Acórdão nº 784/18.0T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMOIS
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Recorrente: …& Construção, SA (arguida).

Recorrida: ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho.

Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho de Beja.

  1. A arguida veio impugnar judicialmente a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho, a qual a condenou na coima no valor de € 15 000 (quinze mil euros), e no pagamento de créditos laborais e juros de mora na quantia de € 2 337,12 (dois mil trezentos e trinta e sete euros e doze cêntimos) de contribuições à Segurança Social no valor de € 912,53 (novecentos e doze euros e cinquenta e três cêntimos), pela prática de contraordenação muito grave, por infração ao disposto na alínea d) do n.ºs 1 e 3 do art.º 129.º do Código do Trabalho, conjugada com o n.º 1 do art.º 283.º do mesmo diploma, art.º 2.º n.º 1 e al. e) do n.º 3 do art.º 48.º da Lei nº 98/2009, de 04.09 (Lei dos Acidentes de Trabalho – “LAT”).

    Para tanto, e em conclusão, alegou que: Em consequência de acidente de trabalho, o trabalhador da ora impugnante Sr. A…, foi acometido de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) entre 11.09.2014 e 10.02.2015. A partir do dia 10.02.2015, encontrou-se afetado de Incapacidade Temporária parcial (ITP) de 20%, no âmbito da qual consideraram os Serviços Clínicos da Companhia de Seguros que o sinistrado poderia retomar a sua atividade profissional.

    A situação manteve-se até ao dia 03.03.2015, data em que aquela ITP se modificou para 10% até 10.03.2015, voltando então a aumentar para 20% até 07.04.2015. Nesta última data (07.04.2015), a ITP foi fixada em 15% até data não definida.

    Após o regresso do sinistrado à sua atividade profissional (lubrificador) em fevereiro de 2015, a ora Impugnante “retomou o seu dever de lhe pagar pontualmente a sua retribuição.” Sucede que, apesar do sinistrado ter retomado a sua atividade de lubrificador ao serviço daa, a verdade é que, em termos qualitativos e quantitativos, o seu desempenho não foi o mesmo que anteriormente ao acidente.

    Por se encontrar ainda em período de tratamentos e de recuperação física, por força da incapacidade – ainda que temporária – para o trabalho, no âmbito das funções próprias da categoria profissional, não podia, como manifestamente não pôde, o Sr. A… executar todas as tarefas normais e necessárias, ou executá-las, com o nível de prontidão exigível e habitual.

    Por via das suas limitações físicas de então, durante o período temporal em causa, o Sr. A… deixou, com o consentimento da ora Impugnante, de realizar tarefas mais exigentes fisicamente, que envolvessem movimentos mais complicados e/ou que reclamassem a permanência em pé por períodos de tempo prolongados: em intervalos de tempo regulares, era sistematicamente obrigado a interromper eventual trabalho, para repouso na posição de sentado.

    Não obstante se encontrar ao serviço da arguida, a atividade do sinistrado não teve objetiva e manifestamente o mesmo rendimento: menos tarefas executadas, e as que o foram, levaram bem mais tempo que o normal a ser concluídas.

    A prestação de trabalho do sinistrado refletiu na perfeição, pela negativa, o coeficiente de incapacidade temporária de que o mesmo se encontrava afetado em cada um daqueles períodos de tempo.

    Atenta a diminuição, clínica e efetiva, da capacidade de trabalho do Sr. A…, e como contrapartida direta dessa mesma capacidade reduzida, a ora Impugnante aplicou à retribuição deste último o coeficiente de desvalorização profissional temporária vigente em cada intervalo de tempo.

    A remuneração contratualmente devida ao sinistrado permaneceu inalterada. Só a retribuição concretamente paga pela Impugnante e recebida pelo sinistrado durante a fase de incapacidades temporárias correspondeu à efetiva capacidade sobrante para o trabalho do mesmo.

    Após a alta clínica, e continuando até hoje ao serviço da Impugnante, o sinistrado deixou de ter qualquer afetação no salário concretamente auferido.

    O sinistrado recebeu da Companhia de Seguros todas as indemnizações legais decorrentes por cada um dos períodos de incapacidade temporária.

    À luz do princípio estruturante de que uma indemnização se limita a eliminar ou a compensar um prejuízo sofrido, não devendo constituir qualquer fonte de ganho ou lucro, a ora Impugnante sempre interpretou da forma acima descrita o regime das incapacidades temporárias dos sinistrados na decorrência de acidente de trabalho: a remuneração por parte da Empregadora do trabalho prestado pelo sinistrado em fase de desvalorização da sua capacidade de trabalho deve refletir essa redução, já que em conjunto com a indemnização propriamente dita, ela vai compor a remuneração normal completa.

    A ora Impugnante interpretou e aplicou a lei aplicável da forma mais diligente e esclarecida que lhe é possível: através de raciocínio juridicamente consistente, razoável e em linha com a Justiça material que se preconiza em matéria de acidentes de trabalho, cuja matriz é o da compensação pelo prejuízo, e não de ganho duplo pelo mesmo trabalho.

