Acórdão nº 1321/18.1T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução08 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora *1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Santarém do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o assistente (...) deduziu acusação particular contra as arguidas (...) e (...), imputando-lhes, à primeira, quatro crimes de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do Código Penal (CP) e, à segunda, um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do CP.

O Ministério Público não acompanhou a acusação.

Como demandante, o mesmo (...) deduziu pedidos de indemnização civil contra as arguidas/demandadas, pedindo a condenação de indemnizações por danos não patrimoniais, nas quantias de € 2.000,00, relativamente a (...) e, de € 1.000,00, quanto a (...), acrescidas de juros vencidos e vincendos desde as datas de notificação dos pedidos e até integral pagamento.

As arguidas apresentaram contestação, oferecendo o merecimento dos autos.

Realizada audiência de julgamento e proferida sentença, nesta consignou-se decidir-se julgar nula a prova apresentada pelo assistente, não podendo a mesma ser utilizada, por ter sido obtida mediante intromissão nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular, nulidade que se estende a partir da formulação da acusação particular e, pelo mesmo motivo, não conhecer do pedido de indemnização cível.

Inconformado com tal decisão, o assistente interpôs recurso, formulando as conclusões: 1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos e que decidiu “julgar nula a prova apresentada pelo assistente, não podendo a mesma ser utilizada, por ter sido obtida mediante intromissão nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular, nulidade que se estende a partir da formulação da acusação particular” e “não conhecer do pedido de indemnização cível”.

2- Do dispositivo da douta sentença proferida não consta qualquer decisão condenatória ou absolutória das arguidas - a quem nem sequer é feita menção - em flagrante violação do artigo 374º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal, sendo, consequentemente, a mesma nula e não produzindo quaisquer efeitos, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

3- Por outro lado, ao contrário do entendido pelo douto Tribunal a quo, o consentimento para aceder às SMS existiu e foi prestado.

4- Com efeito e como consta da Matéria de Facto Provada, designadamente, nos seus pontos 3. 5. e 6., o telefone inspecionado pelo ora recorrente era, à data dos factos, das suas filhas menores, sendo certo que o ora recorrente tinha e teve autorização expressa das suas filhas – apesar de não precisar da mesma, pois tem obrigação de vigilância – para aceder ao seu telefone.

5- Mas mesmo que se entendesse que seria necessária a autorização da arguida (...) para aceder a tais mensagens, uma vez que o telefone, apesar de já não ser seu, havia sido em tempos, sendo “suas” tais mensagens, também terá de considerar-se que tal consentimento existiu e existe, pois ao entregar o equipamento às suas filhas – independentemente de o fazer de forma definitiva, como fez, ou apenas temporária – para que as mesmas o usassem sem qualquer limitação, como era o caso, podendo utilizar, sem quaisquer restrições, todas as suas aplicações, utilidades e conteúdos, como efectivamente podiam, a arguida (...) consentiu, pelo menos tacitamente, a que as mesmas acedessem ao conteúdo das SMS nele contidas.

6- Se é verdade que é necessário consentimento para aceder a determinados conteúdos, é também certo que tal consentimento não tem de ser expresso, podendo ser apenas tácito, como foi no caso dos autos. 7- Assim sendo bem se vê que possuía o ora recorrente consentimento para aceder às SMS em causa nos autos, mensagens estas, como também está dado como provado, “com conteúdo profundamente ofensivo da sua honra e consideração”, pelo que deviam as arguidas ter sido condenadas pelos crimes de difamação por que vinham acusadas.

8- Ao decidir da forma constante da douta sentença recorrida, violou o douto tribunal a quo, entre outros, os artigos 180º do Código Penal, 126º, 127º, 128º e 374º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal e os princípios, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade e da livre apreciação da prova.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, ser a douta sentença recorrida revogada e as recorridas condenadas pela prática dos crimes de difamação praticados contra o ora recorrente e no respectivo pedido de indemnização cível por este formulado, tudo com todas as legais consequências.

O recurso foi admitido.

Apresentaram respostas, concluindo: - o Ministério Público: 1. Do Dispositivo da Sentença consta: “Pelo exposto e tendo em conta as disposições legais consideradas, o Tribunal decide julgar nula a prova apresentada pelo assistente, não podendo a mesma ser utilizada, por ter sido obtida mediante intromissão nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular, nulidade que se estende a partir da formulação da acusação particular. …” 2. De facto e, por uma questão de honestidade intelectual constata-se que assiste razão ao recorrente nos termos do artigo 374.º n.º 3 al. b) conjugado com o artigo 379.º n.º 1 a) todos do Código de Processo Penal.

3. o assistente teve acesso às mensagens objecto da causa através de consulta do telemóvel para o qual não tinha legitimidade de acesso ou autorização da sua proprietária, a arguida (...).

4. O conhecimento das mensagens constitui um método proibido de prova nos termos da previsão do artigo 126.º, n.º 3 do Código Penal, dado que não foi obtido o consentimento do direito violado, pelo que, é nula a prova.

- as arguidas: 1. A sentença recorrida tem-se por suficientemente fundamentada, de forma que permite apreender o processo racional que a suportou, tornando-se perceptível, designadamente para os destinatários, os motivos subjacentes à decisão da matéria de facto, sendo certo que para além da descrição, em termos genéricos, da prova produzida não deixa a mesma, de conter o exame crítico da prova.

2. Por tudo o que ficou exposto consideramos que a sentença, foi justa ao absolver as arguidas, não tendo em nosso entender quaisquer contradições nos depoimentos das testemunhas que se mostrem relevantes.

3. Pelo que em nosso entender o Meritíssimo Juiz julgou correctamente os factos, indicou e valorou correctamente toda a prova relevante produzida em audiência, e não proibida por lei, expondo de forma adequada os motivos da sua decisão, fazendo um exame crítico da prova, de forma clara, e explicando-se de forma inteligível a qualquer destinatário, concluindo de acordo com as regras da lógica e da experiência a fundamentação da sentença formulada.

4. Deve, pois, manter-se a sentença por justa e adequada.

Nestes termos e sobretudo nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve manter-se a decisão do Tribunal A Quo, o recurso interposto ser considerado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão de absolvição das arguidas nos seus precisos termos, o que só assim se fará JUSTIÇA! Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a referida resposta do Ministério Público e no sentido da procedência do recurso apenas no que se reporta à nulidade da sentença.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), as arguidas manifestaram concordância com o parecer e o assistente veio reiterar a sua posição.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

* 2.

FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP.

Assim, reside em apreciar: A) - da validade da prova obtida por consulta às mensagens no telemóvel; B) - da nulidade da sentença.

* No que ora releva, resulta da sentença recorrida: Matéria de Facto Provada De relevante para a discussão da causa, resultaram os seguintes Factos provados: 1. O assistente e a arguida (...) foram casados, entre si, tendo duas filhas em comum, a (…), nascida a (…) e a (…), nascida a (…).

2. A arguida (...) foi companheira do irmão do assistente, sendo, em consequência desse relacionamento, mãe de uma sobrinha do assistente.

3. No passado dia 22 de Julho de 2018, no seguimento da constatação de que as suas filhas haviam...

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