Acórdão nº 234/20 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução22 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 234/2020

Aos 22 dias do mês de abril de 2020, os quatro juízes integrantes do pleno da 1.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Presidente, Manuel da Costa Andrade, e composta pelos Conselheiros Vice-Presidente, João Pedro Caupers, José António Teles Pereira (relator) e Maria de Fátima Mata-Mouros, reuniram-se por via telemática para discussão do projeto de acórdão relativo ao Processo n.º 892/2019, previamente distribuído pelo relator, decidindo o recurso apresentado nos presentes autos pela recorrente A. [artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC].

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado por maioria, com o voto de vencido do Conselheiro Presidente, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, com o referido voto de vencido, assinado pelo Conselheiro Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO N.º 234/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No âmbito do processo n.º 8/12.3GAMDL, que correu os seus termos no Juízo de Competência Genérica de Vila Flor, foi proferida sentença, datada de 23/03/2018, que absolveu a ali arguida A. (a ora Recorrente) da prática de um crime lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, de que vinha acusada.

1.1. O Ministério Público interpôs recurso da decisão absolutória, pugnando, num quadro de controlo da fixação dos factos provados na primeira instância e da respetiva subsunção, pela condenação daquela arguida pela prática do crime indicado na acusação.

1.1.1. Pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido acórdão, datado de 14/01/2019, no qual se decidiu: (a) aditar factos à matéria de facto provada e eliminar factos da matéria de facto não provada; (b) revogar a decisão recorrida e condenar a arguida, pela prática de um crime lenocínio, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; e (c) declarar perdida a favor do Estado a quantia de €80.113,74, que lhe fora apreendida.

1.2. Pretendeu a arguida recorrer desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), recurso que o senhor desembargador relator no Tribunal da Relação de Guimarães admitiu.

1.2.1. No STJ, foi proferida decisão sumária pelo senhor conselheiro relator, no sentido da não admissão do recurso, com fundamento no disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (CPP): “[n]ão é admissível recurso […] [d]e acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a cinco anos”.

1.2.2. Desta decisão reclamou a Recorrente para o Presidente do STJ. Na reclamação, invocou a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na interpretação segundo a qual “está excluído […] o recurso para o STJ […] quando [o arguido] tenha sido absolvido em primeira instância [e vem a ser condenado pelo Tribunal da Relação] em pena de prisão suspensa na sua execução”.

1.2.3. Por despacho da Conselheira Vice-Presidente do STJ de 05/07/2019, foi a reclamação para o Presidente do STJ convolada em reclamação para a conferência.

1.2.4. Por acórdão de 05/09/2019, da conferência, foi a reclamação indeferida.

1.3. A Recorrente interpôs, então, recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, nos termos seguintes (transcrição parcial):

“[…]

[E]m cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC, mais se indica expressamente que o presente recurso tem por base a fiscalização concreta da constitucionalidade dos artigos 20.º, 29.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 400º, n.º 1, al. e), todos do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que do teor deste último normativo não se podem considerar abrangidas as situações em que um arguido absolvido na 1.ª instância, mas condenado na 2.ª instância em pena de prisão, mesmo que inferior a cinco anos, suspensa na sua execução, não pode recorrer para o STJ.

[…]

4. Em abono da recorribilidade daquela [do acórdão do Tribunal da Relação] a recorrente invocou o Acórdão do Tribunal Constitucional, com o n.º 324/2013, de 30 de Julho de 2013, onde se decidiu ‘julgar inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)’, bem como, mais invocou, um outro aresto do mesmo tribunal, com o n.º 412/2015, e datado de 6 de outubro de 2016, onde se decidiu ‘julgar inconstitucional a norma do artigo 400º, n.º 1, alínea e), do CPP, resultante da revisão introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal (artigo 32º, n.º 1, da constituição)’.

5. Porém, sucede que por despacho, datado de 27 de junho de 2019, não foi aquele recurso admitido pelo STJ […]

6. Face a tal despacho de não admissão do Recurso de Revista, a Autora A. reclamou de tal despacho, através da apresentação de Reclamação, para o plenário do STJ, a qual também foi indeferida, pelo douto despacho proferido no dia 5 de setembro de 2019, com os seguintes fundamentos: […].

Fundamentação .

Inconformada com o indeferimento da sua Reclamação, a arguida/recorrente A. vem, agora, interpor Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade, de tal decisão, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, al. b), da LTC […].

Nesta conformidade, são os seguintes os fundamentos do presente recurso.

1. A recorrente não pode aceitar que o recurso que enviou para o Supremo Tribunal de Justiça tenha sido rejeitado, na medida em que entende que existe uma clara e manifesta violação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo, entre outros.

2. E não pode, a ora recorrente, aceitar tal decisão, não só pelos factos supra referidos, mas também pelo facto de que a mesma não pode ser prejudicada, nos seus direitos constitucionais, devido a um interpretação errada, por parte do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, salvo o devido respeito que é muito, por opinião contrária, como se disse supra, dos princípios constitucionais da certeza, da segurança jurídica, da confiança, da boa-fé, da proporcionalidade, do contraditório, da cooperação e do direito de acesso à justiça e a um processo equitativo;

3. Na verdade, aquele Venerando Tribunal ao indeferir a admissão do Recurso Extraordinário de Revista Excecional, apresentado pela aqui reclamante, A., violou os referidos princípios constitucionais, ao ter interpretado o artigo 400º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que ‘...é irrecorrível o acórdão da Relação que, inovatoriamente, face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal’, mas também violou os invocados preceitos constitucionais ao ter decidido que: ‘....o direito ao recurso para além do segundo grau de jurisdição só tem sido afirmado, tendo por referência o disposto no art.º 400º, n.º 1, alínea e) do CPP, nos casos em que o recorrente, tendo sido absolvido em primeira instância, venha a ser sancionado, pelo Tribunal da Relação, em pena de prisão efetiva.’

Senão vejamos,

4. Não desconhece a recorrente que é pacífico, na nossa jurisprudência, que apenas quando um arguido é condenado, na 2º Instância, em pena de prisão efetiva, após ter sido absolvido na 1.ª Instância, pode recorrer para o STJ, ao abrigo do disposto no artigo 400º, n.º 1, al. e), do CPP.

5. Todavia, aceitando-se como válida e constitucionalmente correta tal interpretação, daquele normativo legal, mormente como sendo recorrível, no caso de condenação em prisão efetiva, na 2.ª instância, após uma absolvição em sede de 1.ª instância, já não se pode aceitar que o mesmo normativo (artigo 400º, n.º 1, al. e), do CPP) esteja de acordo com a Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de que o mesmo não permite tal recurso – em caso de penas de prisão suspensas na sua execução.

6. E não se pode aceitar tal interpretação, na medida em que – segundo a citada interpretação jurisprudencial – já se permite o recurso para o STJ, no caso, por exemplo, de um arguido que foi condenado numa pena de prisão efetiva de meses, quando esse mesmo arguido, se for condenado, numa pena de prisão, por exemplo, de 5 anos de prisão suspensa na sua execução, já não pode recorrer de tal pena, apenas porque se entende que estamos na presença de uma pena de substituição – (como vem sendo entendido pela nossa jurisprudência maioritária).

[…]

Termos em que, […] deverá julgar-se inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, al. e), do ...

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