Acórdão nº 803/20.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | ANA CELESTE CARVALHO |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.
RELATÓRIO A Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 25/05/2020 que, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões requerido pela V………., S.A.
, julgou a intimação procedente e intimou a Requerida a prestar, em dez dias, as informações requeridas.
* Formula a Entidade Requerida, aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “[acesso a informações sobre processos de contraordenação] i. O pedido de acesso a procedimento de contraordenação, esteja em que fase estiver, não se rege nem pelo CPA nem pela LADA antes pelo regime jurídico próprio que regule o processo contraordenacional e, subsidiariamente, o Código de Processo Penal, porquanto; ii. Dispõe o artigo 1.º n.º 4 alínea b) da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa (LADA) que aquela lei não prejudica a aplicação do disposto em legislação específica quanto ao acesso a informação e a documentos relativos à instrução tendente a aferir a responsabilidade contraordenacional, e que esta se rege por legislação própria; iii. E dispõe o Art. 41.º do RGCO que sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal”, iv. … e o Art. 48.º n.º 3 do RGCO estatui que o processo contraordenacional se inicia com uma participação ou uma denúncia (a decisão de facto dá como provada a existência de denúncias), portanto, existe já, desde esse momento, um processo contraordenacional.
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Porque a forma de atuar das autoridades administrativas obedece ali a um procedimento próprio, de natureza sancionatória e moldado a partir do processo penal pelo que será com o processo penal que se articulam e sistematicamente se inserem as disposições que regulam a atuação dessas autoridades nesse procedimento, em todos os seus momentos.
vi. … pelo que o pedido de acesso a processos de tal natureza não se enquadra no direito de informação não procedimental ou extraprocedimental, posto que não visa o acesso a documento administrativo mas a documentos ou informações, que nunca foram, não são e nunca serão, administrativos.
vii. E a partir desse momento, são-lhe inaplicáveis os Arts. 82.º e ss. do CPA, bem como o regime da LADA; viii. A linha que separa a informação administrativa e a informação contraordenacional não resulta da identidade de quem a pede, inteiramente irrelevante para a qualificação daquela informação como administrativa ou não administrativa (uma ou outra, e não as duas à vez, como se entendeu na sentença); ix. É sendo o processo das contraordenações um todo que se desdobra por várias fases, pouco sentido faria que o mesmo procedimento tivesse em simultâneo dois direitos subsidiários distintos e em paridade, o Código do Procedimento Administrativo e o Código de Processo Penal, como se entendeu na douta sentença recorrida que considerou a mesma informação, na mesma fase, para o arguido, contraordenacional, e para o denunciante administrativa.
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A própria CADA já se pronunciou, repetidamente, sobre o acesso a processos de contraordenação, tendo considerado que, enquanto estes se encontram em curso, o acesso não se regula pelas disposições da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (LADA), nem está sequer sujeito a apreciação da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, mas pelas disposições do CPP, designadamente, no Parecer n.º: 47 de 2019-02-19 – em que refere “O acesso a procedimento contraordenacional pendente não se rege pela LADA, antes pelo regime próprio aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de outubro, sendo subsidiariamente aplicável o Código de Processo Penal”.
[A alínea a) do n.º 7 do artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto] xi. Ainda que, por absurdo, se não considerasse aplicável o RGCO e se devessem aplicar as normas da LADA e do CPA, ainda assim, tal informação não poderia ser prestada por versar a atividade fiscalizadora da Recorrente; xii. A sentença é explicita: a recorrente deverá informar quais as medidas concretas adotadas sobre a sua atividade fiscalizadora, sem distinção sequer entre as já realizadas e as programadas que se poderão ainda vir a realizar.
xiii. A douta sentença não ponderou sequer a necessidade de garantir condições de eficácia da investigação e de preservação de possíveis meios de prova a que se refere o Art. 6.º n.º 7 a) da LADA, em que se fundou também a recusa da recorrente; aparentemente, a mera constatação de que a requerente não será arguida no procedimento em que é denunciante afasta todos os riscos; xiv. É da natureza das coisas que qualquer ação de investigação em curso só é eficaz se não for antecipadamente conhecida, pelo que as buscas domiciliárias não são antecipadamente agendadas com os alvos nem se advertem previamente os suspeitos de que o são e que as comunicações que fizerem irão ser intercetadas ou que algumas já o foram; xv. E também se não deve revelar, seja a quem for, metodologias e instrumentos de investigação, em especial a quem possa vir a ser investigado; xvi. Dar conhecimento do conteúdo de ações de fiscalização, realizadas ou programadas e suas metodologias afeta a eficácia dessas ações, como foi invocado, sendo que nada garante que a informação que possa ser transmitida não venha, propositada ou involuntariamente, a ser disseminada, tornando absolutamente ineficaz tais ações.
