Acórdão nº 1347/19.8PBFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

I Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos autos de inquérito acima identificados, do Juiz 1 do Juízo de Instrução Criminal de Faro, MM foi ouvido em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, findo o qual a Mm.ª Juíza que a tal diligência presidiu entendeu que os autos indiciavam fortemente a prática pelo arguido de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.º 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2 al.ª e), do Código Penal, e decretou, na parte que agora interessa ao recurso, aguardasse o arguido os ulteriores termos do processo sob prisão preventiva, nos termos dos art.º 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, 202.º, n.º 1 al.ª a) e b) e 2 e 204.º al.ª a) e c), do Código de Processo Penal.

O despacho em que assim decidiu tem o seguinte teor, citado apenas na parte que agora interessa ao caso: (…) Indiciam fortemente os autos a prática, pelo arguido, dos factos descritos no requerimento do MP para aplicação de medida de coacção, a saber: No dia 5 de Outubro de 2019, pelas 18h26, o arguido deslocou-se, na companhia do pai, ao serviço de urgência do Hospital de Faro, com o fito de ser observado pela psiquiatria, tendo referido na triagem que ali se deslocara devido ao facto de ter antecedentes de psicose paranóide e desde há pelo menos 4 semanas não tomar a medicação que lhe foi prescrita, e naquele dia sentir agitação psicomotora, ansiedade e ter alucinações visuais e auditivas.

Então, seguindo o protocolo do hospital para doentes psiquiátricos, o arguido ficou a aguardar junto ao balcão médico-cirúrgico n.º 2.

Este local trata-se de um espaço comum dividido entre o serviço de observação e o aludido balcão médico-cirúrgico.

Pelas 21h20, a médica AA, que prestava serviço médico no serviço de urgência ado Hospital de Faro àquela hora, estava sentada inserindo dados clínicos em computador, de costas voltadas para o arguido.

Neste momento, o arguido muniu-se de uma garrafa de oxigénio que se encontrava no local e desferiu com esta garrafa uma pancada que atingiu AA na parte de trás da cabeça.

Em face de tal pancada, AA caiu e já quando esta estava no solo, deitada, o arguido ergueu novamente a garrafa e desferiu naquela nova pancada que também a atingiu na cabeça.

O arguido cessou a sua conduta porque foi interceptado e agarrado por vários médicos que de imediato acorreram ao local, nomeadamente LL e TT.

Em consequência necessária e directa da actuação do arguido, resultou para a ofendida AA traumatismo da coluna e traumatismo crânio-encefálico, com ferida contusa da região occipital do crânio com pequena hemorragia incontrolável.

A ofendida ficou em observação clínica na unidade de cuidados intermédios do Hospital de Faro.

O arguido, tanto pelo meio utilizado, como pela região que decidiu atingir com a garrafa de oxigénio e também pelo número de pancadas, com a conduta acima descrita quis causar a morte de AA, o que só não veio a ocorrer por circunstâncias alheias a si.

Mais agiu ciente que a ofendida se tratava de médica no exercício de funções, e que prestava no momento dos factos serviço a toda a comunidade e que por esse facto lhe devia maior respeito, o que lhe foi indiferente por ter sido querida a sua conduta.

Agiu em tudo o arguido, livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era, como é, punida e proibida por lei.

Por acórdão transitado em julgado no dia 1 de Fevereiro de 2013, proferido no processo ---/12.9GBLLE, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período sujeita a regime de prova com acompanhamento psicológico, pela prática, em 6 de Março de 2012, dos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º, 22.º e 23.º do Código Penal e de resistência e coacção sobre funcionário, este p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal.

São os seguintes os meios de prova meios de prova constantes dos autos e comunicados ao arguido: (…) Com efeito, da conjugação dos depoimentos das várias testemunhas inquiridas, com a reportagem fotográfica do local e relatórios de episódio de urgência, não restam dúvidas sobre a prática, pelo arguido, dos factos objetivos que lhe são imputados, sendo que de resto o arguido reconhece a sua prática, embora referindo não recordar alguns pormenores.

Já no que respeita à imputação subjetiva, no que respeita à intenção de o arguido retirar a vida à vítima, tal intenção pode aferir-se da conjugação da sua atuação com as regras da experiência comum.

Com efeito, conjugando o tipo de objecto utilizado (garrafa de oxigénio de 5Kg de conteúdo), com o facto de o arguido ter desferido duas pancadas, uma das quais quando a vítima se encontrava já prostrada no solo, estando ele de pé e mesmo após lhe ter sido gritado pela testemunha TT para o não fazer (fls. 34), persistindo ele na conduta. E, bem assim, que apenas largou a garrafa quando foi agarrado por terceiros e não por iniciativa própria, tudo é de molde a que, conjugado com as regras da experiência se conclua que o arguido quis retirar a vida à vítima.

