Acórdão nº 69/20 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 69/2020

Processo n.º 1086/2019

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Correu termos no Juízo Central Criminal de Coimbra com o número 72/08.0TAMMV um processo comum para julgamento por tribunal coletivo em que é arguido A. (ora Recorrente). O processo culminou, em primeira instância, na prolação de acórdão, datado de 21/05/2018, pelo qual se decidiu condenar aquele arguido, pela prática de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo artigo 205.º, n.os 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de um regime de prova, ficando a suspensão dependente da condição de o arguido comprovar nos autos, até ao termo do prazo do período de suspensão, a entrega da quantia de €51.882,28 a instituições de solidariedade social.

1.1. Desta decisão – e, bem assim, de despacho datado de 20/12/2017, pelo qual foi indeferido o requerimento de junção de 33 documentos aos autos – recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra. Das alegações dos dois recursos consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

[Recurso do despacho de 20/12/2017:]

S. A não aceitação do requerimento de prova, de cujo despacho de indeferimento agora se recorre, viola as garantias de defesa do arguido, previstas nos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.os 1, 5 e 7, da Constituição da República Portuguesa, por não lhe permitir contradizer as declarações dos assistentes, e corroborar as suas próprias declarações, prestadas em audiência, nem lhe permitir contradizer os factos de que vem acusado, inconstitucionalidade que ora se invoca para todos os efeitos legais.

T. Tal omissão, por parte do Tribunal a quo consubstancia uma nulidade, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, porquanto os documentos que se pretendem juntar são indispensáveis à descoberta da verdade material.

U. Normas jurídicas violadas: artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.os 1, 5 e 7, da Constituição da República Portuguesa, artigo 340.º, n.os 1 e 4, alínea a), e artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal.

(…)

[Recurso do acórdão condenatório:]

45. Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo. – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-03-2009.

(…)

71. Deve, por isso, ser proferido acórdão onde, para os devidos efeitos legais, se declare inconstitucional por violação dos artigos 20.º e 32.º da CRP, a interpretação feita pelo referido despacho em crise, do artigo 340.º CPP, segundo a qual o Tribunal pode indeferir meios de prova por extemporaneidade, sem olhar à verdade material, afirmando que os “documentos respeitantes a notas de honorários já poderiam ter sido apresentados em momento anterior ao de audiência de julgamento, o Tribunal decide indeferir nos termos do artigo 340.º, n.º 4, alíneas a) e d), os documentos apresentados neste momento”.

(…)

80. Deve, pois, ser proferido acórdão onde, para os devidos efeitos legais, se declare inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 2, da CRP a interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal, segundo a qual, para que se preencha o ilícito objetivo típico do crime de abuso de confiança, basta que o Tribunal não consiga saber onde e como foram gastos os valores em causa, não sendo necessária a produção de qualquer outra prova que, sem qualquer margem para dúvida, leve a concluir que o dinheiro foi gasto em proveito próprio do arguido, e isto numa total inversão do ónus da prova proibida pela CRP.

81. Deve, assim, o Recorrente ser absolvido do crime de que vem acusado.

82. Normas Jurídicas violadas: artigo 340.º do CPP, artigo 205.º do Código Penal e artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.1. No Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferido acórdão, datado de 24/04/2019, pelo qual se decidiu negar provimento aos recursos interpostos.

Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

[Recurso do despacho de 20/12/2017:]

Quanto ao juízo de necessidade ou imprescindibilidade dos documentos à descoberta da verdade e boa decisão da causa, consta do requerimento que os documentos relativos aos honorários e despesas judiciais são essenciais à descoberta da verdade, porquanto teria sido acordado que esses montantes seriam descontados pelo arguido no montante depositado na sua conta do B. pertencentes à sociedade assistente e, quanto à certidão do processo de execução comum, salienta a sua necessidade porque esse foi o processo que originou a pretensão da ofendida em depositar o valor da venda das vacas e da quota leiteira na conta B. do arguido.

Nenhuma menção concreta existe no requerimento relativamente à necessidade da junção aos autos dos documentos referentes à ação de divórcio, ao arrolamento e ao processo-crime, a não ser a menção geral de que com os documentos pretende demonstrar que não se apropriou, nem tem na sua posse, qualquer montante que seja devido aos ofendidos.

