Acórdão nº 1424/12.6BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO C............

e P............

, devidamente identificados nos autos, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 09/12/2014, que no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária instaurada contra a Rede Ferroviária Nacional – REFER, EPE e a CP – Caminhos de Ferro Portugueses, EP, julgou procedente a exceção de prescrição, absolvendo os Réus do pedido, de condenação ao pagamento da indemnização no valor total de € 860.000,00, a título de responsabilidade civil extracontratual, por danos patrimoniais e não patrimoniais devidos por perda da vida, sofrimento da própria vítima e prejuízos sofridos pelos seus pais.

* Formulam os aqui Recorrentes nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “1. O critério de imputação da responsabilidade criminal às pessoas coletivas reside, no caso dos autos, no cometimento da infração criminal em nome e no interesse da pessoa coletiva por qualquer pessoa singular que ocupe uma posição de subordinada na pessoa coletiva e o cometimento do crime se tenha tornado possível em virtude de uma violação, pelas pessoas que ocupam uma posição de liderança, dos seus deveres de controlo e supervisão sobre os respetivos subordinados.

2. A violação dos deveres de cuidado pode resultar de ação ou de mera inércia do líder, consistindo, por exemplo, na omissão de ordens diante de práticas ilegais dos subordinados, sendo que em qualquer dos casos, a violação dos deveres de cuidado pode ser dolosa ou negligente, pelo que as pessoas coletivas poderiam ser responsabilizadas criminalmente pelo crime em causa nos presentes autos.

3. Mas ainda que, por hipótese, assim não se entendesse, a ratio legis do alargamento do prazo prescricional previsto no n.º 1 do artigo 498.º do CC assenta na especial gravidade do facto que, embora seja o mesmo, gerou diferentes tipos de responsabilidade: a civil e a criminal.

4. A lei estabelece apenas uma exigência para a aplicação do prazo prescricional mais alargado: saber se a conduta ilícita civil, causa do pedido de indemnizar, integra também um ilícito penal, não estando dependente do efetivo exercício do procedimento criminal, nem do tipo de pessoa civilmente demandada.

5. A este propósito importa referir o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, prolatado em 22.11.2007 no âmbito do processo n.º 02121/04.BEPRT, onde se pode ler que “IX. Não obsta à aplicação de prazo de prescrição extraordinário, previsto na lei penal, o facto de os civilmente demandados serem pessoas coletivos, insuscetíveis, em princípio, da censura moral em que assenta o ilícito penal.

” 6. Também no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 19.04.2005 e prolatado no âmbito do processo 0211/05, se pode ler que: “I – É de cinco anos, por aplicação do n.º 3 do artigo 498.º do CCiv., o prazo de prescrição da ação de responsabilidade civil proposta contra um Município poro obter indemnização por ofensas corporais e danos causados por obras e obstáculos não sinalizados em via municipal aberta ao trânsito, porque se trata de responsabilidade por factos ilícitos que se fossem imputados a pessoas físicas determinadas, como agentes da pessoa coletiva que omitiram os deveres que sobre esta impendiam, podiam integrar o ilícito penal do artigo 148.º, n.º 1, do C. Penal, cujo procedimento criminal está sujeito a prescrição no prazo de cinco anos - artigo 118.º, n.º 1 - c) do CP. II – Não é pelo facto de o R. Município não ser responsabilizado penalmente, nem pelo facto de não se terem individualizado as pessoas físicas sobre as quais deve recair a censura pela omissão causadora do acidente e do dano, que deixa de se aplicar a previsão do n.º 3 do artigo 498.º do CCiv., porque tais pessoas ou poderiam também ser réus na ação ou se não podiam é por razões específicas da repartição da responsabilidade entre os entes públicos e os seus agentes, sendo certo que se estivessem na ação não poderia existir um prazo diferente de prescrição para cada responsável.

” 7. Os factos em causa nos presentes autos são suscetíveis de integrar o crime de homicídio por negligência, previsto e punido no artigo 137.º do CP sendo, neste caso, como ficou demonstrado na petição inicial, uma negligência grosseira, cujo conceito está previsto no artigo 15.º, alínea a), do CP, e, de acordo com o n.º 2 do supra citado preceito legal, em caso de negligência groseira o agente é punido com pena de prisão até cinco anos, o que faz com que, tendo em conta o artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do CP, o procedimento criminal se extinga, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas não exceda dez - os factos em causa nestes autos ocorreram no dia 10.01.2008. pelo que o direito à indemnização só estaria prescrito em 10.01.2018 - mesmo que se entendesse que os factos geradores de responsabilidade integram um crime de negligência simples, e não grosseira, o prazo prescricional seria de 5 anos (artigos 118.º, n.º 1, alínea c) e 137.º, n.º 1, ambos do CP), terminando em 10.01.2013, o que daqui resulta ter sido a ação proposta dentro do prazo (em 18.12.2012).

8.

Tendo em conta o que antecede pode concluir-se. com toda a segurança, que não só o prazo prescricional da presente ação é de, pelo menos, 5 anos uma vez que a responsabilidade civil extracontratual que é exercitada se baseia em factos constitutivos de um crime de homicídio por negligência, corno esse prazo é aplicável às entidades demandadas.

9. Acresce ainda o facto de não terem podido os demandantes propor ação cível em separado enquanto o processo-crime não tivesse sido arquivado, por a isso se opor o artigo 30.º do Código de Processo Penal, pois, até aí, existia um obstáculo legal ao exercício do direito, só se iniciando a contagem do prazo prescricional a partir dessa altura.

10. De acordo com o sentido da jurisprudência dominante, enquanto se mantiver pendente a lide processual penal não ocorre a contagem do prazo prescricional: acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.06.1986, refere que “enquanto o processo-crime não estivesse parado par mais de 6 meses, arquivado ou o réu absolvido, não podiam os autores propor a ação cível em separado, por a isso se opor o preceituado no art. 306.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal; até aí existia um obstáculo legal ao exercício do direito e, portanto, não se iniciara o prazo para a propositura da ação, como se dispõe no art. 306.º, n.º l, do Cód. Civil” (STJ, 11.06.1986: BMJ, 358.2-447); acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07.04.1988, se pode ler que “a prescrição do direito de ser indemnizado em virtude de acidente de viação não corre contra menores nem começa a decorrer enquanto estiver pendente processo de natureza criminal, tendente à investigação das circunstâncias do mesmo ocidente” (RE,07.04.1988:BMJ, 376.2-676).

11. Em todo o caso há que ter presente que, nos termos do artigo 326.º, n.º 1, do CC, a interrupção da prescrição tem por efeito a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo e que, nos termos do artigo 327.º, n.º 1, do CC, esta interrupção da prescrição mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo - O processocrime não terminou com o despacho de arquivamento, mas sim com o trânsito em julgado dessa decisão, sendo que o prazo de prescrição continua interrompido até esse momento, só voltando a correr a partir daí.

12. Neste sentido importa referir o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 07.12.2011 no âmbito do processo n.º 00867/05, onde se pode ler que “à data do despacho de não pronuncia não só o prazo de prescrição não tinha decorrido como tinha sido inutilizado todo o tempo anterior. Logo é evidente que à data em que foi deduzido por banda dos recorrentes, estava em tempo o pedido de indemnização civil contra o Hospital Distrital de Cascais, que teve a virtualidade de manter a interrupção até ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo ao processo (art.º 327.º, n.º 1, do CC)” (…) “o processo-crime não terminou com o despacho de não pronúncia, como parece ter...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT