Acórdão nº 151/20 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução04 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 151/2020

Processo n.º 505/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., Lda. (Requerente e ora Recorrente), submeteu-se a Processo Especial de Revitalização (PER), apresentando acordo extrajudicial de recuperação, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). O processo correu os seus termos no Juízo de Comércio de Coimbra com o número 5245/17.1T8CBR.

1.1. Foi proferido despacho, em primeira instância, datado de 10/11/2017, no sentido da recusa de homologação do acordo extrajudicial apresentado pela Requerente.

1.1.1. Desta decisão recorreu a Requerente para o Tribunal da Relação de Coimbra, invocando, em síntese, violação do princípio do contraditório, uma vez que os credores que não constituíram mandatário não foram notificados para se pronunciarem sobre a adenda corretiva ao plano apresentado, e por não ter sido observado o prazo previsto no artigo 17.º-D, n.º 5, do CIRE.

1.1.2. Por acórdão de 05/06/2018, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou o recurso improcedente.

1.1.3. Desta decisão interpôs recurso a Requerente para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Invocou, inter alia, a oposição entre a decisão recorrida, do Tribunal da Relação de Coimbra, e os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 09/08/2016, proferido no processo n.º 8951/15.1T8STB.E1, e do Tribunal da Relação do Porto de 27/01/2015, proferido no processo n.º 1378/14.4TBMAI.P1, dos quais, todavia, não juntou cópia.

1.1.4. No STJ, o recurso foi distribuído à formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC). Esta formação, por acórdão de 18/10/2018, determinou a redistribuição do recurso como revista normal, por não haver lugar a revista excecional.

1.1.5. Após redistribuição do processo, pelo Senhor Juiz Conselheiro relator foi proferida decisão sumária, datada de 08/01/2019, no sentido da rejeição da revista. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

[A] revista normal ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE não depende das condições que o n.º 3 do artigo 671.º do CPC postula como justificativas de uma situação de inexistência de dupla conforme: voto de vencido e fundamentação essencialmente diferente.

De facto, de harmonia com o preceituado naquele artigo 14.º, n.º 1, do CIRE apenas há lugar a recurso normal de revista – haja ou não dupla conformidade – no caso de existir oposição de acórdãos.

Por isso, a admissibilidade de recurso para o STJ do acórdão da Relação que recusou a aprovação do acordo extrajudicial apresentado pela requerente, em sede de processo especial de revitalização, dependia exclusivamente da existência de oposição de julgados entre o decidido nesse acórdão e o decidido noutro acórdão da Relação ou do STJ quanto à mesma questão fundamental de direito e no âmbito da mesma legislação, sendo certo que, para permitir aferir dessa oposição, o n.º 2 do artigo 637.º do CPC obriga o recorrente à junção de cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento, sob pena de rejeição imediata do recurso.

Ora, se é verdade que a recorrente identifica dois acórdãos das Relações de Évora e do Porto que, alegadamente, estariam em oposição com o acórdão recorrido quanto a dois temas neste aflorados (natureza do processo especial de revitalização e nulidade processual), não cuidou, porém, de juntar com as alegações da revista a pertinente cópia de qualquer um desses arestos.

A previsão constante do n.º 2 do artigo 637.º é reveladora da exigência que se pretende impor no exercício de um ónus processual em situações em que, por regra, o recurso não é admissível, tanto mais que, tratando-se de recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça esse rigor é naturalmente mais justificado.

Não tendo a recorrente cumprido esse ónus, rejeita-se a revista.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.6. Desta decisão reclamou a Recorrente para a conferência, invocando, designadamente, a necessidade de um convite ao aperfeiçoamento prévio à decisão de rejeição da revista, e alegando que “[…] qualquer interpretação das normas constantes do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE ou do artigo 637.º, n.º 2, do CPC no sentido de permitir a imediata rejeição do recurso apresentado sem a apresentação de cópia do acórdão fundamento, ou de permitir essa imediata rejeição sem convite prévio ao aperfeiçoamento, representa uma interpretação materialmente inconstitucional das mesmas, por violação do direito fundamental a um processo justo e equitativo, ínsito no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição”.

1.1.7. Por acórdão de 26/02/2019, o STJ negou provimento ao recurso. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

Como ficou bem patente na decisão sob reclamação, o motivo da rejeição da revista radicou na circunstância de a recorrente, tendo invocado a oposição de julgados como fundamento do recurso interposto ao abrigo do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, não ter apresentado cópia do acórdão fundamento.

Diz a recorrente, em primeiro lugar, que o artigo 637.º, n.º 2, do CPC não se aplica a esse regime recursório.

Não concordamos.

O artigo 14.º do CIRE institui um regime de recursos especial, regulando de forma rigorosa as condições específicas de recorribilidade nos processos de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência.

No entanto, para além desses pressupostos específicos, todos os demais requisitos e formalidades gerais dos recursos são disciplinados pelo Código de Processo Civil, por força da remissão operada pelo artigo 17.º do CIRE.

De entre essas formalidades releva, para o que aqui interessa, o modo como se interpõe o recurso.

Sobre esta matéria, diz o n.º 2 do artigo 637.º:

‘O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.’

[…]

Ao contrário do que ironicamente sugere a recorrente no ponto 16., da reclamação, a questão não se coloca em termos de se optar por uma interpretação ‘analógica’ num mundo ‘digital’, porque os ónus processuais são de verificação concreta e com tempos bem definidos na lei.

O princípio da autorresponsabilidade das partes obriga-as a usarem da diligência necessária, a observarem os ditames da prudência técnica necessários ao atingimento dos fins a que se propõem; a negligência ou inépcia na condução dos atos do processo redundam inevitavelmente em seu prejuízo, sem que possam ser assacadas responsabilidades a outrem.

O que se pode por isso esperar quando, havendo um preceito que obriga a parte ao cumprimento de um ónus de facílima execução, ela, mesmo assim, não o cumpre, apesar de ser perfeitamente discernível a severa consequência processual decorrente dessa omissão?

A jurisprudência do STJ, ao contrário também do que a recorrente afirma, tem sido bem assertiva nesta matéria.

Dois exemplos, cujos sumários se transcrevem:

‘I – Perante a regra da inadmissibilidade do recurso para o STJ nas ações de insolvência, prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, a parte que pretenda recorrer, tem logo de demonstrar a existência de um acórdão de um tribunal da Relação ou do STJ, em que haja sido decidido de forma oposta a mesma questão fundamental de direito.

II – Caso a parte não alegue e comprove logo a existência desse acórdão fundamento, deve o Desembargador Relator, ao abrigo do disposto no art. 641.º, n.os 1 e 5, do CPC, rejeitar o recurso.

III – Admitido o recurso na Relação, não tem o Conselheiro Relator de, antes de indeferir a revista, convidar os recorrentes a suprir a falta de apresentação do referido acórdão.’ – Ac. STJ de 25.05.2017 (Conselheiro João Camilo).

‘Deve ser indeferido o recurso para o STJ ao abrigo do disposto no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, se o recorrente não demonstra a invocada oposição de acórdãos, porque não junta cópia de algum deles.’ – Ac. STJ de 26.09.2017 (Conselheiro Salreta Pereira)

O que acabámos de dizer afasta em absoluto a possibilidade de a falta cometida poder ser suprida mediante convite ao aperfeiçoamento.

Esse convite ocorre, como bem diz a reclamante, quando se verifique a insuficiência, obscuridade ou prolixidade das conclusões de recurso. Só que aquilo que a reclamante se esqueceu de dizer é que, nesses casos, é a própria lei que obriga ao convite, conforme disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC.

Ora, a forma clara como está redigida a norma do artigo 637.º, n.º 2, do CPC dissipa quaisquer dúvidas quanto à (in)exigibilidade do convite ao aperfeiçoamento: “(…) o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”.

Importa, por outro lado, salientar que o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7.º do CPC, não pode significar que se transfiram para o tribunal os ónus processuais que incumbem às partes, sob pena de se subverter a raiz estruturante do processo civil.

Finalmente, quanto à suposta violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, diremos, brevemente, o seguinte.

O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).

É nesta última dimensão que se enquadra a questão da inconstitucionalidade invocada, porquanto o caso reporta-se a uma situação em que é imposto um ónus processual à parte recorrente e em que a lei prevê...

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