Acórdão nº 91/18.8T9ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de instrução nº 91/18.8T9ENT, que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Santarém (Juiz 1), e mediante pertinente despacho judicial, foi indeferido o pedido de constituição como assistente apresentado pela queixosa TP, e, na sequência de tal indeferimento, foi ainda rejeitado liminarmente o requerimento para abertura da instrução apresentado pela mesma queixosa.

Inconformada com essa decisão, dela recorreu a queixosa TP, terminando a motivação do recurso com as seguintes (transcritas) conclusões: “1ª - Contrariamente ao entendimento do Exmº Juiz de instrução, estão preenchidos todos os requisitos dos crimes de burla denunciados, sendo que se mostra violado, por erro de subsunção dos factos ao tipo do crime em questão, o nº 1 do artigo 217º do Código Penal.

  1. - Relativamente a estes crimes, a queixa foi apresentada em tempo (cfr. artigo 115º, nº 1, do Código Penal), pelo que deve conhecer-se da nulidade adrede invocada, para que o Mº Pº promova, quanto aos mesmos, o procedimento criminal.

  2. - De todo o modo, porque o arguido, com os factos integradores destes crimes, visou diretamente prejudicar a queixosa, deve ela ser admitida a intervir nos autos como assistente, concernentemente a estes crimes. Solução diferente viola, por erro de interpretação e aplicação, o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal.

  3. - Idem, quanto ao crime de infidelidade. O Exmº Juiz de instrução errou, salvo o devido respeito, quando indeferiu o pedido da queixosa para ser admitida como assistente nos autos relativamente ao crime de infidelidade. É que, para lá do mais que a propósito se alegou em sede de fundamentação, o arguido, com os seus comportamentos depauperatórios do património da B.

    , visou, diretamente, prejudicar a queixosa.

  4. - Então, por inexistir fundamento legal para a rejeição, deve ordenar-se que seja admitido o requerimento para a abertura de instrução, nos termos e com o alcance com que foi formulado, para que, depois, se sigam os ulteriores termos”.

    * O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, defendendo a total improcedência do mesmo, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição): “1º - Contrariamente ao que pugna a recorrente, a mesma não tem legitimidade para se constituir assistente nos presentes autos, pois quem pode requerer tal qualidade processual é a empresa “B., Ldª”, nos termos legais doutamente fundamentados no despacho sob recurso, o qual, como já referido, se sufraga na íntegra.

    1. - De resto, não se vislumbra a existência de indícios do crime de burla, mesmo na forma qualificada, pelas razões supra apontadas também nesta resposta, que aqui se dão por reproduzidas e para onde se remete.

    2. - Quanto a eventual crime de infidelidade, tendo sido deduzido, em tribunal civil, pelo menos parte relevante da causa de pedir que seria correspondente, pelo menos, a parte do pedido putativamente a efetuar no âmbito destes autos em sede de pedido de indemnização civil, tal dedução vale como renúncia ao direito de queixa relativamente ao crime de infidelidade, por aplicação do princípio in dubio pro reo nos termos supra expostos e para onde se remete.

    3. - Por tudo quanto fica exposto, deverá o presente recurso improceder na sua totalidade, mantendo-se na íntegra o despacho impugnado, uma vez que este fez correta aplicação da Lei e do Direito”.

    * Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, entendendo que deve ser concedido provimento ao recurso quanto à questão de saber se a recorrente, no caso dos autos, pode ou não constituir-se como assistente relativamente ao crime de infidelidade. Com efeito, existindo indícios de que tenha havido sócios diretamente prejudicados por causa do prejuízo causado à sociedade, como acontece no presente caso, deve ser autorizada a constituição da recorrente como assistente, realizando-se a instrução requerida (discordando, assim, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, da posição defendida pelo Exmº Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância).

    Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.

    Não foi exercido qualquer direito de resposta.

    Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

    Tendo em conta as conclusões apresentadas pela recorrente (e acima enunciadas), as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são duas as questões que estão suscitadas no presente recurso: 1ª - Determinar se os factos (indiciários) apurados na fase de inquérito podem configurar a prática de crime (ou crimes) de burla.

  5. - Aquilatar se a recorrente possui (ou não) legitimidade para se constituir como assistente, no tocante ao crime de infidelidade em discussão nestes autos.

    2 - A decisão recorrida.

    O despacho revidendo é do seguinte teor (integral): “I - Da constituição de assistente: A requerente está em tempo, está representada por Advogado e liquidou a taxa de justiça devida.

    No entanto, a questão que aqui se coloca é em relação à sua legitimidade para o efeito.

    Os factos em causa nestes autos e por via dos quais se aferirá da sua legitimidade são os que constam do RAI, no seu ponto III.

    Por via desses factos, a requerente imputa ao arguido MT a prática, em autoria material e concurso real de: - Um crime de infidelidade, p. e p. pelo artigo 224º, n.º 1, do Código Penal; e - Três crimes de burla qualificada, nos termos p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1, 218º, n.º 2, al. a), por ref.ª ao artigo 202º, al. b), do Código Penal.

    Devemos desde logo ter em conta, como ponto prévio, que os factos alegados pela requerente são manifestamente insuficientes para integrar o crime de burla. Diremos mesmo que na nossa opinião este crime apenas foi referido no despacho final de inquérito porque havia sido expressamente invocado na queixa.

    Sem querer desmerecer de modo algum o RAI da requerente (saudando o cuidado manifestado na narração clara e lógica dos factos e o labor argumentativo nas razões de discordância do arquivamento que nem sempre é apanágio dos requerimentos abertura de instrução de assistentes), é logicamente impossível reconduzir os factos alegados ao tipo legal de burla, previsto no artigo 217º, n.º 1, do Código Penal.

    A norma citada define a...

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