Acórdão nº 28/18.4T9VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2020

Data13 Janeiro 2020

1 – Relatório .Por despacho proferido nestes autos em 14 de Janeiro de 2 019, decidiu-se “rejeitar, por legalmente inadmissível, o requerimento de abertura da Instrução” da “X”.

Discordando desta decisão, da mesma interpôs recurso a assistente.

Apresentou, no mesmo, as seguintes conclusões: “

  1. O presente recurso vem interposto do despacho de não pronuncia do erguido J. S.; b) Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que não foram indicados pela assistente os factos e as disposições legais aplicáveis no requerimento para a abertura de instrução, pelo que o rejeitou liminarmente; c) Pelo contrário, entende a assistente que todos os requisitos previstos no artigo 283º n.º 3 do CPP estão preenchidos no requerimento para a abertura de instrução, junto os autos; d) O arguido está devidamente identificado; e) A assístente narrou, também, os factos que fundamentam a aplicação ao erguido de uma pena ou medida de segurança, incluIndo o tempo, o lugar, a motivação da sua prática e o grau de participação do agente na prática do crime; f) Os artigos 6 a 16 do requerimento para abertura de instrução narram os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança; g) No dia 25 de Novembro de 2017, realizou-se, no Estádio Municipal ..., um jogo do Futebol; h) A entidade que organizou este evento foi o Futebol Clube ...; i) Neste evento, foram executadas diversas obras protegidas pelo direito de autor, de entre as quais as que estão Identificadas nos autos; j) Tendo em conta que as obras foram executadas em local público (o Estádio Municipal …), era necessária a obtenção de autorização dos respectivos titulares dos direitos de autor; 1) A entidade que está vinculada a obter tal autorização é a entidade promotora do evento — o Futebol Clube ...; m) o arguido é gerente da sociedade Futebol Clube ... — Futebol ..., Lda, organizadora do evento; n) O tribunal a quo refere que a assistente imputa ao arguido a responsabilidade crimínal a título omissivo, uma vez que este não impediu a execução das obras ou, pelo menos, não agiu de forma a que estas não fossem executadas; o) Porém, a assistente imputa ao arguido a responsabilidade penal pela ausência de autorização dos autores das obras e pela execução das mesmas no evento desportivo acima identificado; p) Nos termos do artigo 67° do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), o autor tem o direito exclusivo de usar e fruir a sua obra e explorá-la economicamente; q) A execução em público de obras protegidas pelo direito de autor é um dos modos de exploração económica de obras que está prevista no artigo 68° n.° 2 al. b), exigindo-se, por isso, a autorização dos autores para esse efeito; r) A autorização para este efeito deve ser obtida pelo promotor do espectáculo — artigos 107º a 110º do CDADC, aplicáveis por via do disposto no artigo 121º; s) A execução de obras protegidas pelo direito de autor configura o crime de usurpação; t) O arguido é gerente da sociedade promotora deste evento; u) O administrador e o representante da sociedade que agem criminalmente, como tais, ou seja, no exercício funcional dos seus cargos ou incumbências, respondem pessoalmente como agentes do crime, mesmo que se trate de crime próprio e os elementos especificadores só se verifiquem na sociedade; v) O arguido tem, por isso, responsabilidade criminal pela prática do crime de usurpação e deve ser por esse facto, pronunciado.

x) Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal a quo violou os artigos 108º, 109º, 110º, 121º, 122º e 195º do CDADC.” O M.P.

contra-alegou. Invocou que não decorre do texto do requerimento para abertura da Instrução, que substitui a acusação em casos de arquivamento, que o arguido tivesse o domínio do facto ou soubesse que iam ser divulgadas obras musicais, pelo que estão em falta naquela narração dos factos, os elementos intelectual e volitivo, do dolo. Mais, referiu que a reprodução secundária de fonograma original não determina a prática de crimes, mas apenas dá direito a uma remuneração equitativa. Sustenta assim, a final, a total improcedência do recurso.

