Acórdão nº 263/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução13 de Maio de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 263/2020

Processo n.º 978/19

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I - Relatório

1. Nestes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a A., S.A., que figura como ré no processo que deu origem ao presente, interpôs recurso de apelação do despacho proferido em 1.ª Instância que indeferiu o requerimento no qual peticionou que o montante a liquidar a título de remanescente da taxa de justiça fosse apurado, em todas as instâncias, em função do valor tributário da ação, correspondente a € 600.000,01. Subsidiariamente requereu que fosse dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em todas as instâncias, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.os 1 e 7, do Regulamento das Custas Processuais.

Por acórdão de 6 de dezembro de 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou parcialmente procedente a apelação, revogando o despacho proferido em 1.ª Instância, e, em consequência, fixou o valor da ação em € 600.000,01, para efeitos de custas, determinando a aplicação, na elaboração da conta de custas, da tabela vigente à data da prolação das decisões finais. Mais indeferiu a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Inconformada, deste aresto interpôs a autora, B., S.A., recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, fundado no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil (adiante CPC), com base na «direta contradição entre o acórdão recorrido e o douto acórdão da Relação de Lisboa de 13.12.2017, proferido no autos do processo n.º 2079/09.OTVLSB-B.L1, da 8.ª Secção».

Notificada deste impulso processual da autora, a A., S.A. interpôs recurso de revista subordinado, com base no artigo 633.º, n.os 1 e 2, do CPC, relativamente à parte do aresto do Tribunal da Relação de Lisboa que indeferiu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, na eventualidade de proceder a pretensão recursória da autora e o valor tributário da ação ser fixado em € 25.355.040,21, peticionando, nesse caso, a dispensa, ainda que parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Por despacho datado de 25 de março de 2019, o relator no Tribunal da Relação de Lisboa admitiu ambos os recursos de revista interpostos.

Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a relatora exarou despacho, em 4 de junho de 2019, mediante o qual não admitiu os recursos de revista interpostos nos autos. Para tal começou por esclarecer que a decisão impugnada cai no âmbito do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, na medida em que versa sobre a relação processual, ou seja, valor da causa, valor das taxas de justiça e custas.

De seguida, demonstrou que, atenta a contradição invocada pela recorrente, seria aplicável aos autos a alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, pois que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação só é objeto de recurso de revista caso se demonstre que, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, do mesmo código, se esteja perante uma das situações em que «o recurso é sempre admissível».

Em resposta à argumentação da recorrente, de acordo com a qual seria admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, a relatora consignou que a orientação desse tribunal superior tem sido a de aplicar esse normativo «apenas quando, por força de determinada lei, em atenção à matéria ou à urgência, se exclui o recurso do acesso ao STJ (mesmo com valor de causa e sucumbência)».

Retornando ao caso concreto, a relatora afirmou que, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir, «não se identifica uma pré-restrição legal de acesso ao STJ», razão pela qual o acesso a esse tribunal se deve definir em função das regras gerais, ou seja, «tipo de decisão recorrida/efeito da mesma em conjugação com o regime da alçada e sucumbência».

Perante tais considerações, concluiu que, dado que «a orientação deste STJ é no sentido de a contradição jurisprudencial relevante envolvendo decisões dos tribunais da Relação, quando a decisão se reporte a questões processuais (não de mérito e que caiam no art.º 671.º, n.º 1 do CPC), só comportar revista se existir uma norma especial que vede o acesso ao STJ, entendendo-se que essa norma especial é a que impede o acesso por outras razões que não a da alçada ou tipo de decisão», e que, no caso, «não se identifica tal norma legal de restrição do acesso ao STJ, nem a mesma pode ser coincidente com a norma do art.º 671.º, deve manter-se o entendimento deste STJ no sentido de não ser admitida a revista do acórdão impugnado». Em consequência, considerou prejudicado o «recurso “subordinado” subsidiário».

Deste despacho, a B., S.A. reclamou para a conferência, nos termos do disposto nos artigos 679.º e 652.º, n.º 3, do CPC.

Em 11 de julho de 2019, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão que, com base na fundamentação do despacho reclamado, indeferiu a reclamação, confirmando a inadmissibilidade do recurso de revista interposto pela B., S.A., e, consequentemente, do recurso interposto pela A., S.A.. Mais se pronunciou pela não inconstitucionalidade da interpretação do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC propugnada pelo Supremo Tribunal de Justiça, invocando o Acórdão n.º 159/2019 do Tribunal Constitucional já citado na decisão singular da relatora, afirmando, a este respeito, que a «contradição de julgados com base em decisões das Relações tem sentido quando o processo nunca pudesse chegar ao STJ por a tal não permitir a alçada ou outros pressupostos processuais específicos».

Notificada do aludido aresto de 11 de julho de 2019, a B., S.A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).

O recurso de constitucionalidade interposto nestes autos foi admitido por despacho de 27 de setembro de 2019 exarado no Supremo Tribunal de Justiça.

2. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente delimitou o objeto respetivo, nos seguintes termos:

«(…) A norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada é a norma do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do C.P.C., interpretada e aplicada com o sentido que lhe foi dado no douto acórdão recorrido e na douta decisão singular que aquele confirmou.

Na decisão singular, a norma foi aplicada com o sentido de que somente admite recurso para o S.T.J. com fundamento em contradição entre acórdãos da Relação “quando, por força de determinada lei, em atenção à matéria ou à urgência, se exclui o recurso do acesso ao STJ”, não podendo essa lei “ser entendida como coincidente com a norma do art.º 671.º”.

(…) [E]ntendeu-se nessa decisão singular seguir o que se considerou ser a orientação do S.T.J. no sentido de a contradição jurisprudencial envolvendo decisões de Tribunais da Relação, quando a decisão se reporte a questões processuais, só comportar revista se existir norma especial que vede o acesso ao S.T.J., “entendendo-se que tal norma especial é a que impede o acesso por outras razões que não a alçada ou o tipo de decisão (prendendo-se, nomeadamente, com matérias urgentes ou com temáticas específicas em que já houve 3 graus de controlo jurisdicional)”.

No acórdão confirmatório, reiterou-se a decisão singular e acrescentou-se somente que “a contradição de julgados com base em decisões das Relações tem sentido quando o processo nunca pudesse chegar ao STJ por a tal não permitir a alçada ou outros pressupostos processuais específicos”.

A norma em causa, com o sentido com que foi aplicada no douto acórdão recorrido e na decisão singular que o procedeu, é inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica e do acesso ao direito e aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos arts. 2.º e 20.º da Constituição.».

3. Subidos os autos a este Tribunal, a recorrente foi notificada para apresentar alegações, as quais concluiu nos termos seguintes:

«1.ª – A norma do art. 629.°, n.° 2, al. d), do C.P.C., com o sentido que lhe foi dado pelo S.T.J., de que somente admite o recurso para o S.T.J. com fundamento em contradição entre acórdãos da Relação "quando, por força de determinada lei, em atenção à matéria ou à urgência, se exclui o recurso do acesso ao STJ", não podendo essa lei "ser entendida como coincidente com a norma do art.º 671.º”, é inconstitucional por violação da garantia do acesso ao direito e aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva, incluindo a dimensão do direito a um processo equitativo, do princípio da segurança jurídica, do princípio da proporcionalidade e do princípio da igualdade, consagrados nos arts. 2.°, 13. ° e 20.°, n.°s 1 e 4, da Constituição.

2.ª – Na interpretação da norma do art. 629. °, n.° 2, al. d), do C.P.C, aqui impugnada, o legislador modela (rectius, restringe) o direito ao recurso com fundamento em oposição de acórdãos das Relações em várias dimensões, que retira da exigência de que o acórdão de que se recorre seja recorrível nos termos do art. 671. °, n.º 1, do C.P.C., e só não possa ser objeto de recurso por haver norma especial que exclua esse mesmo recurso.

3.ª – Essas restrições postas pela lei, na interpretação aqui em causa, são as seguintes: (i) os requisitos gerais de recorribilidade relativos ao valor da causa e da sucumbência hão de estar preenchidos; (ii) a decisão recorrida há de conhecer do mérito da causa ou pôr termo ao processo, absolvendo da instância ou réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos; (iii) há de existir norma especial, diversa do art. 671.°, n.º 1, que, em atenção ao tipo de ação ou de processo, exclua em especial o direito ao recurso de revista.

4.ª – No entender da B., são desconformes com a Constituição as 2.ª e 3.ª exigências referidas, de que a decisão sob recurso satisfaça os requisitos do art. 671. °...

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