Acórdão nº 437/20 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução01 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 437/2020

Processo n.º 624/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Correu termos no Juízo Central Criminal do Porto, com o NUIPC (número único de identificação de processo crime) 1544/18.3PIPRT, um processo comum para julgamento por tribunal coletivo em que é arguido A. (o ora Recorrente), a quem foi imputada a prática, em autoria material e concurso efetivo, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.os 1, alínea a), 2, 4 e 5, do Código Penal, e um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do mesmo diploma.

1.1. O processo culminou, na sua tramitação em primeira instância, com a prolação de acórdão, datado de 08/01/2020, cujo dispositivo tem o seguinte teor, no que ora releva (considerando já a retificação de lapso de escrita determinada por despacho de 17/01/2020):

“[…]

I – Julga-se parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, decide-se:

1. Condenar o arguido A. pela prática, como autor material, em concurso efetivo, de:

a) um Crime de Violência Doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

[b)] um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão.

[c)] operando o Cúmulo Jurídico de harmonia com o disposto no artigo 77.º do Código Penal e considerando, em conjunto, os factos supra descritos e a personalidade do arguido A., condena-se este na pena única de 4 anos de prisão.

II – Julga-se o Pedido de Indemnização Civil/Reembolso deduzido pelo demandante civil ACS Grande Porto III- Maia/Valongo procedente e, em consequência, decide-se condenar o arguido/demandado civil A. no pagamento ao demandante civil da quantia de €93,00, acrescida de juros vincendos sobre tal quantia calculados à taxa legal e contabilizados desde a notificação para, querendo, contestar o PIC deduzido, até integral pagamento, como peticionado – artigo 559.º do Código Civil.

III – Julga-se o Pedido de Indemnização Civil deduzido pela demandante civil/assistente B. parcialmente procedente e, em consequência, decide-se condenar o arguido/demandado civil A. no pagamento à demandante civil:

– da quantia de €15.000,00, pelos danos não patrimoniais por si sofridos;

– da quantia de €1.732,77.

[…]”.

1.1.1. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto. No recurso, inter alia, arguiu a nulidade da decisão por omissão de pronúncia e impugnou a decisão quanto à matéria de facto provada e a qualificação jurídico-criminal dos factos, em particular no que respeita ao crime de resistência e coação sobre funcionário. Pugnou, ainda, pela aplicação de penas parcelares mais baixas e pela suspensão da execução da pena de prisão.

1.1.2. O recurso foi apreciado por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/05/2020, no qual se decidiu:

“[…]

– determinar a alteração da decisão da matéria de facto nos termos enunciados supra;

– ordenar o reenvio do processo para novo julgamento quanto aos factos referentes ao crime de resistência e coação sobre funcionário nos termos indicados supra, determinando, para o efeito, a cessação de conexão de processos e, em decorrência, a separação de processos, mediante a extração de certidão das peças processuais que integram o processo apenso; do auto de interrogatório judicial de arguido detido; da acusação; do acórdão de 08-01-2020; das peças processuais referentes ao recurso (motivação do recurso, resposta, parecer e respostas ao parecer), e do presente acórdão;

– confirmar, no mais, o acórdão recorrido, e, assim, condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

[…]”.

Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Acontece que o acórdão recorrido evidencia a existência de vícios decisórios que afetam a decisão de facto relativa ao crime de resistência e coação a funcionário e comprometem também a respetiva subsunção jurídica, cujo conhecimento oficioso se impõe previamente à apreciação da impugnação deduzida pelo recorrente.

[…]

Ora, a ponderação dos segmentos decisórios transcritos suscita incertezas sobre a perceção obtida pelo tribunal ‘a quo’, na audiência de julgamento, relativamente às circunstâncias em que o arguido foi abordado pelos agentes da PSP e bem assim sobre a motivação que presidiu à atuação dele dirigida aos mesmos agentes.

Aliás, constata-se que o tribunal fixou como provada matéria de facto não inteiramente coincidente com a acusação, mas a modificação apenas está assinalada em sede de subsunção jurídica dos factos, quando se refere não ter ficado provado, contrariamente ao que constava da acusação, que os agentes estivessem munidos de mandados de detenção, pois não ficou consignado qualquer facto não provado no acórdão que fosse respeitante à existência de mandado de detenção na posse dos agentes da PSP, no momento em que se deslocaram à residência do arguido.

Outrossim, considerou o tribunal a quo provado que a deslocação dos agentes à residência do arguido visava a recolha de elementos de prova relativamente aos factos que lhes haviam sido noticiados, e que depois de se identificarem solicitaram-lhe que os acompanhasse a fim de esclarecer os factos ocorridos nessa tarde, na farmácia, tendo nessas circunstâncias e imprevisivelmente o arguido desferido murros e pontapés que atingiram dois dos agentes da PSP.

A descrição dos acontecimentos revela imprecisão e hiato factual, pois não resulta esclarecido quais as concretas diligências de prova que justificaram a deslocação dos agentes e a abordagem do arguido, na sua casa, às 00h30m.

Depois, a narração da conduta do arguido não elucida sobre a existência ou não de conexão dessa conduta do arguido com a solicitação que lhe fora dirigida pelos agentes no sentido de os acompanhar para esclarecimento dos factos ocorridos durante a tarde do dia anterior na farmácia.

No entanto, em sede de enquadramento jurídico-penal dos factos, o tribunal considerou que a atuação do arguido consistiu em resistência ilícita à prática pelos agentes da PSP de atos relativos ao exercício das respetivas funções, sem que tivesse indicado quais os concretos atos em causa. Ademais, justificou o tribunal que a intervenção dos agentes da PSP, nas indicadas circunstâncias, tem acolhimento legal nos artigos 249.º, n.º 1, e 257.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código Processo Penal, porém, a descrição factual é omissa sobre os condicionalismos que envolveram a deslocação dos agentes à residência do arguido no dia e hora que ficaram demonstrados, não integrando factualidade atinente à existência ou não de urgência na realização de diligências, e/ou sobre o propósito de vir a ser efetivada a detenção do arguido.

Pelos motivos indicados o acórdão recorrido revela indeterminação factual importante para a decisão tomada em matéria de direito, o que consubstancia o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código Processo Penal.

Tal vício decisório ocorre quando a matéria de facto provada se mostra exígua para fundamentar a solução de direito alcançada na decisão e sempre que existe omissão de apuramento de factos indispensáveis para a decisão de direito, em razão de o tribunal, podendo fazê-lo, não ter investigado toda a matéria de facto contida no objeto do processo e com relevo para a decisão final.

Noutra vertente assinala-se que a descrição da componente subjetiva da conduta do arguido não é coerente com a narração da materialidade da mesma atuação, uma vez que ficou provado que o arguido quis agredir os agentes com o propósito de os demover de proceder à sua detenção, concretizando, neste passo, as funções dos agentes da PSP contra as quais o arguido pretendeu resistir, por meio de violência física, mas não está referido na descrição antecedente dos acontecimentos que os referidos agentes visavam executar a detenção do arguido e, bem assim a narração da conduta objetiva do arguido também não reflete isso, ou seja, não refere que ao desferir murros e pontapés o arguido reagiu contra a sua detenção, conforme decorre do já acima exposto.

A discrepância factual assinalada integra contradição insanável dos factos provados, nos termos do artigo 410.º, n.º 1 [n.º 2, corrigindo erro de escrita no original], alínea b), do Código Processo Penal .

Por conseguinte, o acórdão recorrido enferma dos vícios de insuficiência da matéria de facto para a decisão e de contradição insanável dos factos, nos termos do artigo 410.º, n.º [2], alíneas a) e b), do Código Processo Penal .

Uma vez que não é possível a sanação dos indicados vícios nesta instância, e com base unicamente no acórdão sob escrutínio, impõe-se o reenvio do processo para novo julgamento, de acordo com o disposto no artigo 426.º, n.º 1, do Código Processo Penal.

Considerando que o motivo do reenvio se cinge exclusivamente aos factos suscetíveis de integrar a prática pelo arguido de um crime de resistência e coação sobre funcionário, sendo tal ilícito autónomo e dissociável do crime de violência doméstica que também lhe está imputado, verifica-se o condicionalismo legal previsto no n.º 3, do citado artigo 426.º, do Código Processo Penal, pelo deverá cessar a conexão processual e efetivar-se a separação de processos.

[…]

Em decorrência do...

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