Acórdão nº 1562/18.1T9BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução12 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1 – RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, n.º 1562/18.1T9BJA, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Central Criminal de Beja – Juiz 1, foi o arguido BB, melhor identificado nos autos, acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo artigo 165º, n.º 1, do Código Penal.

1.2. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual, finda a produção da prova, o Tribunal Coletivo procedeu à comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, em termos de integrarem a prática de um crime p. e p. pelo artigo 165º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, nada tendo sido requerido pelo arguido (cf. ata de fls. 438 e 439).

1.3. Foi proferido acórdão em 26/11/2019, depositado nessa mesma data, com o seguinte dispositivo: «(…) acordam os Juízes que integram este Tribunal Colectivo em: A) Condenar o arguido BB pela pratica, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art. 165° n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva; B) Condenar o arguido, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1º, l), 67º-A nº. 3, 82º-A do CPP e 16º n.º 2 da lei 130/2015, de 04 de Setembro, a pagar à vítima RL a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal contados desde a presente data até integral pagamento.

  1. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo na parte criminal, fixando em 2 UC´s a taxa de justiça; (…).» 1.4. Inconformado com o assim decidido, recorreram o Ministério Público e o arguido, para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso que respetivamente apresentaram, as conclusões que seguidamente se transcrevem: 1.4.1. Conclusões do recurso do Ministério Público: «1.ª - O arguido BB foi acusado pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência p. e p. pelo artigo 165.º, n.º 1, do Código Penal.

  1. - Realizado o julgamento, o arguido veio a ser condenado pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência p. e p. pelo artigo 165.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

    Todavia, 3.ª - Os factos provados, que essencialmente coincidem com os vertidos na peça acusatória, devem ser subsumidos ao crime agravado de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência p. e p. pelos artigos 165.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 5, do Código Penal, em razão da verificação do resultado típico agravante gravidez, o qual, à luz das regras da experiência e da vida, não pode deixar de ser imputado, pelo menos, a título de culpa negligente, ao arguido.

  2. - Ao considerar que a conduta do arguido apenas integra o crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência da previsão do artigo 165.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, o tribunal colectivo violou, por isso, o disposto nos artigos 18.º e 177.º, n.º 5, do Código Penal.

  3. - Na decorrência do que antecede, deve o douto acórdão ser revogado e o processo reenviado à primeira instância em ordem ao cumprimento do disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, proferindo-se, após, nova decisão.

    1. Ex.ªs, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA.» 1.4.2. Conclusões do recurso do arguido: «1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida nestes autos que condenou o arguido, BB, “pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art. 165º n.ºs 1 e 2 do C. Penal na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva, bem como, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1º. l), 67º-A nº.3, 82º-A do CPP e 16º nº.2 da Lei 130/2015, de 04 de Setembro, a pagar à vítima RL a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal contados desde a presente data até integral pagamento e ainda no pagamento das custas do processo na parte criminal, fixando em 2 UC´s a taxa de justiça 2. Entendemos que na referida decisão existe uma incorrecta valoração da matéria de facto dada como provada; uma errónea apreciação da prova; a violação do princípio da livre apreciação da prova tal como é previsto pelo art. 127º do C.P.P e falta de fundamentação quanto à não aplicação do Instituto da suspensão da pena constante do art. 50º do C.P.

      1. Entendemos ainda, sem conceder que, no limite, decidindo-se pela condenação do aqui recorrente existiu uma errada determinação da medida da pena arbitrada, em clara violação do disposto nos artigos 165º, nº1 e 2; 71º e 50º, todos do C.P.

      2. Este recurso, versa pois sobre a matéria de facto e matéria de direito, nos termos do art.º 410.º e 411.º do C.P.P.

      3. A sentença recorrida, decalca de forma quase integral a acusação, dando como provados todos os factos dela constantes (com excepção do 8.), sustentada apenas na convicção generalista do tribunal a quo.

