Acórdão nº 90/16.4JASTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução06 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de competênciua genérica de Sesimbra, J2 - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual são arguidos: (…), (…), (…), (…), imputando-lhes o Ministério Público a prática a cada um dos arguidos, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

* O tribunal recorrido veio, por acórdão de 20 de Novembro de 2019 a decidir: a) absolver os arguidos (…) como autores materiais, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-lei nº 15/93, de 22 de Janeiro; b) condenar o arguido (…) como autor material, na prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 25º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-B em anexo ao mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão substituída pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade pelo período de 480 (quatrocentos e oitenta) horas, nos termos a delinear pela Direcção-Geral de Reinserção Social, e a homologar por este tribunal; c) condenar o arguido (…) como autor material, na prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 25º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-B em anexo ao mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita a regime de prova assente em plano de reinserção social a elaborar pelos técnicos da Direcção-Geral de Reinserção Social; d) condenar o arguido (…) como autor material, na prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 25º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-B em anexo ao mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita a regime de prova assente em plano de reinserção social a elaborar pelos técnicos da Direcção-Geral de Reinserção Social; e) condenar o arguido (…) como autor material, na prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 25º, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-B em anexo ao mesmo diploma legal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita a regime de prova assente em plano de reinserção social a elaborar pelos técnicos da Direcção-Geral de Reinserção Social; f) condenar também os arguidos no pagamento das custas do processo fixando-se em 3 UC a taxa de justiça (artigos 513º e 514º ambos do Código de Processo Penal, artigo 8º do Regulamento das Custas Processuais e tabela III ao mesmo anexa); g) declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido, determinando a sua ulterior destruição.

* Inconformado, interpôs recurso o arguido (...) com as seguintes conclusões (transcritas): A) Da nulidade atípica da Sentença I. Os pontos 1, 2, 6 e 18 dos factos dados como provados na Sentença do Tribunal “a quo”, que são aqueles que pretensamente sustentam a condenação do Recorrente, constituem considerações conclusivas do Tribunal que foram indevidamente incluídas no elenco dos factos provados, pois nada é dito de facticamente concreto quanto ao suposto produto estupefaciente (em relação ao qual nada se provou), ao lugar, ao tempo, à motivação da sua alegada prática, ao grau de participação que o pretenso agente neles teve e quaisquer outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, logo, inexistem factos que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena.

  1. Como tal, a indevida inclusão no elenco dos factos provados de considerações conclusivas não pode senão subsumir-se à circunstância de que o Tribunal “a quo” violou o n.º 2 do artigo 374.º do CPP, consubstanciando uma nulidade processual atípica, que extravasando o âmbito do artigo 379.º do CPP, deverá levar a que se dê como não escrito os referidos pontos 1, 2, 6 e 18 (nesse sentido, o Doutíssimo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/02/2009 (Processo 08P3629, in dgsi.pt)), daí decorrendo a absolvição do Arguido.

  2. A não ser assim, estaremos perante uma violação do Princípio do Acusatório e, também, do Princípio do Contraditório, pois não foram demonstradas condutas concretas do arguido em termos que possam ser concretamente apreensíveis e susceptíveis de escrutínio, o que colocaria em causa o Direito de Defesa do arguido, previsto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição.

    Sem prescindir, B) Dos concretos pontos de facto que o Recorrente considera incorrectamente julgados e das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 412.º) IV. O Arguido considera que os factos dados como provados em 1, 2, 6 e 18 pela Sentença do Tribunal “a quo” não foram correctamente julgados, pois sem prejuízo daquilo que acima se alegou quanto à falta de concretização de factos referentes ao lugar, ao tempo, à motivação da sua alegada prática, ao grau de participação que o pretenso agente neles teve e quaisquer outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, constatamos que não ficou sequer demonstrada a existência de produto estupefaciente.

  3. O tipo legal constante do n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprovou o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, exige a demonstração, por um lado, que o arguido tenha praticado uma das condutas ali tipificadas e, por outro, que essas condutas se tenham verificado em relação a substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas àquele diploma, porém, no caso sub judice não houve, quanto ao Recorrente, a apreensão de qualquer produto que seja sequer susceptível de ser considerado estupefaciente, nada foi apreendido na casa do arguido, nada foi apreendido no carro do arguido, nada foi apreendido aos supostos adquirentes.

  4. Nos autos não há senão meras alusões a alegados produtos e alegadas transacções, o que significa apenas que pode haver indícios, mas não há factos susceptíveis de demonstrar a violação do tipo legal por parte do arguido, pois inexistindo provas da existência de substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não pode ser alcançado um juízo de certeza, nem sequer de probabilidade, uma vez que não há qualquer prova da materialidade do crime.

  5. E não se diga que os indícios promovidos à categoria de factos dados como provados na Sentença decorrem das regras de experiência comum e ou da livre apreciação da prova, pois em matéria de tão transcendental importância para os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos como é a subsunção criminal, o recurso a critérios de normalidade para recortar uma determinada realidade fáctica fundamental para a integração de categorias normativas não é admissível, exigindo-se a certeza da materialidade dos factos, pelo que os factos dados como provados em 1, 2, 6 e 18, que aludem a substância estupefaciente, não foram correctamente julgados e devem ser dados como não provados por inexistência de prova.

  6. Uma vez que os pressupostos de facto onde se funda a Sentença do Douto Tribunal “a quo” são diversos dos que fundamentam o presente recurso, resta constatar que os elementos do tipo disposto no artigo 21.º ou 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que aprovou o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, não se verificaram, não estando em causa a aplicação de qualquer outro normativo penal, devendo o Arguido ser absolvido.

    Nestes termos e, louvando-nos quanto ao mais, nos factos constantes dos autos, somos de parecer que o presente recurso merece provimento e, consequentemente deverá a Sentença que ora se impugna, ser revogada por um Acórdão que, em conformidade com as razões expendidas nas conclusões, absolva o arguido e faça JUSTIÇA.

    * Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se na íntegra a sentença recorrida, com as seguintes conclusões: 1.ª- A douta decisão recorrida não padece de qualquer vício ou violação de lei que importe a sua revogação.

    1. - O tribunal “a quo” fez um correcto julgamento da matéria de facto, designadamente, no que aos pontos 1, 2, 6 e 18 dos “Factos Provados” respeita.

    2. - Os pontos 1, 2, 6 e 18 dos factos dados como provados não constituem meras “considerações conclusivas do Tribunal”, constituindo factualidade que, juntamente, com os factos dados como provados nos pontos 3, 4 e 5 da sentença recorrida permitem concretizar no espaço e no tempo as condutas do arguido/recorrente, bem como a qualidade e quantidades de estupefaciente que o mesmo cedia e vendia a terceiros.

    3. - O recorrente parece confundir o conceito de “indícios” com o conceito de “factos”, ou melhor, o recorrente parece querer considerar que os factos dados como provados nos pontos 1, 2, 6 e 18 da sentença recorrida não são suficientes para uma condenação pela prática de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.

    4. - Independentemente de terem sido balizadas no tempo várias situações concretas em que o arguido/recorrente exerceu a actividade de tráfico de estupefacientes, o certo é que somente a matéria dada como provada no ponto 3. da sentença recorrida era suficiente para se poder concluir pela verificação da prática do crime de tráfico de estupefacientes por parte do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT