Acórdão nº 166/11.4T3STC-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 20 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 166/11.4T3STC, do Juízo Local Criminal de Santiago do Cacém (Juiz 1), o tribunal decidiu ordenar o pagamento, pelo IGFEJ (pagamento esse não sujeito a reembolso), de uma fatura apresentada pela “S – N e L, Ld.ª”, relativa ao custo de um depósito suportado por tal empresa
Inconformado com essa decisão, interpôs recurso o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões (em transcrição): “1 - A final outra conclusão não pode ser retirada que não seja a de que não procedeu o Tribunal “a quo” a apreciação de forma correta e de acordo com as regras da experiência comum, das normas legais aplicáveis, afigurando-se-nos por isso injusta a decisão recorrida
2 - Se o depositário civil se presume gratuito, por maioria de razão o fel depositário/depósito em processo penal não poderá ser oneroso, ou seja, sempre terá neste domínio de ser gratuito, nem sequer nesta sede se admite prova em contrário, ou seja, sendo que o depósito em direito civil se presume gratuito, logo em caso algum em processo penal poderá ser oneroso. Neste sentido a expressão latina “a minori ad maius”. Porém o despacho recorrido interpretou os artigos 1186º e 1158º, nº 1, do Código Civil, ao contrário, no sentido de que o depósito é, “in casu”, oneroso, por se tratar de uma sociedade comercial, porém, o artigo exige que essa sociedade tenha por profissão ser fiel depositária, o que não é o caso
3 - O elemento sistemático compreende as disposições que regulam a mesma matéria e que regulam problemas normativos paralelos, de forma a obter-se a consonância com o espírito e unidade de todo o sistema jurídico. Se o depositário civil se presume gratuito, por maioria de razão o fiel depositário/depósito em processo penal não poderá ser oneroso, ou seja, sempre terá neste domínio de ser gratuito, nem sequer nesta sede se admite prova em contrário, ou seja, sendo que o depósito em direito civil se presume gratuito, logo em caso algum em processo penal poderá ser oneroso. Neste sentido a expressão latina “a minori ad maius”
4 - O mesmo resulta do costume, pois na prática judiciária, no domínio penal e processual penal, um fiel depositário vir pedir o pagamento é uma tal exceção que confirma a regra de que tal depósito no âmbito processual penal é sempre gratuito
5 - Dispõe o artigo 1158º, nº 1, do Código Civil: “o mandato presume-se gratuito, exceto se tiver por objeto atos que o mandatário pratique por profissão; neste caso presume-se oneroso”. Por sua vez, o artigo 1186º do Código Civil refere que, sobre a gratuitidade ou onerosidade do depósito, “é aplicável o disposto no artigo 1158º”
6 - O emitente da fatura em questão não se afigura ter por profissão ser fiel depositário, pelo que esse depósito mesmo no direito civil seria sempre gratuito, por maioria de razão é sempre gratuito no domínio do direito e processo penal, onde não admitirá sequer prova em contrário. Acresce que mesmo no plano civil não se afigura que esteja afastada a presunção de que o depósito “in casu” é gratuito
7 - O depósito no processo penal não consta do Código das Custas Judiciais, nem do Código de Processo Penal, por já resultar do ordenamento jurídico e da prática judiciária que é gratuito
8 - Por outro lado, ao contrário do determinado no despacho recorrido, se pago o valor da fatura, tal pagamento seria sempre reembolsável até por ser manifestamente indevido, o que resulta do ordenamento jurídico, incluindo do próprio direito fiscal, fazendo assim uma interpretação incorreta do artigo 19º do Regulamento das Custas Processuais
9 - Acresce que o despacho recorrido, ao determinar que o pagamento do valor da fatura não ficaria a cargo da arguida, também aqui o despacho recorrido interpretou incorretamente o artigo 514º do C. P. Penal, pois o depósito derivou da conduta ilícita que lhe está imputada nos autos, pelo que a arguida, a final, sempre teria de efetuar tal pagamento
10 - O despacho recorrido, ao mandar pagar a fatura em causa, é juridicamente inválido, por falta de fundamento legal, pois afasta a aplicação dos artigos 1186º e 1158º, nº 1, do Código Civil, e não invoca qualquer norma legal que em concreto determine esse efeito jurídico
11 - Caso existisse um eventual crédito pelo depósito, o seu beneficiário seria o nomeado fiel depositário JJDF (cfr. fls. 230) e não a S, pelo que esta não poderia nunca ser beneficiária de qualquer crédito, pois não tem nos autos a referida qualidade
12 - O despacho recorrido, ao deferir o pagamento da fatura em causa, violou os artigos 1186º e 1158º, nº 1, 9º e 10º, do Código Civil, os artigos 4º e 514º do Código de Processo Penal, e o artigo 19º do Regulamento das Custas Processuais
13 - Caso se considerasse oneroso o depósito, o seu pagamento deveria ser efetuado de acordo com os usos, ou seja, serem pedidos 3 orçamentos e pago apenas o menos oneroso, pelo que tal valor poderá ser excessivo - artigo 1158º, nº 2, do Código Civil
14 - O encargo, se existisse, deveria ser considerado sempre reembolsável e a liquidar apenas a final, por a arguida ter dado causa ao mesmo - artigos 19º do Regulamento das Custas Processuais e 514º do C. P. Penal
15 - O Mmº Juiz decidiu valorando incorretamente as normas legais aplicáveis, não as analisou à luz das regras da experiência, pelo que outro resultado não pode ser obtido que não seja a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro despacho que indefira o pagamento da fatura em questão, que a S não é a fiel depositária, que a arguida é que deu causa ao encargo a não adiantar pelo IGFEJ
Por tudo o exposto, e nos demais termos de Direito que V.ªs Ex.ªs Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação do despacho recorrido com a Referência 90059047, a fls. 620 a 622, e ser substituído por outro que indefira o pagamento da fatura em questão, a fls. 618, que o seu valor será excessivo, que a S não é a fiel depositária, que a arguida é que deu causa ao encargo a não adiantar pelo IGFEJ”
* “S - N e L, Ld.ª”, apresentou resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, entendendo que o mesmo deve ser julgado improcedente, e concluindo tal resposta nos seguintes termos (em transcrição): “A. No Recurso, do Douto Despacho do Tribunal a quo que determinou o pagamento à Interveniente Acidental dos custos incorridos com o depósito da mercadoria apreendida, entendeu o Ministério Público que i) a Interveniente Acidental não assume a qualidade de fiel depositária, mas sim o Exmo...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO