Acórdão nº 216/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 216/2020

Ata

Aos 17 dias do mês de abril de 2020, os três juízes integrantes desta formação de conferência da 3.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Vice-Presidente, João Pedro Caupers, e composta pelo Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro (relator) e pela Conselheira Maria José Rangel de Mesquita (adjunta) reuniram-se, por via telemática, para discussão do projeto de acórdão relativo ao processo n.º 1182-A/2019, previamente distribuído pelo relator, decidindo a arguição de nulidade do Acórdão n.º 90/2020, proferido por este Tribunal, apresentada nos presentes autos pelo recorrente A..

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado, por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Vice-Presidente.

ACÓRDÃO Nº 216/2020

Processo n.º 1182/19-A

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 11 de setembro de 2019, que indeferiu a reclamação interposta pelo arguido da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa datada de 24 de julho de 2019 através da qual se não admitiu, com fundamento no disposto nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, o recurso pelo mesmo interposto para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no dia 29 de Maio de 2019.

Esta última decisão negou provimento integral ao recurso interposto pelo arguido da decisão da 1.ª instância que o condenou na pena única de 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática, em concurso, de um crime de espionagem, p. e p. pelo disposto conjugadamente nos artigos 317.º, n.º 1, alínea a), e 317.º, n.º 2, do Código Penal – a que correspondeu uma pena parcelar de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão –, e de um crime de corrupção passiva para ato ilícito agravada, p. e p. pelo disposto conjugadamente nos artigos 202.º, alínea a), 373.º, n.º 1, 374.º-A, n.º 1, do Código Penal – a que correspondeu uma pena parcelar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão.

2. Através da Decisão Sumária n.º 872/2019, foi decidido não conhecer o objeto do recurso, com base na seguinte fundamentação:

«(...)

5. Compulsados os autos, conclui-se prontamente que o objeto do recurso não pode ser conhecido, por não se acharem preenchidos vários dos pressupostos processuais necessários para o efeito, desde logo o de que a questão colocada pelo recorrente apresente caráter normativo – ou seja, o de que o seu recurso incida sobre normas. Importa sublinhar que este pressuposto, em contraste com outros a que igualmente está subordinada a possibilidade de conhecimento de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, não tem natureza meramente formal ou procedimental, mas antes se destina a delimitar a própria competência do Tribunal Constitucional no confronto com as outras ordens jurisdicionais (vd. e.g. o Acórdão n.º 361/98), impedindo que tais recursos visem a sindicância das decisões dos tribunais judiciais enquanto taisi.e., uma apreciação dos concretos termos em que aí foram aplicadas determinadas normas de direito infraconstitucional (cf. e.g. o Acórdão n.º 466/2016). De facto, num recurso como o que se aprecia, a competência deste Tribunal cinge-se à apreciação da possível desconformidade de uma norma de direito ordinário com a Constituição.

Sucede que as questões trazidas pelo recorrente a este Tribunal não supõem uma autêntica apreciação dessa natureza, expressando antes uma discordância da sua parte em relação à forma como o tribunal recorrido aplicou certos preceitos de direito ordinário ao seu caso. A ausência de caráter normativo deste recurso decorre transversalmente do seu requerimento de interposição, como é ilustrado por passagens como aquela em que o recorrente indica que o seu recurso «visa discutir a própria formulação da dupla conforme que faria repousar na autoridade dos decisores (no Estado como critério) - e não na exatidão dos procedimentos - a pretendida bondade da solução encontrada mesmo que essa traduza o agravamento das violações em presença, como é o caso, traduzindo-se evidentemente, uma e outra, como apontado, no alheamento de qualquer proporcionalidade, na mais radical infidelidade à Convenção Europeia dos Direitos do Homem». Ainda: «Outra questão ainda é a da vinculação do Estado a um meio processual efetivo, apto a pôr termo à violação dos Direitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que evidentemente e no caso assume a reivindicação concreta da admissão de recurso por motivo de excecional importância que aqui se faria possível pela aplicação do art.º 4º CPP e 672º CPC». Particularmente ilustrativa é ainda a passagem onde o recorrente invoca a inconstitucionalidade do «disposto no art. 7º da Lei do Regime do Segredo de Estado (Lei Orgânica n.º 2/2014, de 06 de Agosto) é derrogável por meras considerações - aberrantes - com o alcance prático do que acima fica exposto (e é oferecido como modelo de decisão futura) (...) bem como as considerações interpretativas que operam o afastamento da aplicabilidade ao caso do 137º/1CPP, 321º/2/3 CPP, 355º/1 CPP, do 408/3 CPP, violando estas disposições, compreendendo as determinações, específicas e expressas de nulidade». Por fim, é exemplo cabal do entendimento que se vem expondo a afirmação de que «a presente interposição, ou visa discutir, a desproporcionada consequência da péssima doutrina - e pior técnica - que visaria transformar as violações das obrigações internacionais do Estado em Processo Penal em meras "irregularidades" pela incapacidade de leitura do 118º CPP que evidentemente jamais assumiu o escopo de travar o passo à aplicação de normas do Direito Internacional dos Direitos do Homem».

A argumentação do recorrente dirige-se, pois, fundamentalmente à decisão recorrida em si mesma considerada, e não às normas que regulam em termos gerais e abstratos os casos como aquele de que aí se tratava. Ao Tribunal Constitucional, porém, conforme já referido, está vedada a realização desse tipo de sindicância, sob pena de ingerência numa esfera de competências que, no nosso ordenamento jurídico, são confiadas de modo exclusivo aos tribunais de outras ordens jurisdicionais.

6. Além de não ter formulado questões de constitucionalidade de caráter autenticamente normativo no seu recurso de constitucionalidade, também não pode considerar-se – e, de resto, com mais segurança ainda – que o recorrente haja suscitado perante o tribunal recorrido qualquer questão de constitucionalidade de que este ficasse obrigado a conhecer, como exigem os artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, da LTC. Este pressuposto não se basta com simples alusões a normas de direito ordinário, antes exigindo que tais normas sejam identificadas de modo expresso e claro, delimitando-se pela positiva o objeto do recurso perante o tribunal a quo, sob pena de ilegitimidade para vir ulteriormente recorrer-se para o Tribunal Constitucional. Nos presentes autos, porém, não é possível identificar nada que se tenha aproximado da formulação de uma questão de constitucionalidade, fosse perante o Supremo Tribunal de Justiça fosse, já, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, antes da prolação das respetivas decisões que negaram a admissibilidade do recurso ao abrigo dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal. Apenas algumas referências genéricas à Constituição da República Portuguesa, sempre por referência ao caso concreto.

7. Acresce que, descontadas as questões relativas à admissibilidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, nenhum dos outros temas foi sequer abordado nas decisões que negaram a admissibilidade de tal recurso. Note-se que o recorrente afirma expressamente que o seu recurso de constitucionalidade é «interposto de decisão materializada nos vários textos que nos recusam a admissibilidade receção e subida do recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa». No entanto, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2019 apenas aplicou as normas do Código de Processo Penal relativas à admissibilidade do recurso (vd. a fl. 131, verso, dos autos), assim como a do Supremo Tribunal de Justiça (transcrita supra, ponto 3), onde aliás se começa logo por fazer notar que: «Liminarmente, face ao teor da reclamação, impõe-se esclarecer que a única questão a decidir na reclamação prevista no artigo 405.º do CPP é a admissibilidade do recurso ou a sua retenção». Assim, apenas esta questão poderia ser aqui conhecida, visto que as restantes não têm qualquer ressonância naquelas decisões, nunca podendo considerar-se que alguma delas tivesse constituído sua ratio decidendi.

8. Em suma, a competência do Tribunal Constitucional no contexto de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade cinge-se à apreciação de normas de direito ordinário com parâmetros de direito constitucional, o que se revela impossível em face do recurso em apreço. Além de não apresentar o necessário teor normativo, o recurso em apreço não surge na sequência da suscitação prévia e adequada de qualquer questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido. Além disso, várias das questões em apreço não tiveram qualquer consideração na decisão recorrida, muito menos como sua ratio...

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