Acórdão nº 632/19.3PALGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução12 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo sumário nº632/19.3PALGS, procedente do Juízo de Competência Genérica de Lagos (juiz-2) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o arguido FG, com os sinais dos autos, sob acusação formulada pelo Ministério Público foi submetido a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença proferida em 16-10-2019, a ser julgada procedente por provada e em consequência a ser decidido, para o que aqui releva, o seguinte: - Condenar o arguido FG pela prática, no dia 28/09/2019, na Rua de Santo Amaro, em Lagos, em autoria material, de um crime de desobediência previsto e punível pelos arts. 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1, alínea c) ambos do Código Penal, por referência ao art.º 152.º, n.º 1, al. a), n.º 3 do Código da Estrada na pena na pena de seis meses de prisão suspensa na sus execução pelo período de dois anos; e - Condenar, igualmente o arguido FG na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de um ano, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.

Na audiência de julgamento que teve lugar em 16.10.2019 foram proferidos pelo Exmº senhor Juiz a quo dois despachos indeferindo dois requerimentos nela apresentados pelo Exmº Defensor do arguido um, a solicitar a inquirição de uma testemunha (ausente) indicada pela defesa, bem como a designação de nova data para a inquirir e, outro, a designação de nova data para tomar declarações ao arguido (ausente na sessão em causa, de 16.10.2019).

Recurso.

Inconformado com essas decisões dela recorreu o arguido pugnando pela revogação desses dois despachos e, caso assim não seja entendido, pela punição do arguido pela prática do mencionado crime de desobediência, numa pena de multa fixada em 100 dias à taxa diária de € 6,00, não devendo a pena acessória de proibição de conduzir ser superior a 4 meses, rematando a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões: 1º - Por despacho proferido na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 16 de Outubro de 2019, o Mmo. Juiz do tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Nos termos do disposto no artigo 387º, nº. 4 do CPP, as testemunhas são sempre a apresentar e a sua falta não pode dar lugar ao adiamento da audiência, excepto se o Juiz oficiosamente ou a requerimento considerar o seu adiamento indispensável à descoberta da verdade.

Ora no caso dos presentes autos, e não olvidando que estamos perante um processo sumário, a testemunha indicada pela defesa deveria ter sido apresentada na presente data ou pelo menos requerido com antecedência, que a mesma fosse notificada aquando do pedido do prazo para a defesa.

Tudo visto, indefere-se a posterior inquirição da testemunha.

Notifique.

Quanto à tomada de declarações ao arguido em data posterior mais uma vez estamos no âmbito de processo sumário e nos termos do art. 385º, nº. 2 al. a) do CPP, o arguido é advertido que mesmo que não compareça é representado pelo seu defensor. Pelo exposto, indefere-se também o requerido.

Notifique.” – Gravado em suporte digital das 10:02:17 horas às 10:07:21 horas, constando, também, da acta da audiência de julgamento.

  1. - O supra referido despacho viola de forma grave o direito, nomeadamente, as garantias e direitos de defesa constitucionalmente consagrados no disposto no artigo 32º da CRP, devendo tais decisões serem impreterivelmente revogadas.

  2. - O arguido só conseguiu no dia anterior à audiência de julgamento obter o nome e a morada da única testemunha indicada, não conseguindo falar pessoalmente com ela no sentido de apresentá-la em tribunal.

  3. - Por estas razões, o defensor do arguido requereu na audiência de julgamento do dia 16 de Outubro 2019, que: “O arguido oferece o merecimento dos autos e tudo o que resultar em seu favor dos mesmo.

    Relativamente à prova indica como testemunha o Sr. FN, residente na Rua…, em Lagos, testemunha que não foi possível apresentar nesta audiência uma vez que não foi possível chegar ao seu contacto.

    No entanto esta testemunha, pelas informações que se obteve, terá presenciado todos os factos que constam na acusação, nomeadamente o momento em que o arguido foi abordado pelas autoridades policiais até ao momento em que culminou na sua detenção.

    Neste sentido, a testemunha revela-se essencial à descoberta da verdade e boa decisão da causa e nesses termos deverá ser, salvo melhor entendimento, inquirida no âmbito deste processo sumário, pelo que, se requerer a sua notificação para que seja ouvida numa data a designar por Vª. Exª., devendo ser deferido nos termos do art. 387º, nº. 4 do CPP.” – gravado em suporte digital das 009:57:42 horas a 09:58:50 horas, constando, também, da acta da audiência de julgamento.

