Acórdão nº 00473/12.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Abril de 2020

Data17 Abril 2020
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A., Lda., NIPC (…), com sede na Rua (…), (…), (…), instaurou contra o Estado Português acção administrativa comum, pedindo a condenação deste a pagar-lhe uma indemnização correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de € 306.336,50, acrescido dos respetivos juros de mora.

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu do pedido.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1ª Um primeiro fundamento para a Recorrente discordar da sentença recorrida assenta no facto de considerar que os cinco requisitos da responsabilidade civil se mostram devidamente alegados na petição inicial.

  1. Nos artigos 1 a 12 e 32 a 36 da petição inicial elenca-se a factualidade respeitante aos três primeiros requisitos da responsabilidade civil extracontratual que a sentença elenca no último parágrafo de fls. 8: - facto voluntário: actos administrativos (liquidações e actos de penhora), isto é, decisões da Administração; - ilicitude: as liquidações foram consideradas ilegais por sentença transitada em julgado; - imputação do facto ao lesante (culpa): os actos administrativos foram praticados (pelo menos) com negligência, por terem violado normas legais (no caso, a norma do CIVA em que erradamente se fundamentaram as liquidações); neste aspecto a ilicitude e a culpa são quase a mesma realidade.

  2. Os três primeiros requisitos da responsabilidade civil extracontratual que a sentença elenca no último parágrafo de fls. 8 mostram-se provados por documento (no caso, a sentença que anulou as liquidações).

  3. Nos artigos 13, 17 a 21, 22 a 31 e 37 a 78 da petição inicial a Recorrente elenca os danos sofridos com as liquidações ilegais (no artigo 13 escreve-se taxativamente o seguinte: “As liquidações entretanto julgadas ilegais causaram diversos danos à A., os quais se pretende sejam ressarcidos por via da presente lide.”): estes são os dois restantes requisitos da responsabilidade civil, a saber, o dano e o nexo de causalidade.

  4. Parte dos danos (custos suportados com honorários de advogado e taxa de justiça) e o seu nexo causal também se mostram já provados por documentos, encontrando-se os demais danos alegados sujeitos a prova.

  5. Nenhum dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público que até ao momento lidaram com os autos suscitaram esta questão, realçando-se que a contestação apresentada pelo Recorrido permite concluir que este compreendeu na globalidade o objecto da acção.

  6. O articulado da Recorrente contém todos os elementos de facto necessários à análise do seu direito, tendo, por isso, a sentença recorrida, ao decidir em sentido inverso, violado o disposto no artigo 483º do Código Civil.

  7. Sem prescindir, não se tratando aqui de um caso de ineptidão da petição inicial (que a existir já deveria ter sido declarada e até seria mais benéfica para o Recorrente) e validando-se superiormente o entendimento vertido na sentença recorrida (falta de alegação de factos), o Tribunal “a quo” tinha, obrigatoriamente, de notificar a Recorrente para suprir as insuficiências de alegação.

  8. A notificação para aperfeiçoamento dos articulados constitui um poder-dever estabelecido no artigo 590º/nºs. 2 b) e 4 do CPC, em desenvolvimento das ideias previstas nos artigos 6º e 411º do mesmo diploma que apontam para uma aplicação de uma justiça que conheça do mérito das causas e não se refugie em estéreis decisões de forma.

  9. Mesmo que se tivesse verificado a falta de alegação o Tribunal “a quo” deveria igualmente ter promovido a prévia notificação da Recorrente para se pronunciar sobre o fundamento da improcedência da acção e evitar a prolação de uma decisão-surpresa, em respeito pelo artigo 3º/nº 3 do CPC, do princípio do contraditório e da proibição das decisões-surpresa.

  10. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 6º, 411º e 590º/nº 4 do CPC, bem como o disposto no artigo 3º/nº 3 do CPC, o princípio do contraditório e o princípio das decisões-surpresa.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos autos, assim se fazendo JUSTIÇA.

O Réu juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Face ao exposto e com fundamento nas razões apresentadas, entendemos não haver razão para a pretendida revogação da sentença em crise.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1. No ano de 2003 a Administração Tributária levou a cabo uma ação de inspeção à Autora. – Facto não controvertido.

  1. Dessa ação de inspeção resultaram liquidações de IVA e de juros compensatórios, relativas aos anos de 1999 a 2001. – Facto não controvertido.

  2. A Autora apresentou impugnação judicial contra as liquidações referidas em 2., que correu seus termos no Tribunal Tributário de Braga sob o n.º de processo 544/04.5BEBRG. – Facto não controvertido.

  3. Em 05.11.2008 foi proferida sentença, no âmbito do processo referido em 3., constando da sua decisão o seguinte: “Determino assim a anulação das liquidações do IVA, efectuadas substituindo -as por outras onde considere as seguintes correcções: a) A caducidade do IVA relativo ao período de 9903T; b) Não seja considerado as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, de IVA, não entregue pelos fornecedores da Impugnante ao Estado, nos anos de 1999 a 2001; c) Corrigido o erro no IVA de 1999, face ao valor apurado no Relatório.” . – Cfr. consulta ao SITAF.

    O Tribunal consignou que a sua convicção resultou da análise crítica e conjugada do teor dos articulados juntos pelas partes e do documento consultado no SITAF, conforme referido em cada ponto do probatório, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.

    DE DIREITO Atente-se no discurso fundamentador da decisão: A Autora pretende com a presente ação a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização à Autora correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais no montante de € 306.336,50 euros, acrescidos dos respetivos juros de mora, devidos por causa de uma ação de inspeção levada a cabo pela Administração Tributária.

    É altura de nos interrogarmos, face à factualidade trazida pela Autora, sobre a questão de fundo.

    Como se sabe, no âmbito da responsabilidade delitual, extracontratual, exceção feita a casos pontuais (casos previstos nos artigos 491.º, 492.º e 493.º, n.º 1, do Código Civil) é ao próprio Autor que cabe a alegação e prova dos factos constitutivos enumerados no artigo 483.º, incluindo a culpa (artigo 487.°, n.º 1).

    Apreciemos.

    O artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa dispõe o seguinte: «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».

    Atualmente, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas vem regulado na Lei 67/2007 de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 30 de Janeiro de 2008.

    Esta Lei veio revogar o regime anterior que constava no Decreto-Lei 48 051 de 21 de novembro, que regulava a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoa s coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública, sendo que a apreciação e efetivação da mesma responsabilidade decorre de atos de “gestão privada”, prevista nos artigos 500.º e 501.º do Código Civil.

    In casu, estamos perante factos que ocorreram no ano de 2003 e ss., logo, nos termos do princípio geral tempus regit actum, verificamos que é de aplicar o Decreto-Lei 48 051, de 21 de novembro.

    A situação sub judice enquadra-se na responsabilidade civil extracontratual de pessoa coletiva pública por ato de gestão pública, ilícito e culposo, que vem prevista no Decreto-Lei atrás referido, dos artigos 1.º ao 6.º, e que prevêem o seguinte: Artigo 1º A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo que não esteja previsto em leis especiais.

    Artigo 2.º 1. O Estado e demais pessoas coletivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de atos ilícitos culposamente praticados pelos respetivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

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