiência final, foi proferida decisão, que transcrevemos: “Atento o exposto, julgo procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência, determino a suspensão da ordem de transferência de local de posto de trabalho do requerente para ..., declarando-se a mesma ilegítima.

Ao abrigo do disposto no artigo 369.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, mais dispenso o Requerente do ónus de propositura da ação principal.

Custas a cargo da requerida”.

x A requerida, não se conformando com tal decisão, dela interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: ...

O requerente apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Foram colhidos os vistos legais, tendo o Exmº PGA emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos como questões em discussão: - a reapreciação da matéria de facto; - se a ordem emitida pela requerida de alteração do local de trabalho foi legítima e legal; - a inversão do contencioso.

x A 1ª instância fixou a matéria de facto da seguinte forma: ...

- o direito: - questão prévia: Juntamente com as suas alegações veio a requerida-apelante juntar seis documentos.

Nos termos do artº 651º, nº 1, do CPC, aplicável por força dos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º, nº 1 do CPT, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º do CPC ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.

Da articulação das disposições legais referenciadas resulta que é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso em duas situações distintas: - a primeira, no caso de não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão da 1ª instância; -a segunda, quando a junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Na primeira das hipóteses, compreendem-se os casos de a parte não ter conhecimento da existência do documento, ou conhecendo-a, não lhe ter sido possível fazer uso dele, bem como quando o documento se formou ulteriormente, sendo necessário, para que a junção se considere lícita, que a parte que apresenta o documento demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da...

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