Acórdão nº 066/19.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I - Relatório 1 – A Directora-Geral da Autoridade Tributária vem, nos termos dos artigos 25.º n.ºs 2 e 4 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), interpor recurso para a uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral n° 625/2018-T, proferida em 28 de Junho de 2019, pelo Cento de Arbitragem Administrativa, por considerar que esta decisão colide com o decidido no acórdão de 8 de Novembro de 2017, processo n.º 0674/16, proferido no Supremo Tribunal Administrativo apresentando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: I - O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objeto a decisão arbitral proferida no processo n.º 625/2018-T, por Tribunal Arbitral em matéria tributária constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

II - A mencionada decisão arbitral, aqui sindicada, colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0674/16, datado de 08 de Novembro de 2017, já transitado em julgado, na parte em que não procede à suspensão da instância arbitral até à prolação de decisão no processo de reenvio prejudicial nos termos do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

III - A Recorrente defende, com o devido respeito, que a decisão de mérito de procedência do pedido formulado pela ora Recorrida, está em total contradição com jurisprudência dimanada do Acórdão fundamento.

IV - Ali se consignou a seguinte factualidade: (...) 7 - No dia 29 de Setembro de 2010, A…, LDA., cedeu a B…, Lda., o crédito que se encontrava a ser executado por apenso à acção identificada no n.° 5 supra, nos termos que aqui se dão por reproduzidos (cfr. documento junto a fls. 18 a 20 dos presentes autos); 8 - Ficou declarado naquela cessão que tal negócio foi efectuado no valor de € 351.619,90, pagos pela B… à A…, LDA., através de cheque na mesma data (cfr. documento junto a fls. 18 a 20 dos presentes autos); 9 - No dia 11 de Fevereiro de 2011, foi entregue, via internet, a declaração periódica de IVA relativa ao período 2010/12T de A…, LDA (cfr. informação junta a fls. 60 a 67 dos presentes autos e lavrada no âmbito de processo de recurso hierárquico); (...) (...) no caso dos autos, conforme decorre nos 7 e 15 do probatório fixado e supra reproduzido, está em causa a cessão, a título oneroso, de uma posição processual numa acção executiva para cobrança de um crédito reconhecido judicialmente resultante do incumprimento de um contrato de mediação imobiliária, acrescido de IVA à taxa em vigor à data em que for efectuado o pagamento e de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, tendo o cedente recebido do cessionário em contrapartida da cessão um valor inferior ao valor da acção.

(...)» (sublinhado nosso) V - Tendo delimitado que, no caso em apreço, «(...) a questão a decidir é a da aplicabilidade da norma de isenção constante da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA a operações de cessão de créditos realizadas por entidades que não sejam instituições financeiras, importando apurar sobretudo se a interpretação adotada pela AT e pelo acórdão recorrido é conforme ao artigo 135.º da Diretiva IVA na interpretação que dele vem fazendo o TJUE e que importa ponderar no presente caso, ponderação a que o tribunal recorrido não procedeu e que importa proceder.»; VI - E concluído que inexiste «(...) acto claro quanto à questão de saber se uma operação com as especificidades da que está em causa é ou não subsumível do conceito de "concessão" "negociação" ou "gestão" de créditos para efeitos do disposto no artigo 135.º, n.º 1, alínea b) da Directiva IVA, impõe-se a este STA, em cumprimento do disposto nos artigos 19.º, n.º 3, alínea b) e 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia proceder ao reenvio prejudicial da questão em análise para o TJUE (...)».

VII - Em confronto, a decisão arbitral ora recorrida também apreciou, e decidiu, de mérito, a mesma questão, exatamente idêntica, nos factos e no direito, àquela que originou o pedido de reenvio prejudicial efetuado no âmbito do referido processo 0674/16, isto é, no acórdão fundamento.

VIII - Na análise, a decisão recorrida fixou, como relevantes, os seguintes factos: «(...) D. No âmbito da sua actividade, (...) a Requerente era titular de créditos em mora por falta de pagamento dos seus clientes/locatários devedores, tendo estes mesmos contratos cessado por incumprimento.

  1. A 10/1/2018, a Requerente celebrou um contrato de cessão de créditos com a X…………, S.A., enquanto cessionária, através do qual a Requerente cedeu à cessionária "que aceita a cessão, os créditos e direitos de que a primeira das referidas sociedades é titular, à data da assinatura do presente contrato, emergentes dos contratos cuja lista está junta como Anexo I ao presente contrato, do qual faz parte integrante" (Cláusula Primeira, n.º 1, do referido contrato; vd. Doc. 3 apenso).