      4. Com efeito, com a violação concreta dos pontos infra referidos, e que se consideram incorrectamente apreciados e julgados, o juiz a quo deu como provado além do mais que: “3. Tais dificuldades cognitivas são imediatamente percepcionáveis num qualquer primeiro encontro com a ofendida.; 4. O arguido BB, conhecedor das dificuldades cognitivas da ofendida, decidiu usá-las para manter um relacionamento com a mesma, no final ano de 2015, quando a mesma tinha apenas 14 anos de idade, com o fito de satisfação libidinosa; 5. Assim, em data não concretamente apurada, mas seguramente no final do ano de 2015, o arguido convenceu a ofendida a deslocar-se à sua residência sita junto ao terminal da rodoviária de Beja. 6. Já nesse local, o arguido, sabendo das limitações cognitivas da ofendida, logrou convencê-la a manter consigo relações sexuais vaginais, de cópula completa; 9. Actuou o arguido de forma livre, deliberada e consciente, movido por excitação lasciva, e ao abrigo estado de incapacidade cognitivo da ofendida que a tornava incapaz de lhe resistir, com o propósito de manter com ele coito vaginal satisfazendo os seus instintos libidinosos, o que conseguiu.

        ” 8. Ora, toda a prova produzida – depoimento da ofendida, documentado nos termos do disposto no art.º 363.º do Código de Processo Penal (C.P.P.), em suporte CD-R, gravado no sistema de gravação disponível, entre as 10:59h e as 11:13h, do dia 19/11/2019; declarações do arguido, documentadas no sistema de gravação disponível, entre as 10:32h e as 10:58h, do dia 19/11/2019, processo de averiguação de paternidade promovido pelo MP, Relatório Social do arguido a fls. 412 e seguintes e Relatório de Perícia Médica-Legal a fls. 403 e seguintes – aponta em sentido.

      5. Com efeito, atentem-se as declarações do arguido e o depoimento da ofendida, não se pode concluir que aquele conhecesse a idade desta, nem tão pouco as suas limitações, por um lado e, por outro, que o arguido tivesse convencido a ofendida a ter relações sexuais vaginais de cópula completa.

      6. Na verdade, o arguido sempre desmentiu tal conhecimento, bem como que tinha convencido a ofendida e aproveitado as suas limitações.

      7. Não existe mais prova directa dos factos senão a produzida em audiência e esta é convergente.

      8. A ofendida diz: “...gostava dele…fui sozinha…convidou-me (para ir lá a casa) e eu disse que sim…correu tudo bem…voltamos a encontra-se…combinaram por telefone…teve também relações sexuais no carro…” 13. Ora atento in totum as declarações do arguido e da ofendida e ainda o teor da prova pericial e Relatório Social, os referidos factos dados como dida; 4. O arguido BB, que deveria conhecer as dificuldades cognitivas da ofendida, ainda assim decidiu manter um relacionamento com a mesma, no final ano de 2015, quando a mesma tinha apenas 14 anos de idade, com o fito de satisfação libidinosa; 5. Assim, em data não concretamente apurada, mas seguramente no final do ano de 2015, o arguido convidou a ofendida a deslocar-se à sua residência sita junto ao terminal da rodoviária de Beja, o que esta aceitou; 6. Já nesse local, o arguido, que deveria conhecer das limitações cognitivas da ofendida, manteve consigo relações sexuais vaginais, de cópula completa; 9. Actuou o arguido de forma livre, deliberada e consciente, movido por excitação lasciva, com o propósito de manter com a ofendida coito vaginal satisfazendo os seus instintos libidinosos, o que conseguiu.

      9. Por isso, obrigatório se tornava tê-los valorado de outra forma.

      10. Mas, de outra forma também deveria ter valorado as limitações e capacidades da ofendida, bem como as claras limitações verborrágicas e de entendimento do arguido, bem patentes em sede de julgamento.

      11. E ainda, deveria o tribunal a quo ter atendido às características de personalidade, comportamento, culturais, vivenciais e académicas do arguido, distinguindo-o necessariamente um todo ou de um grupo.

      12. Nesta senda deveria pois o tribunal a quo ponderar a possibilidade do arguido não se ter expandido nas suas declarações, pela vergonha, incómodo, mas também porque quiçá, para se defender teria que beliscar, de alguma forma a reputação daquela que é mãe da sua filha.

      13. Até porque, I.

        Nas questões humanas (por oposição, diga-se, à matemática e à lógica) não pode haver certezas

        . E, provados, salvo o devido respeito que é muito, deveriam ter o seguinte teor: 3. Tais dificuldades cognitivas, para a maior parte dos homens, são imediatamente percepcionáveis num qualquer primeiro encontro com a ofenmais do que isso, neste campo também não se pode pensar que é possível, sem mais, descobrir «a verdade». «A verdade absoluta não pertence ao mundo das coisas humanas».

    2. Ela não é alcançável devido às limitações próprias do ser humano, à quantidade e qualidade dos elementos de prova disponíveis em cada julgamento, às condicionantes de natureza temporal que rodeiam o...

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