Acórdão nº 95/20.0YRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução12 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA, de nacionalidade brasileira e portuguesa, e BB, instauraram ação especial de revisão de sentença estrangeira.

Para tanto, e em síntese, alegaram que por escritura pública outorgada em 23.5.2017 no Tabelião do … Tabelionato de Notas da cidade de …, Estado …, Brasil, formalizaram, entre si, uma «união estável».

Alegaram, ainda, que estabeleceram uma relação familiar, social, afetiva e que residem juntos, inicialmente no Brasil, e, atualmente, em Portugal, mantendo uma convivência análoga à dos cônjuges, há mais de dois anos, contribuindo ambos para a economia do casal, mediante mútuo auxílio em relacionamento tipicamente de marido e mulher.

E que, no ordenamento jurídico brasileiro, a união estável assume a qualidade de instituição familiar, podendo ser constituída por escritura pública perante tabelião de notas, e pode extinguir-se por via consensual através da mesma forma, sem dependência de homologação judicial, por equiparação ao divórcio consensual.

Entendem por isso, que, não obstante os efeitos jurídicos serem distintos, podem encontrar-se semelhanças entre a união estável brasileira e a figura da união de facto consagrada pela legislação nacional no art.º 1º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.

Em conclusão, pedem que seja revista e confirmada a “sentença” (sic), para que a mesma possa produzir em Portugal todos os seus efeitos legais.

  1. Foi ordenado o cumprimento do disposto no art.º 982º, nº 1, do CPC, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência da ação.

  2. Seguidamente, foi proferido acórdão a julgar a ação improcedente.

  3. Inconformados com o assim decidido, os requerentes interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: 1. Estão reunidos todos os pressupostos de recorribilidade previstos no artigo 985.º, n.º 1, do CPC, pelo que o presente recurso de revista deve ser admitido.

  4. O presente recurso reporta-se ao Acórdão proferido em 14/07/2020, no âmbito do processo n.º 95/20…., que correu termos na ….ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, o qual negou a revisão da escritura pública de união estável celebrada pelos Requerentes no Brasil, “subsistindo o seu valor em Portugal como meio de prova”.

  5. O Acórdão recorrido decidiu que “a escritura pública outorgada pelos Requerentes no Brasil, de 23.5.2017, ao traduzir uma declaração conjunta de uma união estável entre as duas pessoas declarantes, não conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Daí que se dava ter por verificado também o requisito da al. f) do art.º 980º”.

  6. A controvérsia surge ao nível do requisito da decisão, ou seja, saber se a escritura pública, in casu, pode ser entendida como uma decisão estrangeira relevante para efeitos da sua revisão, se deve ser objeto de revisão para produzir efeitos em Portugal.

  7. O Acórdão recorrido, conclui que a escritura pública não deve ser objeto de revisão para produzir efeitos em Portugal, ainda que não viole valores fundamentais na nossa ordem jurídica.

  8. Todavia, in casu, a não confirmação da sentença, essa sim, resultará em grave injustiça.

  9. Só quando o resultado da sentença choque flagrantemente os interesses de primeira linha protegidos pelo nosso sistema jurídico é que não se deverá reconhecer a sentença estrangeira, conforme acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-02-2006, relator Oliveira Barros; de 26-06-2009, relator Paulo Sá e de 23-10-2014, processo n.º 1036/124YRLSB.S1, relator Granja da Fonseca.

  10. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-03-2011, relator Fonseca Ramos, processo n.º 214/09.8YRERVR.S1, o Tribunal português tem de adquirir, documentalmente, a certeza do ato jurídico vertido na decisão revidenda, mesmo que não plasmada em sentença na aceção pátria do conceito, devendo aceitar a prova documental estrangeira que suporte aquela decisão, ainda que formalmente não seja exatamente aquilo que a lei interna nacional preenche o conceito de sentença.

  11. Nesse sentido, no Acórdão recorrido os Exmos. Desembargadores entendem que “Não se nos oferecem dúvidas sobre a autenticidade da escritura pública estrangeira que os Requerentes celebraram no Brasil, nem sobre a sua inteligibilidade, pelo que se verifica o pressuposto da al. a) do art.º 980º”.

  12. No Acórdão recorrido o TR… declarou que a escritura pública outorgada pelos Requerentes no Brasil, de 23.5.2017, não conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, pelo que se dá por verificado também o requisito da al. f) do art.º 980º.

  13. No tocante aos requisitos legais da revisão e confirmação previstos no art.º 980º, al.s b) a e), do CPC, verificou-se: “impõe-se a respetiva análise conjugada com o subsequente art.º 984º, 2ª parte, daí se extraindo que a lei presume que existem”, em razão da presente ação de revisão não se estabelecer numa relação processual antagónica, mas numa simples demanda ao Estado de atribuição de eficácia à sentença estrangeira.

  14. Com efeito, verificou que o reconhecimento de união estável entre duas pessoas entre si conviventes como se de cônjuges se trate, in casu, do ponto de vista da relação pessoal, tem paralelo no sistema jurídico nacional, desde logo de acordo com a Lei nº 7/2001, de 11 de maio, que define esta união como a situação jurídica duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, e adota medidas para a sua de proteção (respetivo art.º 1º, nºs 1 e 2).

  15. O Código Civil brasileiro legitimou no art.º 1723º como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, assim como, no nosso sistema jurídico, a jurisprudência também vem reconhecendo a união de facto como uma instituição familiar.

  16. Assim, além do resultado não ser “manifestamente incompatível” com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, conforme descrito no próprio Acórdão recorrido, a revisão da escritura pública para produzir efeitos em Portugal não abala os princípios fundamentais da ordem jurídica interna.

  17. Nesse sentido, no acórdão o Tribunal de Relação de Lisboa de 04/02/2020, relatora Micaela Sousa, processo n.º 2490/19.9YRLSB-7, afirma que: “Adita-se a seguinte passagem elucidativa do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2017, relator...

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