Já neste Tribunal da Relação teve vista no processo o Dignm.º Procurador Geral Adjunto, que concordou com a resposta dada pelo M.P. em 1ª instância, tendo ainda enfatizado que o requerimento para abertura da Instrução não referia que que o fonograma foi reproduzido com o conhecimento e vontade do arguido. Considera assim, a final, que o recurso deve ser considerado totalmente improcedente.

Notificados o arguido e o assistente para responderem (art.º 417º/2 C.P.P.), nenhum o fez.

O recurso vai ser julgado em conferência, nos termos do disposto no art.º 419º/3, c), C.P.P.

2 – Fundamentos Para uma melhor apreciação da matéria em causa nos autos, transcrever-se-á de seguida a decisão em causa nos autos: “Requerimento de abertura da instrução de fls. 108 e seguintes.

Conforme resulta da lei processual penal, a instrução, como fase intermédia entre o inquérito e o julgamento, «visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento» – artigo 286.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Finda a instrução, o juiz deverá proferir despacho de pronúncia ou de não pronúncia, sendo certo que a opção por um ou por outro se relaciona com o facto de até ao encerramento da instrução se haver logrado ou não recolher indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança – artigos 308.º, n.º 1, e 283.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

Efectivamente, nesta fase não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas tão-só indícios de que um crime foi eventualmente cometido por determinado arguido, sendo certo que a decisão a proferir no final desta fase não é uma decisão jurisdicional de mérito, mas sim uma decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase do julgamento.

Deve, assim, o juiz de instrução compulsar e ponderar toda a prova recolhida e fazer um juízo de probabilidade sobre a condenação do arguido e, em consonância com esse juízo, remeter ou não a causa para a fase de julgamento.

No fundo, a fase de instrução permite que a actividade levada a cabo pelo Ministério Público durante a fase do inquérito possa ser controlada através de uma comprovação por via judicial, traduzindo-se essa possibilidade na consagração, no nosso sistema, da estrutura acusatória do processo penal, a qual encontra assento legal no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Por isso, a actividade processual desenvolvida na instrução é materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações.(1) Nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, podem requerer a abertura de instrução o arguido e o assistente, esclarecendo a lei quem pode constituir-se como assistente em processo penal.

Estatui o artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, referindo-se ao requerimento de abertura de instrução, que o mesmo deve conter «em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for o caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar», sendo certo que a tal requerimento, quando formulado pelo assistente, é aplicável «o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) (...)».

Quer isto dizer que o requerimento de abertura de instrução do assistente está sujeito ao formalismo da acusação, isto é, equipara-se-lhe. (2) Se assim é podemos então concluir que, por força da conjugação do artigo 287.º, n.º 2, com o artigo 309.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, a instrução requerida pelo assistente, em caso de despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo Ministério Público – aquele que aqui importa ter em conta –, não pode destinar-se à simples impugnação de tal despacho, sendo certo que tal exigência, formalismo e equiparação não se pode afirmar ou exigir ao requerimento formulado pelo arguido (cfr. artigo 287.º, n.º 2, in fine, a contrario sensu).

Pelas razões acima aludidas, no requerimento para abertura de instrução o assistente tem de indicar os factos concretos que, ao contrário do Ministério Público, considera indiciados ou que pretende vir a fazer indiciar no decurso da investigação requerida. O juiz, por seu turno, irá apurar se esses factos se indiciam ou não, proferindo ou não, em consonância, despacho de pronúncia. (3) Isto significa, portanto, que o requerimento de abertura de instrução equivale, em tudo, à acusação, definindo e delimitando o objecto do processo a partir da sua apresentação; ele constitui, pois, substancialmente, uma acusação alternativa ao despacho de abstenção proferido pelo Ministério Público.

Só assim se respeitará a estrutura acusatória que preside ao direito processual penal português, na medida em que «o juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos (...) que tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser objecto da acusação do Ministério Público.». (4) Por outro lado, o Tribunal Constitucional já se...

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