Acórdão nº 566/20 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução21 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 566/2020

Processo n.º 6/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. O A., S.A. requereu a constituição do tribunal arbitral no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pretendendo a declaração de ilegalidade do ato tributário praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) consubstanciado na liquidação adicional do Imposto do Selo, de 12 de janeiro de 2017 e respetivas liquidações de juros compensatórios, da mesma data, todas referentes ao exercício de 2014, e, bem assim, da decisão de indeferimento que recaiu sobre a respetiva reclamação graciosa, pedindo ainda indemnização pela prestação de garantia indevida.

Constituído o Tribunal, o mesmo proferiu o acórdão ora recorrido, no dia 13 de novembro de 2018, através do qual julgou parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando a liquidação de Imposto do Selo de 12 de janeiro de 2017 e respetivas liquidações de juros compensatórios, em determinados montantes, concretamente, para o que aqui releva, no valor de € 6.361,76, correspondente ao Imposto do Selo relativo às “taxas de serviço ao comerciante” (TSC) cobradas a entidades isentas, e no valor de € 1.418.351,65 correspondente ao Imposto do Selo relativo à “taxa multilateral de intercâmbio” (TMI) e às comissões interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticas (ATM’s), absolvendo a AT do pedido de anulação na parte restante. Mais julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização por garantia indevida, condenando a AT a pagar ao requerente a indemnização a liquidar em execução daquele acórdão.

2. É deste acórdão de 13 de novembro de 2018 que vêm interpostos dois recursos de constitucionalidade:

i) Um recurso interposto pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]), incidindo sobre a recusa de aplicação pela decisão recorrida da norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, (Orçamento do Estado para o ano de 2016) que atribui carácter interpretativo à redação dada pelo artigo 153.º da mesma Lei à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto do Selo; e

ii) Um recurso interposto pelo A., S.A., ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objeto a interpretação normativa acolhida pela decisão recorrida no que respeita à verba 17.3.4 da TGIS.

3. Tendo os autos prosseguido para alegações, o Ministério Público apresentou a correspondente peça processual, em que sustenta que deve ser dado provimento ao recurso por si interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:

«1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e arts. 70.º, n.º 1, al. a), 72.º, n.º 1, a), e n.º 3, ambos da LOFPTC, “da decisão arbitral exarada no proc. n.º 103/2018-T, da norma com aplicação recusada, art. 154.º Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, nova redação da verba 17.3.4/ Imposto de Selo TGIS”

2.ª) O fundamento da lei interpretava radica na proteção das expetativas seguras e legítimas dos interessados, na medida em que “estes podiam contar com a solução fixada pela lei LN interpretativa” visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”, e por tal via serão tuteladas considerações de “justiça relativa”, “certeza” e “razoabilidade”, tudo em ordem a um tratamento igual de casos iguais.

3.ª) Assim, na medida em que os seus destinatários “podiam contar com a solução fixada pela lei LN interpretativa”, visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”, a LN deverá ser reputada como “lei interpretativa, no sentido e para os efeitos do artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil.

4.ª) O que será o caso, em particular, quando a “lei interpretativa” sufraga uma interpretação “declarativa” (ainda que “lata”) do texto da LA.

5.ª) Ora, na expressão legal “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” poderão ser subsumidas, justamente por o serem, as TMI e as comissões cobradas sobre as operações efetuadas com cartões em caixas automáticas.

6.ª) Por outra parte, as “instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras”, emitentes dos cartões em causa, ao fazerem uso do serviço financeiro assim prestado pelas instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras” que são detentores do ponto ATM, são das mesmas “clientes”, nomeadamente para os presentes efeitos de incidência subjetiva e objetiva do imposto do selo.

7.ª) A solução jurídica perfilhada na LN opera no quadro das regras hermenêuticas prescritas na lei tributária, nomeadamente à luz de argumentos literais (“comissões por operações financeiras” e “clientes”) e da substância económica dos factos em causa (serviços financeiros prestados pelos titulares dos pontos ATM) ali consagrados (LGT, art. 11.º, n.ºs 1 e 3).

8.ª) Por conseguinte, a solução jurídica perfilhada na LN, ao aditar o enunciado “incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, consagra uma “interpretação declarativa” das palavras “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” da pretérita fórmula da verba 17.3.4 da TGIS, o que lhe confere um cariz interpretativo, em sentido próprio.

9.ª) Aliás, idêntica interpretação das palavras da verba 17.3.4 da TGIS já foi perfilhada em sede de decisões arbitrais, no douto acórdão de 7 de dezembro de 2017, proc. n.º 756/2016-T, no âmbito de controvérsias tributárias.

10.ª) Em conclusão, quanto à matéria de constitucionalidade, a decisão arbitral incorreu em erro de julgamento, por força de erro de interpretação quanto ao alcance, no caso em apreço, da “lei interpretativa” respeitante à incidência objetiva do imposto, nomeadamente à luz do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.»

4. Por sua vez, no que respeita ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recorrente, A., S.A. apresentou as seguintes conclusões:

«1.ª O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com referência à decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 103/2018-T, na qual se encontrava em discussão a sujeição a Imposto do Selo da Taxa de Serviço de Comerciante (TSC) e da Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI), que a AT considera tratar-se de comissões cobradas por prestações de serviços financeiros, enquadradas na verba 17.3.4 da TGIS (“Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”), tendo o Tribunal Arbitral considerado improcedente o pedido de declaração da ilegalidade de IS sobre a TSC e procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IS sobre a TMI;

2.ª Em apreço no presente recurso está apenas a sindicância da correção promovida pela administração tributária referente à TSC, no valor de € 448.273,60, que não foi objeto de anulação pelo Tribunal a quo, em especial o juízo vertido na decisão arbitral de que a mesma não padece das inconstitucionalidade suscitadas, máxime não viola os artigos 103.º e 104.º, da CRP, assim como o princípio da capacidade contributiva;

3.ª No que concerne especificamente à questão da inconstitucionalidade que ora se pretende ver reponderada, decidiu o Tribunal Arbitral que “auferindo a Requerente uma comissão pelo serviço financeiro prestado ao comerciante, existe subjacente à tributação em Imposto do Selo uma situação em que se revela capacidade contributiva, que é a disponibilidade da quantia recebida.”, concluindo que “não ocorre a alegada inconstitucionalidade daquela verba 17.3.4. por violação do principio da capacidade contributiva, pois a tributação das empresas não tem de ser efetuada apenas com base no lucro, como se infere do texto do n.º 2 do artigo 104.º da CRP, ao estabelecer que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real»” (cf. p. 18 da decisão recorrida, nosso negrito);

4.ª A compensação/comissão/desconto que se encontra a ser sujeita a IS não materializa o aproveitamento de uma capacidade económica reconduzível aos elementos económico-financeiros subjacentes ao IS, de onde decorre a conclusão de que o Requerente não manifesta capacidade de contribuir com IS, no que diz respeito a esta realidade;

5.ª A conformidade da tributação com o princípio da capacidade contributiva comporta a realização de teste para determinar da sua legitimidade constitucional, ao abrigo do qual se visa aferir se a realidade que se pretende tributar, encerra em si mesma o pressuposto económico que convoca a tributação conforme erigida pelo legislador;

6.ª O Tribunal a quo, para efeitos de aferir da existência de capacidade contributiva do Requerente que legitime a tributação em sede de IS, reporta-se ao conceito de rendimento (e não de consumo ou despesa inerentes à tributação em desse de IS) e recorre ao enquadramento constitucional dos impostos sobre o rendimentos e aos princípios que lhe estão subjacentes, designadamente ao princípio da tributação pelo lucro real, o que evidencia e denuncia que não encontra tal parâmetro em sede de IS, pelo que, se não deteta capacidade contributiva própria de IS na realidade de que ora nos ocupamos, deveria, com o devido respeito, ter concluído que ela não existe e obstar à tributação em crise, julgando verificada a violação do...

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