Acórdão nº 22652/17.2T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | GRAÇA AMARAL |
Data da Resolução | 10 de Novembro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. AA e BB, por si e na qualidade de beneficiário do Trust Topper Finance Limited propuseram (em18-10-2017) acção declarativa comum contra Banco Espírito Santo, SA (1.ª Ré), Banco de Portugal (2.º Réu), Novo Banco, SA (3.ª Ré), Fundo de Resolução (4.º Réu), CMVM – Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (5.º Réu) e CC (6.ª Ré), formulando os seguintes pedidos: “(…) declarada:
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A responsabilidade civil dos RR., enquanto intermediários financeiros, por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade, nos termos do disposto no artigo 304.º-A do CVM, devendo em consequência os RR serem solidariamente condenados a pagar aos AAa quantia de € 1.035.811,54, acrescida de: i) € 161.752,62 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR. das quantias monetárias do A.; ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória; Caso assim não se entenda: b) A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321.º do Código dos Valores Mobiliários, devendo em consequência serem os RR solidariamente condenados a restituir aos AA a quantia de €1.035.811,54, acrescida de: i) € 161.752,62 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos RR das quantias monetárias do A.; ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória; Em qualquer dos casos: c) Requer-se ainda: i) a declaração de nulidade do contrato de mútuo bancário realizado entre os AA. e o 1.º R. por inobservância de forma legalmente exigida; Ou, caso assim não se entenda, ii) a declaração de anulabilidade do contrato de mútuo bancário realizado entre os AA. e o 1.º R., por ocorrência de erro na declaração dos AA.
E devendo, em consequência, e em qualquer dos casos serem os RR. condenados a ressarcir solidariamente os AA., no montante correspondente ao valor de todas as quantias por este pagas no âmbito daquele contrato, e apurar em sede de liquidação de sentença, e com recurso aos elementos probatório infra requeridos; Mais se requer, que sejam ainda os RR. condenados a ressarcir solidariamente aos AA. os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença” Os Autores, alicerçando a acção na responsabilidade civil por violação dos deveres de informação, diligência e lealdade impostos no âmbito da actividade de intermediação financeira, alegaram, fundamentalmente, que o dinheiro que tinham depositado no 1.ª Ré foi aplicado, através da 6.ª Ré (sua gestora de conta e subordinada daquela), na compra de produtos financeiros que não correspondiam aos seus interesses, nem às suas instruções, ludibriando-os para esse efeito com a consequente produção de danos.
Relativamente aos 2.º e 5.º Réus a responsabilidade foi-lhes imputada em função dos deveres de supervisão, pela devolução dos montantes investidos, por recurso aos montantes sob tutela do 4.º Réu que detém integralmente o capital social da 3.ª Ré.
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Após citação os Réus apresentaram contestação.
O 5.º Réu (CMVM) excepcionou a incompetência do tribunal judicial em razão da matéria, a inadmissibilidade processual do litisconsórcio e da coligação e a sua ilegitimidade. Deduziu ainda defesa por impugnação.
A 1ª Ré (BES, SA – Em Liquidação) defendeu-se por excepção, invocando a inutilidade/impossibilidade da lide, a prescrição da responsabilidade contratual do intermediário financeiro e a caducidade do direito de arguir a anulabilidade do exercício. Deduziu também defesa por impugnação.
As 3.ª e 6.ª Rés (Novo Banco, SA e CC) excepcionaram a ilegitimidade dos Autores e a sua ilegitimidade impugnaram o alegado pelos Autores.
O 4.º Réu (Fundo de Resolução) excepcionou a incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria. Deduziu igualmente defesa por impugnação.
O R. Banco de Portugal defendeu-se por excepção, invocando a incompetência absoluta dos tribunais judiciais em razão da matéria e a sua ilegitimidade passiva. Deduziu também defesa por impugnação.
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Os Autores responderam às excepções defendendo a sua improcedência.
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No saneador (proferido em 22-03-2018) foi decidido “Declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do artigo 277º, e) do Código de Processo Civil, quanto ao réu Banco Espírito Santo, S.A., em liquidação” e “Julgar este tribunal incompetente em razão da matéria, e, em consequência, absolver todos os réus da instância”.
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Os Autores interpuseram apelação tendo o tribunal da Relação de Lisboa (em 02-05-2019) proferido acórdão que indeferiu o pedido suspensão do presente processo e de reenvio Prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia e julgou a apelação: - improcedente relativamente à Ré Banco Espírito Santo, SA.(mantendo a sentença mas com fundamento em falta de interesse processual e não em inutilidade superveniente da lide) e aos Réus Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários; - procedente no que respeita aos Réus Novo Banco, SA, Fundo de Resolução e CC, revogando a sentença e determinando quanto aos mesmos o prosseguimento dos autos.
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O Réu Fundo de Resolução veio interpor revista concluindo nas suas alegações (transcrição): a. “O presente recurso de revista tem como objecto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos presentes autos, o qual, revogando parcialmente a sentença do Tribunal da Comarca de ..., decidiu serem os Tribunais judiciais materialmente competentes para conhecerem do pedido aqui formulado pelos Autores também em relação ao Fundo de Resolução.
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A revista deduzida é admissível nos termos da alínea a) do art. 671º/2 e da alínea a) do art. 629º, ambos do Código de Processo Civil, pois tem como objecto, precisamente, a violação pelo Tribunal da Relação a quo, na perspectiva do ora Recorrente, de normas aplicáveis em matéria de competência jurisdicional, nomeadamente do art. 212º/3 da Constituição, do art. 1º/1, bem como das alíneas a) e o) do art. 4º/1 do ETAF e, ainda, do respectivo nº 2.
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A decisão impugnada baseou-se numa recente linha jurisprudencial do Tribunal dos Conflitos produzida no contexto de processos muito semelhantes ao presente, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido que, “[n]o que concerne à questão da competência material para conhecer dos pedidos dos AA. contra o Fundo de Resolução, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal dos Conflitos nas ações em que o Fundo de Resolução foi demandado enquanto detentor do capital social do Novo Banco, tal competência cabe aos tribunais judiciais, orientação que – respeitando o princípio ínsito no n.º 3, do art. 8.º do Código Civil – é de manter no caso dos autos” .
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Porém, embora venham demandados solidariamente todos os Réus, o certo é que a causa de pedir da acção é complexa, sendo diferentes as fontes (e os títulos) de responsabilidade imputada aos vários Réus, como acima se explicitou, no capítulo II.1. destas alegações.
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Acontece que o Tribunal dos Conflitos, na mencionada jurisprudência – e, portanto, o Tribunal a quo na decisão recorrida –, se limitou a ter em consideração a causa de pedir invocada em relação ao Réu BES (e admita-se, ao Novo Banco), sem cuidar de ponderar a causa de pedir invocada para justificar a demanda do Fundo de Resolução.
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Causa de pedir essa que, no caso dos autos – como também nos casos levados ao Tribunal dos Conflitos – reside no facto de o Fundo deter “inteiramente” o capital social do Novo Banco (cf. art. 117º da petição inicial).
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Por outro lado, em consequência disso, o Tribunal dos Conflitos (e o Tribunal a quo) limitou-se a excluir a aplicação a casos como este da alínea f) do nº 1 do art. 4º do ETAF, bem como do respectivo nº 2, sem ponderar quaisquer outras normas de atribuição da competência à jurisdição administrativa, nomeadamente as da alínea a) e, em qualquer caso, da alínea o) desse art. 4º/1.
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Ora, como se procurou demonstrar nestas alegações, a qualidade de “accionista único” do Novo Banco – além de não ter qualquer vestígio literal e funcional na lei, nomeadamente no RGICSF, que, como vimos, se refere sempre ao Fundo como o detentor ou titular do capital dos bancos de transição, recusando-lhe, de um lado, e retirando-lhe, do outro, quaisquer direitos e deveres atribuíveis societariamente à qualidade de accionista –, qualidade que, a existir, lhe adviria de normas e de actos de direito administrativo (não de normas e de actos de direito privado).
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A começar logo pelo art. 145º-G/4 do RGICSF e pelo art. 4º do Anexo 1 da Medida de Resolução do BES, de 3 de Agosto de 2014, a qual configura um acto jurídico-público, um acto administrativo, do Banco de Portugal.
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Por outro lado, a dotação de capital dos bancos de transição (como o Novo Banco) pelo Fundo de Resolução é fruto exclusivo de um dever de capitalização exorbitante do direito privado, que lhe impõem normas de direito administrativo do RGICSF e o acto jurídico-público de criação do Novo Banco pelo Banco de Portugal, não derivando a criação e a capitalização do Novo Banco de qualquer acto voluntário e formal de accionista fundador praticado pelo Fundo de Resolução ao abrigo das correspondentes normas do (Código Civil ou do) Código das Sociedades Comerciais.
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Toda a organização...
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