Acórdão nº 49/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 49/2020

Processo n.º 581/17

3ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 – A., SGPS, S.A, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT), em que foi requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pedindo a declaração de ilegalidade (i) da autoliquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) do exercício de 2013, e (ii) da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou desse ato.

A requerente fundou a pretensão anulatória da autoliquidação na violação dos n.ºs 1 e 3 do artigo 4.º da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto (alterada pelas Leis n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro) - que criou o Sistema Fiscal de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento (SIFIDE) - e do artigo 90.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), por entender que tais disposições permitem que o benefício fiscal usufruído no exercício de 2013, ao abrigo do SIFIDE, na modalidade de dedução à coleta, seja imputado à parte da coleta de IRC apurada com base nas regras da tributação autónoma.

Por acórdão de 31 de maio de 2017, prolatado pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CADA), o pedido de anulação da liquidação foi julgado improcedente com fundamento, no que releva para o presente processo, na alteração que o artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2006, de 30 de março (LOE de 2016) fez ao artigo 88.º do CIRC – aditando-lhe o número 21 -, esclarecendo que a coleta das tributações autónomas é feita nos termos do artigo 89.º do CIRC, sem quaisquer deduções, e o artigo 135.º dessa Lei ter atribuído natureza interpretativa a esse preceito, não tendo o intérprete fiscal outra alternativa senão aplicá-lo imediatamente, por não haver objeção de normas de hierarquia superior, já que não existe uma proibição constitucional genérica de leis fiscais interpretativas.

2. A requerente interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pedindo a fiscalização da constitucionalidade da “norma constante do número 21, do artigo 88.º do Código do IRC, nos termos estabelecidos no artigo 135.º da LOE 2016, exclusivamente na parte em que derroga por via desta norma de natureza geral (e com efeitos retroativos), as normas especiais dos números 1 e 3, do artigo 4.º da Lei do SIFIDE II, quando interpretada no sentido explanado na Decisão Arbitral”.

3. Admitido o recurso, foi a recorrente notificada para alegar, o que fez com as seguintes conclusões:

A - O SIFIDE é um benefício fiscal que opera por dedução à coleta do IRC;

B - O SIFIDE é um benefício fiscal temporário, gerando acrescidas expectativas;

C - Estando as tributações autónomas incluídas na coleta de IRC, os créditos fiscais do SIFIDE são, igualmente, dedutíveis à coleta das tributações autónomas;

D - O número 21 do artigo 88.º do Código do IRC é uma norma inovadora;

E - Como norma inovadora, o número 21 do artigo 88.º do Código do IRC está sujeito a uma ponderação do juízo de constitucionalidade à luz da proibição da retroatividade da lei fiscal, nos termos do número 3 do artigo 103.º da Constituição;

F - O facto tributário formou-se ao abrigo da lei anterior, a qual permitia a dedução dos créditos fiscais de SIFIDE à coleta das tributações autónomas;

G - A norma do número 21, do artigo 88.º do Código do IRC é uma norma oneradora;

H - Está em causa a aplicação retroativa, na sua forma autêntica;

I - Logo, a aplicação do número 21, do artigo 88.º do Código do IRC ao caso em apreço é inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, decorrente do número 3, do artigo 103.º da Constituição;

J - Nesta sequência, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março é inconstitucional (por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, decorrente do número 3, do artigo 103.º da Constituição), na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC 21 (aditada pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), segundo a qual - ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não pode ser deduzido o benefício fiscal apurado a título de SIFIDE - se aplique aos exercícios fiscais anteriores a 2016;

K - Face ao exposto, pelo presente se recorre da decisão a quo com fundamento no facto desta ter aplicado a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março que padece de inconstitucionalidade nos termos acima definidos no ponto J. das presentes conclusões, como também,

L - Se recorre da decisão a quo com fundamento no facto desta ter aplicado a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março que já foi julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional por via do Acórdão n.º 267/2017, com base na violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, decorrente do número 3, do artigo 103.º da Constituição;

M - Note-se ainda que, a norma do número 21 do artigo 88.º do Código do IRC é uma norma geral;

N - A norma do artigo 4.º da Lei do SIFIDE é uma norma excecional;

O - Norma geral não derroga ou revoga norma excecional;

P - A norma do número 21 do artigo 88.º do Código do IRC não derroga a norma do constante do número 1 do artigo 4.º da Lei do SIFIDE II (que corresponde com diferente numeração identificativa ao atual número 1 do artigo 38.º do Código Fiscal do Investimento);

Q - Mantém-se plenamente em vigor o entendimento anterior à LOE 2016: os créditos fiscais de SIFIDE são dedutíveis à coleta de IRC e das tributações autónomas (incluídas no próprio IRC);

R - A norma constante do número 21 do artigo 88.º do Código do IRC é inconstitucional quando interpretada nos termos efetuados pela decisão a quo no sentido que derrogue uma norma excecional estipuladora de benefício fiscal, contrariando nestes termos o princípio da legalidade tributária estatuído no número 2 do artigo 103.º da Constituição.

4 - A recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

A - A ora Recorrente veio submeter ao Tribunal Arbitral pronúncia sobre quer o ato de indeferimento (tácito) do pedido de reclamação graciosa, quer a liquidação que pretendeu ver revista por via desse procedimento, que corresponde à autoliquidação de IRC, referente ano de 2013.

B - Em síntese a Recorrente pretendia deduzir o valor os benefícios fiscais atribuídos no âmbito do SIFIDE à coleta produzida pelas tributações autónomas.

C - Sustentou ainda, preposteramente, que, e naquilo que ora nos debruçamos, o teor do artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconizou, com caráter interpretativo, que a «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», é materialmente inconstitucional, por violação da proibição da retroatividade em matéria de impostos prevista no n.º 3 do art.º 103.º da CRP, quer se tenha concluído, quer não, estar-se perante uma lei materialmente interpretativa.

D - O teor do artigo 133.º, o qual aditou o número 21 ao artigo 88.º do CIRC, com os efeitos previstos no artigo 135.º, ambos constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2016, publicado a 30.03.2016, com entrada em vigor no dia seguinte, nos quais se preconiza, com caráter interpretativo, que «A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos do artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.»

E - Tal norma veio clarificar positivando, como se evidenciou supra, o entendimento e prática perfilhados pacificamente pela doutrina e pelos contribuintes em geral, os quais nunca foram postos em causa pela AT.

F - Apenas vindo a tornar-se, artificialmente, uma controvérsia face às peregrinas e inenarráveis teses propugnadas no CAAD, ao abrigo de um cartel interpretativo, encabeçado por grandes grupos económicos, consultoras e escritórios de advocacia.

G - Com efeito na Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março LOE, o legislador introduziu o n.º 21 ao art.º 88.º do CIRC, com a seguinte redação: “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no art. 89.º e tem por base os valores e taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado”.

H - No art.º 135.º da referida Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, o legislador determinou que a norma em causa teria caráter interpretativo.

I - Verificando-se que, de facto e insofismavelmente, o novo n.º 21 do art.º 88.º do CIRC tem caráter interpretativo, as disposições aí contidas integrarão a norma interpretada desde o seu início de vigência,

J - Pelo que este Colendo Tribunal terá que, inelutável e necessariamente, concluir pela conformidade da norma com a CRP.

K - Considera-se que, face à mais recente jurisprudência deste Colendo Tribunal em matéria de interpretação e delimitação da amplitude do princípio da proibição da retroatividade fiscal (Acórdão n.º 310/2012, de 20 de junho, e acórdão 399/2010, de 27 de outubro, as conclusões do acórdão n.º 172/2000, de 22-03-2000...

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