Acórdão nº 399/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 399/2020

Processo n.º 224/18

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., S.A., foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto dos artigos 70º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral em 5 de março de 2018 (cf. fls. 3-26), que julgou procedente a impugnação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») relativo ao exercício de 2012, na parte em que não foi autorizada a dedução à coleta, resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma, dos benefícios fiscais aplicáveis no âmbito do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (adiante designado «SIFIDE»).

2. Apreciada a questão, concluiu-se que a norma objeto do presente recurso era idêntica à recentemente apreciada pela 3.ª Secção deste Tribunal, no Acórdão n.º 49/2020. Consequentemente, e ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, foi proferida a Decisão Sumária n.º 274/2020 em que – remetendo para a fundamentação do Acórdão n.º 49/2020 – se decidiu (cf. fls. 152-163):

«a) Não julgar inconstitucionais os artigos 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e 233.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, na parte em que, atribuindo natureza interpretativa às alterações introduzidas no artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC (pelos artigos 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e 231.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), determinam que não podem ser deduzidos à coleta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma em sede de IRC os benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE, nos exercícios fiscais anteriores a 2016;

e, em consequência,

b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.»

3. A recorrida reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, tendo apresentado, no essencial, as seguintes conclusões (cf. fls. 188-196):

«Conclusões:

I. Introdução às razões de reclamação ao decidido na Decisão Sumária

a) A recente mudança de entendimento do TC de que é manifestação a Decisão Sumária de que se reclama, fragiliza imenso, senão mesmo anula, o que a específica e expressa proibição constitucional de retroactividade em matéria de impostos prevista acrescentou, e era suposto acrescentar, ao princípio geral da protecção da confiança.

b) Esta mudança de entendimento do TC consubstancia na realidade teórica e prática uma interpretação ab-rogante da consagração pelo legislador constitucional da regra da proibição de retroactividade em matéria de impostos constante do artigo 103.°, n.° 3, da Constituição.

c) Acresce que a Decisão Sumária incorre em erro na identificação do (suposto) facto-chave de que se socorre para concluir que, no momento relevante, haveria discrepância jurisprudencial na matéria objecto da lei interpretativa (e consequentemente inexistiria uma situação de confiança merecedora de tutela).

II. A proibição específica de retroactividade em matéria de impostos vis a vis o princípio geral da protecção da confiança

d) Há países com Estado de direito enraizado onde nenhum problema há em admitir leis fiscais retroactivas. Mas, a partir de 1997, essa não foi a nossa escolha. Se a lei é diferente (como é a nossa na matéria aqui em causa, em contraste com outros países), pois respeite-se essa diferença, mesmo que se julgue que outras fórmulas são melhores. Será diferente, mas nós elegemo-la, por isso o nosso primeiro dever é respeitá-la e fazê-la cumprir.

(...)

g) Em continuação, é de relembrar que na primeira, e marcante, tomada de posição do Tribunal Constitucional sobre as leis interpretativas perante a proibição de retroactividade da lei fiscal (acórdão do Tribunal Constitucional n.° 172/00, de 22 de Março de 2000), a conclusão e decisão foram o oposto da adoptada na Decisão Sumária (e recente jurisprudência) de que se reclama.

h) Aí se pesou devidamente, o que ainda não se viu refutado com sucesso pela oposta jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional (sublinhados e ênfases nossos): (...) a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. (...) Nesta medida, poder-se-á entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica [o que quer que se entenda por autêntica, questão em si mesma com respeito à qual dificilmente se eliminará a imprecisão e a discussão, e com ela a insegurança e desorientação] ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do artigo 13°do Código Civil, altera o contexto de auto-vinculação dos órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afecta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição (constitucional) de retroactividade. Haverá, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroactividade.

Ora, a proibição constitucional explícita de retroactividade em matéria fiscal não pode ser interpretada (...) restritivamente em termos semelhantes à jurisprudência anterior do Tribunal, como se não tivesse sido alterado o texto constitucional e apenas resultasse dos princípios gerais. Na expressa proibição de retroactividade não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objectividade e auto-vinculação do Estado pelo Direito." (cfr. pp 9 e 10 da versão PDF, publicada no site do Tribunal Constitucional).

(...)

l) A Decisão Sumária de que se reclama discorda, com respeito à mesma lei interpretativa, da reflexão a que chegou o acórdão do TC n.° 267/2017. E discorda igualmente do acórdão, mais antigo, do TC, n.° 172/00.

m) E antepõe-lhes antes o silogismo vertido no acórdão do TC n.° 395/2017, de 12 de Julho de 2017, sufragado posteriormente no acórdão n.° 49/2020.

(...)

t) Com efeito, em sintonia com a jurisprudência anterior, a nova corrente jurisprudencial a que adere a Decisão Sumária tem por seguro que “por definição, as leis interpretativas, mas já não as interpretações judiciais, são retroativas”, e por conseguinte “[e]m termos gerais, pois, e ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, as leis interpretativas devem ter-se por abrangidas pela proibição constitucional da retroatividade em matéria fiscal.” (acórdão n.° 395/2017, transcrito e acolhido pela Decisão Sumária).

u) Mas depois dá uma volta de 180.° graus, e desvia-se do critério da rectroactividade, desvia-se daquilo que a lei constitucional objectivamente proíbe: leis fiscais retroactivas. E...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT