Acórdão nº 01826/15.6BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução08 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por B………, S.A.

e A……….., S.A.

, com os demais sinais nos autos, visando a revogação da sentença de 03-04-2021, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada contra os actos de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2012, no montante total 352.008,24 euros, e julgou verificada a excepção dilatória de ilegitimidade activa do B………, S.A.

, o que determinou a absolvição da instância da Fazenda Pública.

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente A………, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO, as seguintes conclusões: 1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto do Selo de 2012, na parte em que incidiu sobre a designada “Taxa de Serviço de Comerciante” (TSC); 2.ª A sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de direito, na medida em que o Tribunal a quo faz uma errónea interpretação dos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da verba 17.3.4 da TGIS, às operações relativas a cobrança de comissões avaliação e vistoria e sobre a Taxa de Serviço ao Comerciante; 3.ª No que se refere ao argumento quanto à ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo por inexistência de responsabilidade na esfera do Recorrente, o Tribunal a quo incorre em erro na avaliação dos pressupostos jurídico-tributários referentes à responsabilidade na esfera do ora Recorrente para entrega do imposto nas operações em apreço nos autos; 4.ª Efetivamente, o caso em apreço não consubstancia um caso de substituição sem retenção, sendo inaplicável o artigo 28.º da Lei Geral Tributária (LGT), pelo que o responsável pelo pagamento do imposto nos casos de substituição sem retenção deverá ser o substituído – no caso sub judice, todos os Clientes do Recorrente a quem foram cobrados os juros moratórios (a este respeito, veja-se o entendimento do STA no acórdão de 25.03.2015, proferido no processo n.º 01080/13); 5.ª No caso sub judice, impor ao Recorrente que suporte o encargo do Imposto do Selo, quando a manifestação que o Imposto do Selo pretende tributar se verifica na esfera de outrem, é claramente atentatório do princípio da capacidade contributiva, na medida em que, por meras razões de facilidade administrativa na cobrança, estar-se-á a onerar, com o encargo do imposto, outrem que não o detentor da capacidade tributária; 6.ª A imposição a posteriori de um dever de pagamento de Imposto do Selo, a outrem que não o titular do interesse económico, sempre deveria ser acompanhada da concomitante possibilidade de o Recorrente reaver junto dos seus clientes as quantias entregues ao Estado, o que, não sucede!; 7.ª A defesa do Recorrente não é abalada pela alteração da redação da alínea h), do n.º 3, do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, introduzida pela Lei n.º 22/2017, de 23 de maio, sendo que tal normativo apenas é aplicável a factos ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor, i.e., após 24.05.2017 e não subjaz qualquer intenção clarificadora ou interpretativa do legislador, não sendo por isso a nova redação do artigo 3.º, n.º 3, alínea h), do Código do Imposto do Selo dotada de eficácia retroativa; 8.ª A respeito da ilegalidade por errónea subsunção da operação ao artigo 2.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto do Selo e à Verba 17.3.4 da TGIS, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, ao entender-se que a operação subjacente à cobrança da TSC deve ser enquadrada na definição de prestação de serviços de pagamento; 9.ª Num primeiro aspeto, existe uma errónea interpretação concedida pelos serviços de inspeção tributária à norma contida no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, de que as operações isentas de IVA estão necessariamente sujeitas a Imposto do Selo, premissa utilizada pelos serviço de inspeção como ponto de partida para a sujeição da TSC a Imposto do Selo e que seria suficiente para determinar a anulação da liquidação adicional; 10.ª Da leitura do artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, é possível extrair (apenas) a interpretação segundo a qual as operações que estejam sujeitas a IVA e dele não isentas não estarão, em simultâneo, sujeitas a Imposto do Selo, ainda que pudessem subsumir-se a uma específica norma de incidência do Código do Imposto do Selo, não podendo extrair-se que caso as operações estejam isentas de IVA serão então tributadas em Imposto do Selo, sob pena de tal interpretação atentar contra o princípio da legalidade, tipicidade e previsibilidade fiscal; 11.