xvii. Refere a douta sentença, e bem, que a requerente não é diretamente interessada para efeitos de aplicação do Art. 82.º n.º 1 do CPA, porém, julgou aplicável o Art. 85.º do CPA; xviii. Ora, o direito de acesso à informação procedimental regulado nos arts. 82º a 85º do CPA, respeita aos procedimentos administrativos em curso, entendidos de acordo com a definição do art. 1º, nº 1, do CPA, como “a sucessão ordenada de actos e formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da Administração Pública”; xix. E, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 85.º do CPA, este direito - à informação procedimental nos termos referidos – o que nem é o caso da informação pretendida pela Reqte.
– poder ser extendido “a quaisquer pessoas que provem ter interesse legítimo no conhecimento dos elementos que pretendam”, dependendo o seu exercício, neste caso, “de despacho do dirigente do serviço, exarado em requerimento escrito, instruído com os documentos probatórios do interesse legítimo invocado”.
xx. E não consta da fatualidade provada que existisse sequer o requerimento a que alude o Art. 85.º do CPA e, todavia, antecipando tal requerimento que não existiu e a resposta que não existiu ao inexistente requerimento foi a Requerida condenada nos termos sobreditos.
E, como se verá nas conclusões seguintes, os interesses, quer da investigação, quer da proteção da imagem dos arguidos são fundamento bastante para recusar o acesso à informação ou, assim não se entendendo, para não consentir na divulgação da mesma informação sem contraditório do mesmos arguidos porque contrainteressados.
Sem prescindir; Incompetência material xxi. O Art. 55.º números 1 e 3 do RGCO que estatui, no que interessa referir, que as decisões administrativas proferidas nos termos das conclusões anteriores que decretem ou indefiram a sujeição a segredo, ou impeçam o acesso ao processo com fundamento no segredo, são suscetíveis de recurso de impugnação… para o tribunal nele referido, de cuja decisão não haverá recurso, xxii. Dispõe o Art. 112.º n.º 1 da referida Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que “compete ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão conhecer das questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões, despachos e demais medidas em processo de contraordenação legalmente suscetíveis de impugnação: […] d) da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM)”.
xxiii. Paralelamente, também dispõe o Art. 104.º do CPTA que a providência requerida visa a satisfação de “pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos” - e não toda e qualquer informação dado que o Art. 4.º n.º1 b) do ETAF estatui que a competência material dos tribunais administrativos e fiscais versa, a fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública, ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.
xxiv. Pelo exposto, há que concluir, citando o douto Ac. do STA de 22.10.2008 no Proc. 0583/08, que “O TAF é incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de intimação de uma autoridade administrativa a satisfazer o pedido de informações formulado por um arguido no âmbito de um processo contraordenacional”; Ilegitimidade xxv. Considerou o Tribunal a quo, a fls. 23 a 25 da douta sentença, muito em síntese, que a informação a prestar respeitava à vida interna da Requerida, às suas condutas e não às de terceiros pelo que não existiriam contrainteressados. Ora, xxvi. Ninguém que esteja a ser objeto de uma investigação vê com indiferença a divulgação desse facto e muito menos lhe é indiferente a divulgação à concorrência (a requerente, precisamente) dos resultados da mesma, sejam buscas, apreensões, ações inspetivas, o que for, porque a mera divulgação de que se está a ser investigado é suscetível de gerar quebra de negócio a favor da concorrência.
xxvii. Não tem o arguido interesse em não ver publicamente revelados factos que podem não vir a ser provados sem que com isso se evitem graves prejuízos para a sua reputação e dignidade? Ou, tudo o que a autoridade judiciária ou administrativa fizer ou decidir em relação a ele deve ser visto, como o declara a sentença, como uma mera...
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