Acórdão nº 267/20 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 267/2020

Processo n.º 55/2020

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes o Ministério Público, A., B. e C. e recorrido D., foram interpostos os presentes recursos ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal de 26 de novembro de 2019.

2. Pela Decisão Sumária n.º 97/2020 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não julgar inconstitucional, por violação dos artigos 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, aplicável ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo diploma; e não julgar inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, no segmento que estabelece que a ação da impugnação da paternidade pode ser intentada pelo filho, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. A questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos foi apreciada e decidida pelo Plenário deste Tribunal, no acórdão n.º 401/2011.

Tal acórdão decidiu, «[n]ão julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante».

Esse entendimento foi corroborado em numerosos arestos posteriores (Acórdãos n.os 445/2011, 446/2011, 77/2012, 247/2012, 373/2014, 704/2014, 302/2015, 426/2016 e 813/2018, da 1.ª Secção; n.os 231/2012, 515/2012, 166/2013, 383/2014, 594/2015 e 626/2015, da 2.ª Secção; n.os 476/2011, 545/2011, 106/2012, 350/2013, 750/2013, 529/2014 e 547/2014, 151/2017, da 3.ª Secção).

Posteriormente, na sequência da oposição de julgados criada pelo Acórdão n.º 488/2018, o Plenário do Tribunal Constitucional voltou a apreciar a questão e a proferir o recentíssimo Acórdão n.º 394/2019, onde se decidiu, «[n]ão julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, aplicável ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo diploma, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante».

A decisão recorrida cita o referido aresto, sem daí extrair as devidas consequências.

No que respeita à norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, no segmento aqui relevante, também este Tribunal teve já ocasião de decidir a sua não inconstitucionalidade no Acórdão n.º 309/2016, com base em argumentação equivalente.

Ora, não sendo propostos argumentos não previamente ponderados na jurisprudência mais recente deste Tribunal, suscetíveis de conduzir a um juízo diverso, justifica-se a prolação da presente decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).

Assim, em aplicação dos juízos que se extraem dos Acórdãos n.ºs 309/2016 e 394/2019, importa não julgar inconstitucionais as normas que são objeto do presente recurso.»

3. De tal decisão vem agora o recorrido reclamar para a conferência, apresentando a seguinte argumentação:

«D. Recorrido nos autos de processo acima identificados, em que são Recorrentes o Ministério Público, A., B. e C., notificado da Decisão Sumária n.º 97/2020, proferida pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator, e com a mesma não se conformando,

vem apresentar Reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 78.º- A, n.º 3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC),

O que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:

I. OBJECTO E FUNDAMENTAÇÃO DA RECLAMAÇÃO

Nos presentes autos de fiscalização da constitucionalidade de normas, vindos do Tribunal da Relação do Lisboa (Processo n.º 2149/18.4T8CSC.L1, 1.ª Secção), foi proferida pelo Exmo. Juiz Relator, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decisão sumária de:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil (CC), na redação conferida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, aplicável ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo diploma, por violação dos artigos 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP);

b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea c) do CC, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, no segmento que estabelece que a ação da impugnação da paternidade pode ser intentada pelo filho, no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe;

c) Conceder provimentos aos recursos, determinando-se a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto à questão da constitucionalidade.

Tal decisão sumária foi proferida, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º A da LTC, com remissão para a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional e com o fundamento de não terem sido apresentados “argumentos não previamente ponderados na jurisprudência mais recente deste Tribunal, suscetíveis de conduzir a um juízo diverso”.

Ora, não obstante se tratar de uma matéria amplamente discutida nos tribunais superiores e no Tribunal Constitucional (TC), a verdade é que, por um lado, a sua especial natureza e importância implicam a sua análise profunda, ao invés de uma simples decisão sumária que remete para anteriores arestos na mesma matéria, dando a entender que seria unânime a posição do TC sobre esta matéria.

E, por outro, a verdade é que, como muito bem se refere no douto Acórdão proferido no âmbito deste processo pelo Tribunal da Relação de Lisboa, não têm sido pacíficas, nem unânimes, as decisões neste domínio, existindo muitas vozes dissonantes com a conformidade constitucional das normas em questão.

Basta pensar que o Acórdão 394/2019, citado pelo Exmo. Juiz Relator para fundamentar a sua decisão sumária, foi alvo de cinco votos de vencido, tornando-se evidente a complexidade nas questões a apreciar e a falta de consenso no seio do Tribunal Constitucional quanto à constitucionalidade das referidas normas.

Ou seja, a questão da (in)constitucionalidade das normas invocadas nos presentes autos está longe de ser uma questão simples, cuja apreciação e tratamento jurisdicional sejam uniformes e reiterados.

Não se encontrando preenchido, nos termos acima expostos, o requisito da simplicidade da decisão a proferir nos presentes autos de recurso, não poderá tal decisão ser enquadrada no disposto no n.º 1 do artigo 78.º A da LCT, justamente por não estarem reunidos os pressupostos necessários à sua aplicação.

Efetivamente, da simples leitura e interpretação literal do artigo 78.º A, n.º 1 da LCT, resulta claro e notório que só poderá ocorrer uma decisão sumária do recurso em duas circunstâncias:

- quando se entende que não pode conhecer-se do objeto do recurso

OU

- quando se entende que a questão a decidir é simples, sendo certo que, neste caso, esta simplicidade se verifica quando a questão já foi objeto de decisão anterior do Tribunal ou quando é uma questão manifestamente infundada.

No caso sub judice, o Exmo. Juiz Relator não refere expressamente que a questão a decidir é simples, referindo apenas que já foi apreciada em vários arestos do TC, daí retirando a aplicação do acima citado n.º 1 do artigo 78.º A da LCT e decidindo sumariamente nessa conformidade.

Ora, o facto de já ter sido apreciada por diversas vezes num determinado sentido, não faz da questão de fundo - a inconstitucionalidade dos artigos 1817.º, n.º 1 e 1842.º n.º 1, alínea c) do CC - uma questão simples, designadamente se se considerar que as decisões no sentido da constitucionalidade destas normas nunca foi unânime, para além de existirem vários acórdãos em sentido contrário, ou seja, que declaram a sua inconstitucionalidade - nomeadamente, e a título exemplificativo, o Acórdão n.º 488/2018.

Sempre se dirá que uma questão a decidir revestirá simplicidade quando tenha sido frequentemente apreciada pelo tribunal e decidida reiteradamente em determinado sentido, a ponto de ser improvável a prolação de uma decisão em sentido diverso.

Acresce que, a aplicação de tal normativo, com possibilidade de prolação de uma decisão com simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal, deve ser recusada quando a sua aplicação se ficar a dever a simples motivos de facilitismo ou celeridade processuais, quando não tiverem reunidos os pressupostos legais da sua aplicação.

Ao se invocar apenas que a questão já foi decidida em jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, sem se alegar e justificar a sua classificação como simples ou infundada, terá que se considerar, s.m.o., que a decisão sob reclamação não se...

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