Acórdão nº 185/17.7JDLSB-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelGILBERTO DA CUNHA
Data da Resolução20 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo de inquérito nº 185/17.7JDLSB da Comarca de Portalegre – Juízo de Competência Genérica de Ponte de Sor – J2, o arguido (...), devidamente identificados nos autos, pelo despacho proferido no final do 1º Interrogatório judicial de detido a que foi submetido em 18-12-2019 e precedendo requerimento do Ministério Público no sentido de que o arguido ficasse a aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva e sujeito a termo de identidade e residência já prestado, a que o arguido se manifestou contra, por despacho do Senhor Juíz de Instrução foi determinado que ficasse a aguardar os ulteriores termos do processo em liberdade, ficando sujeito, para além do termo de identidade e residência já prestado, às seguintes medidas de coacção: - «1. Prestação de Caução no montante de € 10.000,00 (dez mil euros) através de depósito na Caixa Geral de Depósitos, à ordem deste Tribunal, no prazo de 5 (cinco) dias (artigo 197.º do CPP); 2. Obrigação de apresentação periódica diária no posto policial da sua área de residência (artigo 198.º do CPP); 3. Suspensão do exercício da sua actividade profissional de Instrutor de Condução automóvel e de qualquer outra actividade profissional com esta directamente relacionada (artigos 199.º n.º 1 al. a) e n.º 2 do CPP) - a este propósito ordena-se desde já a comunicação à autoridade administrativa competente do conteúdo desta medida de coacção; 4. Proibição de o arguido se ausentar para o estrangeiro (artigo 200.º n.º 1 al. b), primeira parte, do CPP); 4.1. Caso o passaporte do arguido não esteja já apreendido à ordem do processo, determina-se a imediata entrega à guarda do tribunal do passaporte que possuir e a comunicação às autoridades competentes com vista à não renovação desse passaporte e ao controlo das fronteiras (artigo 200.º n.º 3 do CPP); 5. Proibição de o arguido contactar, por qualquer meio, com os demais co-arguidos no processo (artigo 200.º n.º 1 al. d) do CPP); 6. Proibição de o arguido adquirir armas de fogo (artigo 200.º n.º 1 al. e) do CPP).» Recursos.

Inconformados com essa decisão, dela interpuseram recurso o Ministério Público e o arguido, pugnando aquele pela aplicação da prisão preventiva e este pela revogação da obrigação de apresentação periódica (diária) e da suspensão do exercício da sua actividade profissional de Instrutor de Condução automóvel e de qualquer outra actividade profissional com esta directamente relacionada, impostas no despacho recorrido.

  1. O Ministério Público rematou a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: «1. Decorrido que foi o primeiro interrogatório judicial do arguido (…), o Mm. Juiz por entender como fortemente indiciados todos os factos constantes do requerimento para a sua apresentação, que são suscetíveis de integrar a prática, em concurso real, 9 crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, com referência ao art. 255.º, al. c), todos do Código Penal, e pelo artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil, e 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, als. p), i) e q), e art. 3.º, n.° 4, al. a), todos do RJAM, aplicou-lhe as seguintes medidas: prestação de caução no montante de € 10 000; obrigação de apresentação periódica diária; suspensão do exercício da atividade profissional; proibição de se ausentar para o estrangeiro, com apreensão de Passaporte; proibição de contatar, por qualquer meio, com os demais coarguidos; e proibição de adquirir armas de fogo.

  1. Atentos os evidentes perigos de fuga, perturbação do inquérito, continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade pública, o Ministério Público promoveu a aplicação ao arguido da medida de coação de prisão preventiva.

  2. Os factos em causa encontram-se sustentados em todos os elementos de prova já recolhidos nos autos, os quais não foram infirmados pelo arguido.

  3. O facto de o arguido não ter antecedentes criminais não afasta nenhum dos aludidos perigos, atenta a falta de consciência do desvalor das suas ações.

  4. Nenhuma das medidas de coação aplicadas ao arguido satisfaz de forma adequada, suficiente e proporcional as necessidades cautelares que os autos demandam.

  5. Atenta a quantidade e a qualidade dos meios de prova já carreados para os autos, pode-se concluir, com inteira segurança, pela probabilidade elevada de ao arguido (…), por força deles, vir a ser aplicada uma pena de prisão efetiva.

  6. Existe um claro perigo de perturbação do decurso do inquérito, na vertente da aquisição e conservação da prova, porquanto ainda faltam concretizar várias diligências, designadamente as decorrentes das buscas, com inquirição de testemunhas, pelo que é crível que o arguido, ora em liberdade, as tente influenciar e demover, como se verifica pelo facto de ter sido apreendida na residência do arguido a constituição de arguido e o TIR de um dos arguidos, (…).