  4. - Em virtude do arguido não ter comparecido à audiência de discussão e julgamento do dia 16 de Outubro de 2019, tendo o seu defensor informado o douto tribunal a quo que o arguido se encontrava doente, juntando, depois, aos autos comprovativo de consulta realizada nessa manhã no Centro de Saúde de Lagos – requerimento com a ref. citius 33737627, requereu que: “Relativamente ao arguido, requer-se que, uma vez que, o mesmo está ausente, e caso venha a ser decidido iniciar a audiência sem a sua presença, revela-se essencial que o mesmo exerça o direito de prestar declarações devendo ser agendado uma nova data para a continuação que, atendendo a que o mesmo se ausentará de Portugal entre o período de 21 a 28 deste mês, de Outubro, requer-se que seja uma data a designar posteriormente à data de chegada do mesmo a Portugal de forma a exercer o seu direito a prestar declarações.” – gravado em suporte digital das 09:58:51horas às 010:00:38 horas, constando, também da acta da audiência de discussão e julgamento.

  5. - Dispõe o artigo 387º, nº. 4 do CPP que, “As testemunhas que não se encontrem notificadas nos termos do n.º 5 do artigo 382.º ou do artigo 383.º são sempre a apresentar e a sua falta não pode dar lugar ao adiamento da audiência, excepto se o juiz, oficiosamente ou a requerimento, considerar o seu depoimento indispensável para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, caso em que ordenará a sua imediata notificação.” 7º - O arguido não apresentou a testemunha porque não conseguiu contactar com a mesma, conforme foi referido no requerimento apresentado.

  6. - O arguido invocou e fundamentou a razão da testemunha ser indispensável à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

  7. - A testemunha FN foi era a única testemunha indicada pela defesa e era a testemunha que assistiu os factos imputados ao arguido, sendo a única que podia dar uma versão do que aconteceu sem ter tido qualquer intervenção nos mesmos.

  8. - É uma testemunha essencial à sua defesa, isto é, à versão dos factos que o arguido iria apresentar.

  9. - O requerimento formulado pelo arguido devia ter sido admitido à luz da segunda parte do nº. 4 do artigo 387º do CPP.

  10. - O processo sumário é um processo urgente e simplificado, mas não pode ser castrador dos direitos dos arguidos, sob pena de se violar as garantias de defesa dos arguidos, bem como, o princípio do estado de direito democrático constitucionalmente consagrado.

  11. - O arguido acaba por ter a tarefa árdua de recolher e carrear prova para a sua defesa num prazo muito curto, ao contrário do Ministério Público que é quem decide, num primeiro momento, se a prova carreada é suficiente ou não para seguir a forma de processo sumário.

  12. - O douto tribunal a quo ignorou totalmente as vicissitudes que resultam do processo sumário para o arguido, seguindo a promoção do Ministério Público que foi no sentido que o arguido devia no prazo de defesa ter apresentado a testemunha.

  13. - Tal decisão é contrária às garantias de defesa no processo penal consignadas na Constituição Portuguesa, art. 32º CRP, mas, também, estado de direito democrático art. 2º da CRP, mas, também, contrária ao disposto no artigo 387º nº. 4 da CPP que refere que a audiência poderá ser adiada caso se considere que a testemunha seja indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa.

  14. - O Mmo. Juiz do tribunal a quo não se pronunciou quanto à alegação de essencialidade da testemunha para a defesa e para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, limitando-se a recusar o seu depoimento por falta da sua apresentação.

  15. - O Defensor do arguido requereu que o arguido fosse ouvido em data a designar dada a sua ausência por doença, encontrando-se no Centro de Saúde de Lagos.

  16. - O douto tribunal a quo recusou o agendamento de nova data para tomada de declarações ao arguido com base, mais uma vez, de estarmos no “âmbito do processo sumário e nos termos do disto no artigo 385º, nº. 2 do CPP o arguido é advertido que mesmo que não compareça é representado pelo seu defensor.” 19º - A questão colocada pelo arguido nada tem a ver com o facto do julgamento se realizar mesmo que o mesmo não compareça - dado que até no processo comum a audiência de julgamento poder-se-á realizar em caso de não comparecimento do arguido – pelo que, o disposto no nº. 2 al. a) do artigo 385º do CPP é inaplicável ao requerido pelo arguido.

  17. - Dispõe o nº. 1 do artigo 386º. Do CPP, que “O julgamento em processo sumário regula-se pelas disposições deste Código relativas ao julgamento em processo comum, com as modificações constantes deste título.” 21º - Por sua vez, dispõe o artigo 333º, nº. 3 do CPP refere que “No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência e, se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do nº. 2 do artigo 334º.

    ” 22º - Apesar de ter sido designada, apenas, uma data à priori, tal não exclui que seja agendada data para continuação da audiência de julgamento para tomada de declarações do arguido.

  18. - Não se pode conceber e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT