Acórdão nº 222/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 222/2020

Ata

Aos 17 dias do mês de abril de 2020, os três juízes integrantes desta formação de conferência da 3.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Vice-Presidente, João Pedro Caupers, e composta pelo Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro (relator) e pela Conselheira Joana Fernandes Costa (adjunta), reuniram-se, por via telemática, para discussão do projeto de acórdão relativo ao processo n.º 879/2019, previamente distribuído pelo relator, decidindo a reclamação para a conferência apresentada nos presentes autos pelo recorrente A., S.A. (artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril).

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado, por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Vice-Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO Nº 222/2020

Processo n.º 879/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A., S.A. e recorridos o Ministério Público e Autoridade da Concorrência, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 11 de julho de 2019, e do despacho do relator, de 10 de outubro de 2019.

2. Pela Decisão Sumária n.º 6/2020, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«8. No momento em que originariamente foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, a decisão recorrida – o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de julho de 2019 –, não podia ser considerada definitiva, na aceção do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, na medida em que não se mostrava ainda decidida a arguição de nulidade que lhe havia sido oposta pela ora recorrente, o que só veio a suceder com a prolação do despacho do relator nesse Tribunal, datado de 10 de Outubro de 2019, que não foi impugnado ordinariamente. Porém, dentro do prazo referido no artigo 75.º, n.º 1, da LTC, a recorrente renovou tal interposição de recurso, ampliando o seu objeto, o que se afigura processualmente válido e sanador da intempestividade originária, dado que (sem prejuízo do que adiante se dirá) nada obstava a que, nesse momento, pudesse interpor novo recurso de constitucionalidade com o mesmo objeto.

9. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

A recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade de «uma interpretação conjugada dos artigos 380.º e 4.º do CPP, e eventualmente dos artigos 295.º e 236.º a 238.º (eventualmente em conjugação com o artigo 9.º do Código Civil e, simultaneamente, por uma interpretação restritiva (ou restrição teleológica) do artigo 620.º n.º 1, do CPC, ex vi artigo 4.º, do CPP, artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, e 13.º, do NRJC, e do artigo 205.º da Constituição», com o sentido de que «pode fixar-se um sentido a uma decisão judicial transitada em julgado que vá além da mera interpretação, por forma a assegurar que ela se conforme ou se ponha de acordo com a lei (no caso, alegadamente com o artigo 15.º, n.º 1, al. a), do RJC, na interpretação que dele faz o Acórdão da Relação)».

Para julgar improcedente o recurso interposto pela aqui recorrente, o Tribunal da Relação de Lisboa concluiu que o pedido formulado a 13 de dezembro de 2018 pela Autoridade da Concorrência, analisado à luz do seu teor e tendo em consideração os elementos já constantes dos autos, estava em conformidade com o conteúdo da decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, de 8 de novembro de 2018. É esse o sentido da afirmação contida no acórdão recorrido, segundo a qual «[c]om o devido respeito entendemos que a AdC cumpriu de forma correta o que lhe foi ordenado».

O Tribunal a quo afirma que, «[a] questão não se resume à mera interpretação da decisão anterior e do teor do ofício entretanto com base nela elaborada, uma vez que nesta interpretação a Lei é sempre o ponto de partida e de chegada e é à sua luz que a interpretação deve ser realizada». Porém, na economia da decisão, tal afirmação é subsequente aos fundamentos invocados para sustentar a conclusão sobre o thema decidendum e surge como resposta a argumentação aduzida pela ora recorrente; trata-se, pois, de um obiter dictum. Com efeito, do facto de o tribunal afirmar ser legítimo que, na interpretação de uma decisão judicial, o intérprete tome em consideração a lei com base na qual a decisão interpretanda foi tomada, não se segue que tal entendimento tenha integrado a ratio decidendi. Com efeito, não se vislumbra que o Tribunal da Relação tenha assumindo «ir além da interpretação» da decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, com o fito de «assegurar que ela se conforme» com a sua interpretação do artigo 15.º da Lei da Concorrência – ou seja, corrigido o sentido da decisão interpretanda. A mera afirmação segundo a qual o podia ter feito não implica, sem demonstração adicional, que tal tenha efetivamente ocorrido.

Naturalmente que existe divergência sobre o juízo relativo ao cumprimento ou não, por parte da Autoridade da Concorrência, da decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, relativamente às condições a cumprir na formulação de pedidos de elementos. E é certo que essa divergência ocorre entre o próprio autor da decisão em causa e o tribunal de recurso, que a toma com um dado, por a mesma já ter transitado em julgado. Mas, como se afirmou acima, do facto de o tribunal de recurso ter contrariado o tribunal de que emanou a decisão, no que concerne ao seu cumprimento, não se segue que o tenha feito extravasando os seus limites objetivos, designadamente corrigindo o seu sentido por referência à lei que a mesma aplicara. Não estando o autor investido da autoridade de fixar uma interpretação autêntica da sua decisão, a mesma tem de ser – como qualquer texto jurídico – interpretada, e em caso de divergência de juízos nas instâncias sobre o sentido da decisão prevalece naturalmente a pronúncia do tribunal superior.

A omissão deste pressuposto processual obsta ao conhecimento do objeto do recurso, nesta parte, justificando-se a prolação da presente decisão sumária, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

10. A recorrente pretende também a apreciação da inconstitucionalidade da norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 97.º, 120.º, 122.º, 379.º, 425.º, n.º4, do CPP, e 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, ex vi artigo 4.º, do CPP, artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, e 13.º e 83.º do NRJC, no sentido de que «os Tribunais estão impedidos de conhecer nulidade invocada pelo interessado quando entenderem que a questão colocada se prende com o âmago da decisão cuja nulidade se invoca

De acordo com o disposto no artigo 70.º, n.os 2 e 3, da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 deste artigo apenas cabe de decisões que não admitam recurso ordinário, sendo equiparadas a recursos ordinários as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência.

Como se viu, uma tal norma, a ter sido aplicada pelo Tribunal a quo, foi-o no despacho de 10 de outubro de 2019, em que apreciou a nulidade por falta de fundamentação assacada ao acórdão de 11 de julho de 2019. Em tal despacho, o Tribunal a quo indeferiu a arguida nulidade, argumentando que a mesma se reportava, não a um vício processual da decisão, mas a um hipotético erro de julgamento, e que sobre o mesmo já não se podia pronunciar por efeito do esgotamento do seu poder jurisdicional.

Em regra, nas Relações, quando o acórdão não admita recurso ordinário – como era o caso –, as arguições de nulidade são decididas pela conferência. Contudo, sendo apreciadas apenas pelo relator, é inequívoco que de tais decisões cabe reclamação para a conferência, nos termos gerais do artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal e do artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.

No caso vertente, a questão foi apreciada apenas pelo relator, não tendo a recorrente reclamado para a conferência.

Note-se que, ao contrário do que alega a recorrente, o despacho de 10 de outubro de 2019 não se integra no acórdão de 11 de julho de 2019, antes mantém a sua autonomia, dado que a decisão foi de indeferimento.

Uma vez que, aquando da renovação do presente recurso (que corresponde, para estes efeitos, à sua interposição, pelos motivos acima expostos), não se mostravam esgotados os meios impugnatórios ordinários possíveis e oponíveis à decisão aqui recorrida e, como tal, a mesma não constituía a última palavra dentro da ordem jurisdicional respetiva, o objeto do recurso não pode ser conhecido, nesta parte, o que justifica a prolação da presente decisão, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. De tal decisão sumária vem agora a recorrente reclamar para a conferência, apresentando a seguinte argumentação:

«A., S.A., Recorrente nos autos acima referenciados e neles mais bem identificado, tendo sido notificado da Decisão Sumária...

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