  2. Segundo o supra referido contrato, "o valor nominal dos créditos cedidos corresponde ao valor que consta na lista anexa como Anexo I" (Cláusula Primeira, n.º 2; vd. Doc. 3), valor este que foi fixado, à data de celebração do contrato, em €2.367.840,29 (vd. Anexo I). (...) J. Pela cessão definitiva de créditos efectuada pela Requerente à cessionária foi acordado um preço global de €130.000, valor correspondente a 5% do valor nominal total da carteira de contratos a ceder (vd. Cláusula Segunda, n.º 2). (...)" IX - Perante esta factualidade, considerou o Tribunal que a questão essencial era a de decidir se «(...) a cessão definitiva de créditos ora em análise constitui, ou não, uma operação sujeita a IVA (i.e., constitui, ou não, uma transmissão de bens ou prestação de serviços sujeita a este imposto)? » X - Tendo acabado por concluir que: «30. Em síntese: A) no Acórdão MKG, o TJUE conclui pela existência de um «nexo directo» entre a actividade do factor e a importância que este recebeu em contrapartida sob a forma de um pagamento (uma comissão de factoring e uma taxa del credere) - contudo, no caso ora em análise, está demonstrado que nenhuma comissão ou contrapartida por um serviço prestado (ou a prestar) foi (requerida ou) recebida pela Requerente na sequência da cessão de créditos; B) no Acórdão GFKL, o TJUE - ainda que analisando a questão aí em causa pelo lado do adquirente dos créditos cedidos - conclui que "o cessionário de créditos não recebe nenhuma contrapartida por parte do cedente, de modo que não exerce uma actividade económica na acepção do artigo 4.º da Sexta Directiva, nem efectua uma prestação de serviços na acepção do artigo 2.º, ponto 1, desta directiva", salientando, ainda, que "uma prestação de serviços só é efectuada «a título oneroso», na acepção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são realizadas prestações recíprocas".

31. Sabendo-se que, como se disse acima, o conceito de «prestações de serviços efectuadas a título oneroso», na acepção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, pressupõe a existência de uma «ligação directa» entre o serviço prestado e o contravalor recebido (e que tal ligação, no caso dos presentes autos, não existe, porque ao valor recebido não se demonstrou estar associada a prestação de qualquer serviço), e que, mesmo que ocorra uma diferença entre o valor nominal dos créditos adquiridos e o preço de aquisição dos mesmos, tal diferença não constitui, necessariamente, "uma remuneração destinada a retribuir directamente um serviço fornecido pelo adquirente dos créditos cedidos" (veja-se Acórdão GFKL, §24) - assim se demonstrando que inexiste, entre os (alegados) prestador e beneficiário, uma relação jurídica durante a qual são realizadas prestações recíprocas, dado que a (alegada) retribuição recebida pelo prestador (seja esta entendida como o preço pago ou "apurada" pela mera diferença entre o valor nominal dos créditos adquiridos e o preço de aquisição dos mesmos) não pode ser vista como sendo contravalor por um serviço (que, como se disse, no caso destes autos não se demonstrou ter sido realizado) fornecido ao beneficiário -, conclui-se que assiste razão à ora Requerente.

(...)» XI - Ao contrário do que foi decidido no acórdão fundamento, o Tribunal arbitral julgou não ser de fazer o reenvio prejudicial ao TJUE, apesar de estar pendente de apreciação, naquele Tribunal superior, um processo sobre os mesmos factos e a mesma questão de direito.

XII - Razão pela qual este entendimento está em total contradição com o aresto fundamento que perante idêntica factualidade considerou a existência de motivo para «suspender a instância até à pronúncia do TJUE».

XIII - Resulta, assim, demonstrada a identidade da questão fundamental de direito na decisão recorrida e no acórdão fundamento, já que, em ambos os casos, em concreto, foram tomadas decisões opostas - perante idêntica situação de facto e igual questão de direito.

XIV - Decisões essas que se prendem com a suspensão da instância até à prolação de decisão num processo de reenvio prejudicial pendente, no âmbito do qual se discutem idênticas questões jurídicas, tal como determinam os artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, do CPC.

XV - Pelo que, existindo, entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, importa dirimi-la mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão contestada, com substituição da...

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