    No caso do sinistrado António Pacheco, a Impugnante atuou com total ponderação e genuína boa-fé (objetiva e subjetiva), convicta de que estava a corresponder integralmente aos relevantes princípios e objetivos preconizados pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho.

    Conclui pela procedência das conclusões e ser a decisão administrativa revogada e a recorrente absolvida.

    Arrolou testemunhas.

    Foi admitida impugnação e designado dia para realização de audiência de discussão e julgamento, que se realizou como consta da ata respetiva.

    Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte: Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a impugnação judicial interposta pela arguida e, em consequência, condeno a arguida pela prática da contraordenação muito grave por infração ao disposto na alínea d) dos n.ºs 1 e 3 do art.º 129.º do Código do Trabalho, na coima de € 9 180 (nove mil cento e oitenta euros) bem como na sanção acessória de publicidade, caso a arguida não cumpra com o preceituado no n.º 1 do artigo 563.º, do Código do Trabalho, e no pagamento da remuneração indevidamente descontada ao sinistrado trabalhador, no valor de € 424,06 (quatrocentos e vinte e quatro euros e seis cêntimos) e respetivos juros.

  2. Inconformada, veio a arguida interpor recurso, que motivou e concluiu da forma seguinte: 1- Em toda a tramitação administrativa que antecedeu a elaboração do auto de notícia, o teor da acusação, tal como os fundamentos da condenação, nunca a ACT informou a arguida (ou sequer declarou nos autos, de modo a que esta pudesse aperceber-se de tal), uma concreta data de alta clínica atribuída ao trabalhador sinistrado, ou, sequer, que a empregadora mantinha as deduções salariais ao trabalhador – próprias e apenas devidas (mesmo no entender da arguida) durante os períodos de incapacidades temporárias para o trabalhador –, após a atribuição da alta.

    2- Para determinar a prática da contraordenação, será essencial destrinçar a conduta da arguida reportada ao período que antecede a data da alta clínica, de todo o intervalo de tempo entre 17.04.2015 e junho de 2016, em que os descontos salariais foram efetuados num pressuposto (erróneo, mas compreensível) de manutenção da situação anterior de incapacidade temporária.

    3- As deduções salariais concretizadas após 17.04.2015 não relevam para a questão de fundo do presente processo de contraordenação, na medida em que a arguida desconhecia, sem obrigação do contrário, que o fundamento jurídico por ela configurado como legitimando as deduções salariais posteriores já não existia.

    4- O erro da recorrente circunscreve-se a um contexto de facto, no âmbito do qual, confiando legitimamente no teor do último elemento clínico disponível, e exercendo um normal dever de diligência, ignorava compreensivelmente a falta de fundamento para as deduções subsequentes a 17.04.2015: as entidades com competência e/ou obrigação de o reportar, as intervenientes no processo de acidente de trabalho – seguradora e sinistrado –, ou que com ele contactaram, como a ACT, nunca informaram ou tomaram a iniciativa de interpelar a empresa, questionando-a expressamente porque é que, tendo já sido atribuída alta clínica ao sinistrado, continuava a proceder às deduções no salário do mesmo, como se persistisse afetado da última percentagem de ITP.

    5- A postura errónea da entidade empregadora no período posterior a 17.04.2015, não resulta de qualquer comportamento negligente, uma vez que, sendo alheia ao processo de acidente de trabalho, não era sequer seu o dever de informação quanto ao pressuposto essencial para as deduções nos vencimentos do sinistrado, mas antes deste último, e depois da própria ACT na fase prévia ao processo, e, finalmente da seguradora.

    6- Relativamente às deduções salariais concretizadas entre abril de 2015 e junho de 2016, não se colocará, pois, a verificação do elemento subjetivo do tipo contraordenacional em apreço, visto que, atentos os factos provados sob os nºs 13 a 16, a recorrente agiu sempre com a diligência devida à luz dos elementos conhecidos, sendo certo que, assim que foi informada da data da alta clínica, de imediato regularizou a situação do ponto de vista da sua responsabilidade civil perante o trabalhador, e parafiscal perante a Segurança Social, quanto aos salários descontados posteriormente a 17.04.2015.

    7- O que está em discussão na contraordenação prevista e punida na alínea d) do n.º 1 e n.º 3 do art.º 129.º do Código do Trabalho, é saber se as deduções operadas pela arguida nos salários auferidos pelo trabalhador sinistrado entre fevereiro e março de 2015, no total de € 424,06 (quatrocentos e vinte quatro euros e seis cêntimos), correspondem, ou não, à correta interpretação do regime legal dos acidentes de trabalho, no que toca às retribuições devidas no decurso dos períodos de incapacidades temporárias.

    8- Da impugnação judicial oferecida pela recorrente e, bem assim, da prova...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT