Acórdão nº 01711/15.1BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução04 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"BANCO A…., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, exarada a fls.106 a 124 do processo físico, a qual julgou improcedente a presente impugnação pela sociedade recorrente intentada e tendo por objecto actos de liquidação de Imposto de Selo e juros compensatórios, relativos ao ano fiscal de 2012 e no montante total de € 448.457,89.

XO recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.132 a 147-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões: A-A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, considerou a impugnação judicial improcedente, por considerar em suma, que a TSC consubstancia uma comissão pela prestação de serviços de pagamento, “E esta prestação de serviços de pagamento cabe, pois, dentro do conceito “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, onde, como veio a confirmar a nova redação da verba 17.3.4 dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2016, estão incluídas “as taxas relativas a operações de pagamento baseadas e cartões”, estando por conseguinte sujeitas a IS, mediante a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS.” B-Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a ora Recorrente conformar-se com o assim doutamente decidido, com fundamento em erro de julgamento sobre a matéria de direito, pelas razões que passa a expender.

C-O Tribunal a quo estribou a sua fundamentação no erróneo pressuposto de que a TSC consubstancia uma comissão pela prestação de serviços de pagamento. Contudo, o valor recebido pelo adquirente não consubstancia uma comissão, por não estarmos sequer perante uma prestação de serviços.

D-Ainda que efetivamente a utilização do TPA seja genericamente enquadrável na noção geral de transferência eletrónica de fundos, e de operação de pagamento a TSC não tem por função remunerar essa transferência ou essa operação de pagamento num todo antes, a TSC visa, sim, remunerar a relação que se estabelece entre o adquirente e o comerciante.

E-Em termos sintéticos, da utilização de um cartão bancário como meio de pagamento, emergem várias relações contratuais entre os intervenientes: a) Entre o comerciante, aderente ao sistema de pagamentos via TPA, e o cliente, titular do cartão bancário estabelece-se um contrato de compra e venda ou prestação de serviços, do qual decorre a obrigação do comerciante de entrega do bem/prestação do serviço e a obrigação do cliente de pagamento do correspondente preço acordado pelo bem / prestação do serviço; b) Entre a entidade emissora do cartão bancário e o cliente titular do cartão bancário estabelece-se um contrato de utilização de cartão, conexo com um depósito ou mútuo, que se corporiza num mandato conferido pelo cliente para que a entidade emissora proceda ao pagamento a um terceiro; c) Entre a entidade emissora do cartão e o acquirer estabelece-se a obrigação de a primeira, em virtude da adesão ao sistema internacional de pagamento, reembolsar o segundo pelo pagamento que este último efectua a favor do comerciante); d) Entre o acquirer e o comerciante, estabelece-se a obrigação de o segundo aceitar dos seus clientes o cartão como meio de pagamento; a obrigação de o comerciante vender e o adquirente comprar os créditos inerentes aos bens ou serviços adquiridos pelos clientes do comerciante que sejam pagos por meio de cartão, e por último, a obrigação de o acquirer pagar ao comerciante o preço dos bens/serviços adquiridos pelos clientes.

F-Como se viu, a TSC emerge da relação que se estabelece entre o adquirente e o comerciante.

G-Efetivamente, o adquirente presta ao comerciante o serviço de disponibilização do terminal de pagamento automático, sendo que pela prestação do mencionado serviço é remunerado por diversas contraprestações, faturadas aos seus clientes, nas quais se incluem, designadamente, os proveitos de aluguer do TPA, os proveitos da taxa de ligação e ligação a linhas DOV (“Data over Voice”).

H-Adicionalmente, na relação entre o adquirente e o comerciante que se dá no seio desta operação, estipula-se que o primeiro paga ao segundo o valor do crédito que este último detém sobre o consumidor final, ficando assim exonerado este último. Quer isto dizer, no fundo, que o adquirente adquire o crédito do comerciante.

I-Aliás, esse mesmo entendimento é perfilhado pelo Banco de Portugal (cf. «Glossário do Banco de Portugal» “(…o adquirente é a entidade que adquire os créditos dos comerciantes que aceitam os cartões de crédito e de débito (...) Depois de pagar (ou seja, de adquirir o crédito) ao comerciante, o adquirente é reembolsado pela entidade emitente (...)”.

J-Por seu turno, estipula-se que tal aquisição é celebrada contemplando um desconto sobre o valor nominal dos créditos cedidos - O comerciante não recebe, portanto, o montante correspondente às transações na sua totalidade - e é essa diferença positiva entre o valor de aquisição dos créditos (preço, da cessão) e o valor dos créditos cedidos que é designada por “Taxa de Desconto ao Comerciante”.

K-Aquele montante configura uma diferença de preço, inerente à aquisição dos créditos referida, e que visa acautelar a não liquidação do crédito por qualquer motivo, desde o uso fraudulento dos cartões a qualquer outro, v.g. falhas nas comunicações, etc. Ou seja, esse desconto tem como fito remunerar o risco assumido pelo adquirente.

L-De acordo com o estipulado contratualmente e que corresponde à prática corrente, a aquisição pelo adquirente exonera de imediato o cliente do comerciante e não existe qualquer assunção de garantia de boa cobrança por parte do comerciante - assim, se por algum motivo o crédito não puder posteriormente ser liquidado ao banco adquirente, não pode este último ter qualquer direito de regresso sobre o comerciante.

M-É, pois, manifestamente evidente que a operação em causa não consubstancia uma prestação de serviços, pela qual o prestador receberia uma comissão como forma de remuneração, pois, desde logo, no caso em apreço, o adquirente não se obriga com nenhum resultado perante o comerciante; o adquirente limita-se a adquirir os créditos que o comerciante detém sobre terceiro.

N-Para lá da prestação de serviços inerente à disponibilização dos TPA, a qual é devidamente remunerada pelas supra referidas comissões, tal como previsto contratualmente, na aquisição dos créditos do comerciante com um desconto não há qualquer obrigação de prestar assumida pelo adquirente; não existe sequer o objetivo de atingir um determinado resultado.

O-Por outro lado, a operação em causa não se reconduz a nenhum trabalho intelectual ou manual dado que a aquisição em apreço dá-se por via eletrónica, automática e automatizada, não exigindo da parte do adquirente qualquer ação.

P-O adquirente não realiza qualquer operação onerosa de prestação de serviços, nem com a compra do crédito, nem com a respetiva cobrança. Na aquisição de créditos, com assunção plena dos riscos de incumprimento, o adquirente apenas é beneficiário duma prestação pela qual paga um preço.

Q-Ao proceder à cobrança de créditos cedidos, junto do banco emissor, o adquirente age unicamente por sua conta própria como novo credor e qualquer incidente ou exceção que ocorra naquela relação do banco adquirente com o emissor do cartão não é oponível ao comerciante.

R-O regulamento do SICOI - Sistema de Compensação Interbancário, constante da Instrução do Banco de Portugal n.º 3/2009, de 16 de fevereiro, em particular o seu Anexo II, comprova que são distintos os momentos da liquidação do crédito ao comerciante e ao adquirente.

S-Com efeito, estabelecendo o aludido regulamento o calendário dos fechos de compensação e de liquidação financeira, daí resulta que o aqui Recorrente, quando comunica ao comerciante a autorização da operação, não recebeu ainda o valor correspondente ao preço, havendo apenas uma expectativa de o receber aquando da liquidação financeira.

T-Obriga-se, por isso, perante o comerciante, a entregar-lhe uma quantia que não recebeu e cuja posterior cobrança lhe caberá, já que, com o pagamento efetuado ao comerciante - o preço da cessão - adquiriu o crédito deste.

U-Pelo que não se pode aceitar a afirmação ínsita na douta sentença recorrida de que “[inexiste] em rigor, qualquer elemento que permita concluir pela existência de cessão de crédito entre titular da conta e Banco (mormente qualquer risco, hiato significativo de tempo, ou existência de juros).” V-Na verdade, tendo em conta que o momento de liquidação do crédito ao Recorrente é posterior ao momento de liquidação daquele mesmo crédito ao comerciante, sempre aquele incorrerá no risco de não liquidação do crédito, contrariamente ao afirmado na sentença recorrida.

W-Assim sendo, embora se possa identificar uma prestação de serviços na disponibilização do TPA, para a qual está prevista a competente remuneração, diferentemente, na aquisição dos créditos com o desconto fixado - i. e. na previsão contratual da Taxa de Desconto ao Comerciante - já não se pode identificar uma prestação de serviços porque aí não existe uma obrigação de proporcionar um resultado ao comerciante.

X-Há que referir que a verificação de uma prestação de serviços é absolutamente determinante para que seja aplicável a verba 17.3.4 da TGIS.

Y-Na realidade, há que referir que as operações sujeitas ao abrigo da verba 17.3 da TGIS são definidas em função da natureza das prestações de serviços que são fornecidas e não exclusivamente em função da natureza do prestador.

Z-Como tal, na ausência de uma definição de prestação de serviços própria do Código do Imposto do Selo não poderá adotar-se um conceito mais amplo ou distinto daquele que é o conceito juscivilístico de prestação de serviços.

AA-Uma aceção de “serviços financeiros” para efeito de sujeição a Imposto do Selo, sem qualquer correspondência com o conceito de prestação de serviços do Direito Civil, enfermaria de manifesto erro de Direito.

BB-Não consubstanciando a operação em causa, no...

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