ª Para que se avalie a ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a TSC é sujeita a IS nos termos da verba 17.3.4, é imprescindível a boa compreensão da TSC e das suas funções no âmbito do complexo de operações que integram a utilização de TPA, referindo-se a este propósito muito resumidamente que quando determinados bens ou serviços são pagos pelos consumidores finais mediante utilização de cartão, existe todo um aglomerado de serviços associados – não necessariamente serviços financeiros – normalmente a três entidades: o comerciante, o adquirente e o emitente. Neste contexto, além de outras taxas e comissões pagas no âmbito da aludida rede complexa de serviços, a TSC corresponde a uma taxa paga (mediante desconto) pelo consumidor ao adquirente, como compensação pelo risco da assunção do crédito sobre o emitente, por conta do cliente final; 12.ª O comerciante não recebe o montante correspondente às transações na sua totalidade, sendo que este recebe uma quantia inferior ao preço dos bens ou serviços vendidos ou prestados – é justamente essa diferença que corresponde à denominada “Taxa de Desconto ao Comerciante”; 13.ª Tendo presente o artigo 1154.º do Código Civil (CC), é de salientar que, no caso em apreço, o adquirente não se obriga com nenhum resultado perante o comerciante; o adquirente limita-se a adquirir os créditos que o comerciante detém sobre terceiro; 14.ª Embora se possa identificar uma prestação de serviços na disponibilização do TPA, para a qual está prevista a competente remuneração, diferentemente, na aquisição dos créditos com o desconto fixado – i.e. na previsão contratual da Taxa de Desconto ao Comerciante – já não se pode identificar uma prestação de serviços porque o pagamento em si não consubstancia uma prestação de serviços, sendo uma componente da cessão de créditos que ocorre; 15.ª Por respeito aos elementos interpretativos da lei (contidos no artigo 11.º da LGT),deve concluir-se que a operação em causa, por um lado, não corresponde a uma prestação de serviços na sua substância económica, nem preenche, por outro lado, os requisitos impostos pela lei civil para ser classificada como tal, não tem a administração tributária qualquer base legal ou fundamento para sujeitar esta operação às invocadas normas de incidência de Imposto do Selo - a saber, alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS e verba 17.3.4. da TGIS; 16.ª Ao contrário do que é propugnado pelo Tribunal a quo, neste segmento, a TSC constitui a típica remuneração auferida pelo adquirente ou cessionário dos créditos no seio de um contrato de cessão de créditos, como o é o contrato em apreço, com os contornos supra evidenciados; 17.ª Importa notar que a cessão de créditos e, designadamente, o desconto em análise, não se subsumem à verba 17 da TGIS referente a “operações financeiras”, porquanto não consubstancia uma utilização de um crédito / não envolve qualquer tipo de financiamento, então não encerrará tributação na cédula tributária do Imposto do Selo; 18.ª Acresce que, a correção referente à aplicação da norma contida na verba 17.3.4. da TGIS de ser considerada materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º e 104.º da CRP, quando interpretada no sentido de que a referida verba inclui no seu escopo a TSC; 19.ª No que ao princípio da capacidade contributiva diz respeito, entende o Recorrente que a tributação em crise nos autos não passa com sucesso o teste da conformidade constitucional, avaliado com base no respeito pela capacidade contributiva enquanto pressuposto da tributação; 20.ª É notório ainda no presente caso, que não há uma conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97), como é pacificamente exigido para que se respeite o princípio da capacidade contributiva, porquanto não é a própria comissão que gera o incremento da capacidade contributiva pois a tributação em sede de imposto de selo tem por escopo o consumo de operações financeiras sendo essas que são tributadas, ainda que por via das comissões cobradas, e não as comissões individualmente consideradas e sem suporte numa operação que caia no campo de incidência da tributação em sede do imposto em análise; 21.ª A TSC é tributável em sede de IRC – o verdadeiro e assumido Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Por esta razão é igualmente forçoso concluir que a tributação de tal rendimento em sede de Imposto do Selo viola o princípio da capacidade contributiva, ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”. Admitir-se tal tributação seria admitir uma dupla tributação do mesmo “acréscimo de riqueza” completamente injustificada e desproporcional; 22.ª Adicionalmente, há que ter em consideração uma vertente específica da capacidade contributiva: o princípio do rendimento líquido; 23.ª Assim, e em consonância com o princípio da capacidade contributiva e do princípio do rendimento líquido, a tributação da TSC deveria permitir um ajuste entre os custos suportados pelo adquirente (ora Recorrente) no âmbito da assunção do crédito que efetua mediante disponibilização do TPA e o alegado rendimento auferido. Todavia, o IS não prevê qualquer tipo de dedução de custos relacionados com a obtenção do...

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