O Tribunal a quo entendeu que os documentos respeitantes a notas de honorários de 2007 e de 2008, não podiam deixar de estar na posse do arguido e, consequentemente, que já os poderia ter juntado aos autos na fase de inquérito, na fase de instrução e na contestação, pelo que a sua junção na fase de julgamento é extemporânea.

O Tribunal da Relação subscreve este entendimento. Os documentos respeitantes a serviços jurídicos alegadamente prestados pelo arguido A. aos assistentes não podiam deixar de estar na posse daquele, porquanto se referem a serviços que teriam sido prestados até 2007. A existirem as respetivas notas elaboradas pelo arguido, é notório que já podiam ter sido juntas com o requerimento da abertura da instrução apresentado em 25 de novembro de 2011 e com a contestação apresentada em 23 de abril de 2013.

Também relativamente aos documentos referentes à ação de divórcio, ao arrolamento, ao processo crime e ao processo de execução comum, não existem razões objetivas para não terem sido juntos anteriormente pelo arguido uma vez que respeitam a processos com vários anos e o arguido A. não indica motivos específicos no seu requerimento no sentido de que só nessa altura deles teve conhecimento ou se tornou necessário ou imprescindível a sua junção para a boa necessidade da causa.

Não tendo sido alegada e provada a impossibilidade de os documentos já poderem ter sido juntos com o requerimento de abertura da instrução ou com a contestação, e sendo notório que os mesmos podiam ter sido juntos com aqueles articulados, entendemos que a sua junção devia ser indeferida, exceto se o Tribunal a quo os considerasse não só necessários, como indispensáveis, atento o disposto na alínea a), n.º 4 do art.340.º do CPP.

O Tribunal a quo ao indeferir a junção dos documentos relativos aos honorários e despesas deixou claro que o meio de prova não era necessário, nem indispensável, considerando o mesmo como irrelevante, justificando a sua decisão com o facto de se encontrar junta aos autos a nota de honorários final que o arguido apresentou à assistente C. pelos serviços prestados.

Mais ainda, ao indeferir a junção dos documentos ao abrigo do disposto na alínea d), n.º 4 do art.340.º do CPP, o Tribunal a quo considera que o requerimento realizado pelo arguido é dilatório.

E, efetivamente, a nota de honorários em causa conjugada com o teor dos artigos 75 a 81 da contestação sobre nota de honorários e despesas apresentada aponta para a irrelevância da junção dos novos documentos e, por outro lado, a junção de notas de honorários sucessivas, não deixaria de protelar a audiência de julgamento, cuja primeira sessão, sem produção de prova, teve lugar em 24 de setembro de 2013 (folhas 1590 e segs.), sendo notório, pelo folhear do processo, que o Tribunal a quo, desde esse momento até ao reatar do julgamento, procedeu a inúmeras diligências tendo em vista apurar os valores recebidos pelo arguido A. e os pagamentos feitos pelo mesmo no âmbito do acordo estabelecido com os assistentes.

Referindo o próprio arguido A., no requerimento com que pretende a junção dos documentos aos autos, que não obstante deles resultar já “ampla prova documental e testemunhal dos serviços prestados pelo arguido”, vem requerer a junção de mais 33 documentos e prazo para juntar uma certidão do processo 31/06.7TBMMV, concluímos que o Tribunal a quo não andou mal ao considerar não indispensável a prova em causa para a descoberta da verdade e boa decisão da causa e ao indeferir o requerimento de junção de prova apresentado pelo arguido, nos termos do artigo 340.º, n.º 4, alíneas a) e d), do CPP.

A decisão do Tribunal de considerar que também os documentos atinentes à ação de divórcio, ao arrolamento e ao processo-crime, são irrelevantes para a decisão da causa, não deixa também de ser racional uma vez que face à acusação o que se discute é a apropriação de quantias monetárias por parte do arguido A. e o requerente não justifica, nem prova a indispensabilidade da sua junção aos autos em audiência de julgamento.

Não resulta, nem do requerimento de prova apresentado pelo arguido, nem do douto...

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