  7. É elevado o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, uma vez que os factos fortemente indiciados revelam que a conduta do arguido é merecedora de acentuada e especial censurabilidade pelo cidadão comum, uma vez que muitos indivíduos, desejosos de obter Carta de Condução, mas não tendo escolaridade ou capacidade inteletual, em vez de optarem por vias ilegais, se resignam a não conduzir, provocando um forte sentimento de injustiça para com aqueles outros, como os nove indivíduos já identificados que, também não tendo essas capacidades, optarem pela via ilegal que o arguido lhes disponibilizou.

  8. Tal perigo resulta, ainda, do facto de os indivíduos que obtiveram Carta de Condução nos moldes proporcionados pelo arguido, ignorarem as regras estradais, uma vez que o processo de troca de Carta de Condução apenas exige exame práticos, dispensando o imprescindível conhecimento das regras estradais, fundamental para uma condução segura e para a segurança dos demais utentes das vias públicas.

  9. E elevado o perigo de continuação da atividade criminosa, uma vez que, pelo menos desde 2009 que o arguido se dedica à falsificação de Cartas de Condução, obtendo avultados lucros, sendo com esse propósito que a ela se entrega, pois, apesar de ter atividade profissional remunerada, a verdade é que apenas os proventos ilícitos lhe permitem custear o nível de vida que ostenta.

  10. Este perigo é potenciado pela personalidade do arguido, uma vez que apesar de bem saber que corria a presente investigação (pois alguns dos indivíduos a quem foi apreendida a Carta de Condução exigiram o dinheiro de volta, e na sua casa foi apreendido um documento de constituição de arguido e TIR de um dos arguidos nestes autos (…), não deixou de continuar a falsificar Cartas, continuando presentemente a fazê-lo.

  11. Ademais, na residência do arguido foram apreendidos documentos/ elementos de mais quatro candidatos que o abordaram, e que lhe entregaram os documentos necessários para ele lhes arranjar Carta de Condução nos moldes já conhecidos, o que indicia que continua a intermediar a falsificação de Cartas de Condução.

  12. Nenhum das medidas de coação aplicadas é adequada a suster o perigo de continuação da atividade criminosa.

  13. Tentar-se que o arguido altere o seu comportamento, e deixe de contribuir para que condutores nacionais obtenham Carta de Condução com recurso a mecanismos ilegais, com a aplicação de outras medidas de coação, é uma decisão, no mínimo, temerária! 15. As medidas de coação aplicadas pelo Mmo. Juiz de Instrução ao arguido não são suficientes, adequadas e proporcionais às necessidades cautelares que, no caso concreto, importa prevenir, e violam o disposto nos artigos 202.º, n.º 1, al. a) e 204. °, alíneas a), b) e c), Código de Processo Penal. 16. Termos em que deverá o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, ser o despacho recorrido objeto de revogação, e substituído por outro que, nos termos do disposto nos artigos 191.º, 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1, al. d) e e), e art. 204.º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, aplique ao arguido a medida de coação de prisão preventiva, por ser adequada, necessária e proporcional às necessidades cautelares que o caso requer e que urge prevenir, uma vez que todas as restantes medidas se mostram já insuficientes para salvaguardar os perigos que se fazem sentir».

    Não houve resposta.

    II.

    O arguido concluiu a sua motivação com as seguintes conclusões: «1ª A medida de coação aplicada ao Arguido / recorrente de apresentação diária às Autoridades Policiais da sua área de residência, é manifestamente desproporcionada ao caso, e não respeita os princípios previstos no Artº 193 do CPP 2ª A medida de coação aplicada ao arguido de Proibição do exercício da Profissão de Instrutor de Condução é manifestamente desproporcionada, e violadora do nº 2 do Artº 66 do CPenal.

    Assim e por se entender terem sido violadas as normas previstas nos artigos 193º, 66 nº 2 e 256º do Código Penal, se pugna pela procedência do presente Recurso, revogando-se as medidas de coação aplicadas ao Arguido, de apresentação diária às Autoridades Policiais e de suspensão das suas funções como Instrutor de Condução por conta de outrem.

    Em tal sentido, substituindo-se o decidido se acredita na Reposição da Justiça do Caso».

    Contra motivou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo do seguinte modo: «1. Desde logo cumpre referir que também o Ministério Público apresentou recurso do douto despacho em causa, proferido em sede de 1º...

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