Acresce que, contrariamente ao defendido pelo arguido através do seu defensor, não resulta dos elementos dos autos que o arguido tenha usado a botija de oxigénio como objecto perfurante. Não só tal não resulta das declarações prestadas pelo arguido, como a testemunha LL refere que o arguido pegou na bala metálica nas mãos em riste e tendo desferido com ela na cabeça da vítima. Também a testemunha AQ referiu que supôs que a vítima pudesse ter ficado sem vida (não resistido aos ferimentos), atenta a violência da pancada.

Assim sendo, terá de se concluir pela indiciação de o arguido ter atuado naquele momento com intenção de subtrair a vida a AA, ainda que o que tenha determinado a sua actuação sobre a mesma não tenha sido qualquer razão ligada à vitima, mas sim, como o arguido referiu, ter sido a forma que encontrou para que se pudesse sair daquele local, onde se encontrava incomodado e perturbado, mormente face, segundo o mesmo, ao estado da pessoa que se encontrava na cama ao seu lado (idosa que gritava a quem lhe retirava sangue) e, bem assim, de não o autorizarem a deslocar-se ao WC, não obstante o tenha solicitado por diversas vezes (ainda que assim não se entendesse, sempre retirar a vida à vítima teria constituído um meio necessário a alcançar o seu desiderato, que era, segundo o mesmo, sair dali, sendo aquela a única forma que viu para tal).

É certo que face à conjugação do relatório de episódio de urgência de fls. 60, com o discurso do arguido no âmbito deste interrogatório, a própria conduta que é adotada pelo mesmo, se impõe a realização de perícia psiquiátrica ao arguido, que poderá vir a concluir pela atuação de arguido em estado de inimputabilidade.

No entanto, por ora, face à ausência desse elemento e porque, por outro lado, à entrada do serviço de urgência o arguido apresentava discurso coerente e orientado (fls. 60), bem como porque no âmbito do processo ---/12.9GBLLE, em que o arguido foi condenado pela prática de crime de idêntica natureza àquele que lhe é imputado nos presentes autos, perpetrado sobre indivíduo seu familiar, o mesmo foi considerado imputável em relação a esses factos, não obstante submetido a perícia psiquiátrica (cfr. certidão fls. 46 e seguintes), conjugando todos estes elementos, não se pode, na ausência de uma perícia psiquiátrica ao arguido, concluir-se que o mesmo não tinha no momento da sua actuação capacidade de entender e querer relativamente a esses factos que praticou ou não possuía capacidade de avaliar a ilicitude da sua actuação ou de se determinar de acordo com a mesma.

Assim sendo, por ora não obstante os elementos dos autos resulte já em termos de indícios que o arguido padecia à data dos factos de anomalia psíquica consistente em psicose paranóide psico-genética (cfr. fls. 60 verso), daí não se pode extrair que por força desta anomalia psíquica o mesmo tenha atuado em estado de inimputabilidade, sendo certo que é previsível que mesmo que venha a considerar-se inimputável, também venha a ser considerado perigoso (cfr. condenação anterior e estes factos).

Do enquadramento jurídico Assim sendo, terá de se concluir que os factos praticados pelo arguido são susceptíveis de integrar a prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p. pelos art.º 22º, 23º, 73º, 131º e 132º, n.º 1 e 2 al. e) todos do Código Penal.

Dos perigos Verifica-se a existência de um forte perigo da continuação da actividade criminosa por parte do arguido, porquanto o mesmo já sofreu condenação pela prática de crime de idêntica natureza e, bem assim, o mesmo sofre de anomalia psíquica, tendo deixado de tomar medicação psiquiátrica a que se encontra sujeito, a qual não soube precisar, mas que reconheceu ter-lhe sido prescrita por médico que presta serviço, além do mais, no departamento de psiquiatria do Centro Hospitalar Universitário do Algarve.

Além de o arguido se ter deslocado à urgência da referida unidade hospitalar no dia 5 de outubro, mencionando a falta de adesão à terapêutica há quatro semanas, reconheceu a mesma no âmbito das declarações prestadas nestes autos, esclarecendo ter tido iniciativa de cessar a toma da medicação enquanto se encontrava a trabalhar na Alemanha, por se sentir bem, tendo- se passado a sentir mais alegre e enérgico após cessar uma tal toma.

Da factualidade ora praticada pelo arguido, bem como daquela que o arguido praticou no âmbito do processo ---/12.9GBLLE resultam actuações imprevisíveis e impulsivas por parte do arguido, intensificando, assim, o perigo de continuação de actividade criminosa, perigo por certo acrescido quando o arguido cessa a toma da medicação psiquiátrica, sendo que o mesmo parece não aceitar ou ter discernimento para a necessidade da toma permanente dessa medicação.

Verifica-se, por outro lado, perigo de perturbação da tranquilidade pública, porquanto este tipo de crime, ainda que sem consumação mas...

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