Acórdão nº 1435/18.8T9VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2020
Magistrado Responsável | M |
Data da Resolução | 09 de Março de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. No processo de instrução com o nº 1435/18.8T9VNF, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Instrução Criminal de Guimarães – Juiz 1, foi proferido despacho de não pronúncia, datado de 03/07/2019, do seguinte teor (transcrição): “DECISÃO INSTRUTÓRIA 1.
O Tribunal é competente.
O processo próprio.
*Questão prévia: Da nulidade da acusação particular.
O assistente N. R. veio a folhas 75 deduzir acusação particular contra o arguido L. C., imputando factos ao arguido que podem consubstanciar a prática de dois crimes de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º e agravados pelas alíneas a) e b) do 183.º, ambos do Código Penal.
O Ministério Publico a folhas 81 não acompanhou a acusação particular deduzida contra o arguido, uma vez que a mesma omite toda e qualquer referência aos elementos integrantes da consciência da ilicitude, habitualmente traduzido na expressão de que “o arguido actuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei” ou qualquer outra que comporte o respectivo conteúdo, concluindo-se, assim, que a acusação particular deduzida não contém a descrição dos factos integrantes da totalidade dos elementos subjectivos do tipo, necessária à verificação do crime imputado ao arguido.
Inconformado com a acusação particular deduzida contra o arguido L. C., veio o mesmo nos termos constantes de folhas 98 e seguintes requerer abertura de instrução, alegando sumariamente, que a acusação particular omite toda e qualquer referência aos elementos integrantes da consciência da ilicitude, pois não se deslumbra em toda a acusação particular que seja imputado ao arguido que este actuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, ou qualquer outra que comporte o respectivo conteúdo.
A acusação tinha que narrar os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Apreciemos se assiste razão ao MP e ao arguido no sentido da nulidade da acusação particular.
Como decorre do disposto no art. 283º, nº 2, do Código de Processo Penal, “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”.
Por sua vez, o nº 3 do mesmo preceito dispõe que “a acusação contém, sob pena de nulidade: (...) b) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (...), cabendo aqui a enumeração dos factos constitutivos do tipo legal de crime.” A falta de qualquer dos referidos elementos implica que não estão reunidos todos os pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança (cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Verbo, vol. I, pags. 339 a 343).
A jurisprudência tem entendido que, a acusação deve ser rejeitada sempre que “a possibilidade de absolvição for maior do que a da condenação”; acusação que, nessa hipótese deve considerar-se manifestamente infundada (cfr., a título de exemplo, Acórdãos do T.R.P. de 13-03-91, CJ ano XVI, tomo 2º, 293, de 10.10.90, BMJ 400, 736; de 31.10.90, BMJ 400, 737; e do T.R.C. de 12.07.90, CJ ano XV, tomo 4º, 96; e do T.R.L. de 29.06.94, CJ ano XIX, tomo 3º, 161; ainda sobre o conceito de indícios suficientes, no sentido apontado, cfr., António Augusto Tolda Pinto - “O novo processo penal”, Rei dos Livros, ed. Jan-89, pags. 252 a 254; David Valente Borges de Pinho - “Da acção penal, tramitação e formulários”, Livraria Almedina, 1989, pag. 103).
Assim, da acusação devem constar as razões de facto e de direito bem como a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, assim como as demais circunstâncias relevantes para a determinação da sanção (cfr. artº 283º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal. Deve, também, indicar as disposições legais aplicáveis e os meios de prova. (cfr. artº 285º, nº 2 e 283º, nº 3, ambos do Código de Processo Penal).
Em síntese, o que se pretende é que, da acusação constem todos os factos, motivações do crime e outras circunstâncias relevantes para a determinação da pena, bem como as provas que fundamentam esses factos.
No que diz respeito ao tipo subjectivo de ilícito, que é o que aqui importa analisar, desde já se diga, que o imputado crime de difamação é de verificação exclusivamente dolosa.
Nos crimes dolosos, a verificação do tipo subjectivo de ilícito pressupõe, tradicionalmente, (cfr., neste sentido, Tereza Pizarro Beleza, in “Direito Penal – Lições Policopiadas”, Vol. II, AAFDL, pág. 181 e Cavaleiro Ferreira, in “Lições de Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, Editorial Verbo, 1992, pág. 282 e segs.) o conhecimento e vontade de realização de um tipo legal de crime por parte do agente - o elemento intelectual ou cognitivo e o elemento volitivo.
Como refere Figueiredo Dias, “o dolo é conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo (...)”; “mas o dolo é ainda expressão de uma atitude pessoal de contrariedade ou indiferença (...) perante o dever-ser jurídico-penal”.
Repetidamente o Tribunal da Relação do Porto tem emitido jurisprudência a propósito da falta dos factos integradores do dolo.
A título meramente exemplificativo, veja-se o que se escreveu no recurso do Proc. 465 /07, do 1º Juízo Criminal de Matosinhos: «O STJ, sugestivamente, no acórdão de 22.10.2003, tirado no proc. n.° 2608/033.a, SASTJ, n.° 74, 149, considerou que o dolo deve ser expressamente invocado para poder ser revelado. A ideia de um dolus in re ipsa, que sem mais resultaria da simples materialização da infracção, é hoje indefensável em direito penal.
Veja-se o aresto do Tribunal da Relação do Porto, publicado no site da dgsi datado de 7.1.2009, o qual é explícito sobre a imprescindibilidade da alegação expressa do elemento subjectivo para ser fixado o objecto do processo.
E também no mesmo sentido se refere em outro acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto, igualmente desta Secção, no processo n.° JTRP000384I 1, em 19.10.2005, in www.dgsi.pt., “Entendemos que o elemento subjectivo não pode resultar como extrapolação e efeito lógico do conjunto dos factos objectivos que são imputados ao arguido; com efeito, no nosso ordenamento jurídico, ninguém sustenta a existência de presunções de dolo.
Com efeito, o STJ, por Acórdão de 20 Nov. 2014, Processo 17/07 fixou s seguinte jurisprudência: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS. É fixada jurisprudência no sentido de que na acusação, a falta de descrição dos elementos subjetivos do crime, particularmente os que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada em fase de julgamento com recurso ao mecanismo da alteração não substancial dos factos...
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