Acórdão nº 104/20 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 104/2020

Processo n.º 474/2019

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Inconformado com a Decisão Sumária n.º 375/2019, que decidiu não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal (CPP), na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, no sentido de é irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação, que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, quanto o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, dela veio o recorrente A. deduzir reclamação, ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º-A da LTC.

2. Para melhor compreensão, releva que o aqui recorrente/reclamante foi condenado em 1.ª instância, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima.

Apenas o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, julgando procedente o recurso, decidiu alterar a decisão em matéria de facto relativamente aos antecedentes criminais do arguido, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido como autor de um crime de violência doméstica e lhe impôs pena de prisão suspensa na sua execução, e condenar o arguido pela prática, como reincidente, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (efetiva).

O arguido não se conformou e recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, peticionando a manutenção da medida punitiva em que fora condenado na primeira instância e invocando a verificação de «erro e má aplicação do direito» na aplicação de pena privativa da liberdade, em vez de pena de substituição.

O STJ, por decisão singular do relator proferida em 06/02/2019, decidiu rejeitar o recurso, com os seguintes fundamentos:

«A questão prévia que veio a ser suscitada é a de precisar se é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça face ao disposto na al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP onde é estabelecida a irrecorribilidade dos acórdãos das relações proferidos em recurso que hajam aplicado pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, como é o caso dos autos.

A atual redação da norma foi introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, no seguimento da jurisprudência fixada [no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013] no domínio da Lei n.º 48/2007 no sentido de ser irrecorrível a decisão da relação que revogando a suspensão da pena fixada pela 1.ª instância aplicasse ao arguido pena de prisão não superior a 5 anos.

A situação agora em apreço difere de modo essencial daquela outra que deu origem à declaração de inconstitucionalidade lavrada inicialmente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 429/2016 e que, com força obrigatória geral, veio a ser sufragada no Acórdão n.º 595/2018.

Aí, colocava-se a questão da irrecorribilidade do acórdão da relação que inovatoriamente, face à decisão de absolvição proferida em primeira instância, condenasse o arguido a pena de prisão efetiva não superior a 5 anos.

Não é o caso.

Em situações como a presente, ou seja, em que o arguido é condenado em pena de prisão com a respetiva execução suspensa, por conseguinte, numa pena de substituição e em que essa pena é alterada – em que se decide somente não haver lugar à substituição – mercê do recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal Constitucional vem reiteradamente afirmando não ser inconstitucional a mencionada alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP interpretada no sentido de, em tal caso, não ser admissível recurso para o STJ.

Assim sucedeu mormente nos Acórdãos 101/2018, 243/2018 e 476/2018.

Na verdade, do que se tratou não foi de reverter uma decisão absolutória numa decisão condenatória mas somente [de] modificar a espécie da pena derivando essa modificação de uma alteração da matéria de facto.

Em relação a ambas – alteração da matéria de facto e reapreciação das consequências do crime ao nível da modificação da espécie da pena – teve o recorrente a oportunidade de assegurar os seus direitos de defesa designadamente quando lhe foi conferida a oportunidade de, ao abrigo do art. 413.º, n.º 1 CPP, contrariar com os seus argumentos a proposta do recurso interposto pelo Ministério Público.

O que vai de encontro à necessidade de salvaguarda da intervenção do tribunal que ocupa o [topo] da hierarquia da organização judiciária para os casos de maior merecimento penal, como vem sendo frisado pela doutrina e pela jurisprudência.»

O recorrente deduziu reclamação para a conferência do STJ, o qual, por acórdão de 28 de março de 2019, decidiu confirmar na íntegra o sumariamente decidido.

3. É este o acórdão recorrido para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, questionando a conformidade constitucional da norma extraída dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, alínea c), do CPP, com o sentido de que é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, quanto o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos.

4. A decisão sumária reclamada concluiu por julgamento negativo de inconstitucionalidade e pela improcedência do recurso. A sua fundamentação foi a seguinte:

«5. O recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade da norma extraída dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, com o sentido de que “é irrecorrível o acórdão proferido pelas Relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade”.

Embora o recorrente não explicite e até remeta para os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 591/2012, 324/2013 e 845/2017, que apreciaram interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, resulta da leitura do acórdão recorrido que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou, sem margem para dúvidas, a norma enunciada, mas extraída dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.

Deste modo, o presente recurso tem por objeto a norma extraída dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, no sentido de que é irrecorrível o acórdão proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade.

6. Este sentido normativo foi já apreciado por este Tribunal, conduzindo invariavelmente à emissão de juízo de não inconstitucionalidade. Assim sucedeu nos Acórdãos n.ºs 245/2015, 357/2017, 683/2017, 804/2017, 22/2018, 101/2018 e 476/2018 (acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

No citado Acórdão n.º 804/17, o Tribunal Constitucional, confirmando decisão sumária, reiterou a fundamentação expendida na Decisão Sumária n.º 37/2017, onde se escreveu:

“7. A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no quadro de uma vasta reforma do Código de Processo Penal, conferiu nova redação à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, que passou então a ter o seguinte teor: «Não é admissível recurso: (…) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade».

No âmbito da apontada redação, este Tribunal, através do Acórdão n.º 324/2013, tirado em Plenário, veio a julgar «inconstitucional a interpretação normativa resultante da conjugação das normas da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade inferior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade.».

Fê-lo, todavia, exclusivamente com fundamento na violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), por entender que o inciso «que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos», quando o tribunal de 1.ª instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, ultrapassa manifestamente o sentido possível da letra da lei, nomeadamente da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, situando-se “fora do âmbito da interpretação” desse preceito, e consubstanciando, por essa razão, uma decisão por analogia, em matéria em que tal é constitucionalmente inadmissível por força do disposto nos mencionados preceitos da Constituição da República Portuguesa.

Desta forma, o juízo de inconstitucionalidade então alcançado ficou restrito à redação dada à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, na medida em que a Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, veio conferir a atual...

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