Acórdão nº 4963/18.1T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução28 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1 – Relatório Nestes autos em que é arguido M. J. foi produzida, em 1ª instância, decisão judicial no sentido da confirmação da decisão administrativa, tomada nos autos.

Nesta, por seu turno, fora o arguido recorrente condenado pela prática dolosa da contraordenação prevista no art.º 3º/1, b), D.L. n.º 156/05, 15/9, versão atualizada, no pagamento de coima no valor de 1 800€ (mil e oitocentos euros) – por não ter facultado o livro de reclamações.

Discordando desta decisão, da mesma interpôs recurso o arguido.

Apresenta, no mesmo, as seguintes conclusões: “1ª - A sentença recorrida julgou improcedente a prescrição invocada pelo recorrente, enquadrando os factos em causa na alínea b) do art.º 27.º, do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro, quando, no nosso modesto entendimento, a matéria factual em causa enquadra-se na alínea c) do citado artigo 27º.

  1. - Com efeito, a coima aplicada ao recorrente pela ASAE foi do montante de € 1.800,00, sendo que a contra - ordenação em causa é p. e p. pela conjugação dos artigos 3º, nº 1 e 4, alínea b) e 9º, nº 3 do DL 156/2005 de 15 de Setembro, punível com coima de € 1.750,00 a € 3.500,00, por se tratar de pessoa singular.

  2. - Ora, dispõe o art.º 27.º, al. c) do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redação em vigor, que define e regula o Regime Geral das Contraordenações (RGCO), que “o procedimento por contra – ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da mesma haja decorrido “Um ano”, como é o presente caso.

  3. - Os factos imputados ao recorrente remontam a 27 de Dezembro de 2014; o recorrente foi notificado para o exercício do direito de defesa a 16-08-2016, a decisão administrativa foi proferida a 21-05-2018 e a sua notificação ocorreu apenas a 14-08-2018 (cfr. fls. 99).

  4. - Se se entender que estes factos são interruptivos do prazo de prescrição, é manifesto que, ainda assim, o mesmo já decorreu, desde a prática dos factos, o prazo normal de prescrição do procedimento contra - ordenacional acrescido de metade (1 ano + meio).

  5. - A sentença recorrida violou assim o disposto na alínea c) do artigo 27º al. c) do DL. n.º 433/82, de 27 de Outubro. No caso, tendo os factos ocorrido em 27-12-2014, não se compreende que o recorrente só em 14-08-2018 tenha sido notificado a decisão da entidade administrativa.

  6. - Pelo exposto, nos presentes autos, haver-se-á de concluir, por força das referidas normas, que o procedimento contra - ordenacional em causa se encontra prescrito.

    SEM PRESCINDIR: 8ª - Sem conceder da invocada prescrição do procedimento contra ordenacional, ainda se dirá que se verifica a nulidade da decisão administrativa por violação do artigo 50º do RGCOC; e artigo 32º, nº 10 da CRP.

  7. - A notificação que foi dirigida ao recorrente nos termos e para os efeitos do art.º 50.º do RGCOC não foi efetuada em termos que lhe permitissem exercer, de forma cabal, o seu direito de audição e defesa, na medida em que não lhe haviam sido imputados factos que integrassem o elemento subjetivo do tipo de ilícito em presença.

  8. - A referida notificação omitiu os factos necessários para o conhecimento dos aspetos relevantes da decisão, tendo sido efetuada a imputação da prática da infração não se mencionando os factos integradores de tal elemento subjetivo, em violação do disposto no art.º 50.º do RGCOC e 32.º, n.º 10 da CRP.

  9. - Assim, ao não inovar relativamente à notificação para pronúncia do auto de notícia, a decisão administrativa padece de idêntico vício que aquela.

  10. – Desde logo, dos factos carreados aos autos não se retira qualquer menção sobre qualquer facto que, integrando o elemento subjetivo da alegada contra – ordenação, seja imputável ao recorrente, designadamente, demonstrativo de uma conduta dolosa, sequer negligente.

  11. - Não basta a mera constatação do elemento do tipo objetivo da contraordenação para, sem mais, concluir-se pela verificação do elemento subjetivo, não podendo tal juízo ser formulado com base em mera presunção, nem dar-se como pressuposto, antes devendo fundar-se em factos que permitam fundamentar o necessário nexo de imputação.

  12. - O princípio da culpa, consagrado no art.º 8.º do RGCOC, consubstancia-se na exigência da imputação e punição dos factos contra-ordenacionais da existência de um nexo de imputação subjetiva dos factos ao comportamento do agente.

  13. - Assim, salvo o devido respeito pelo entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, o recorrente entende que a decisão administrativa vai até contra a jurisprudência fixada no Assento n.º 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça de 16/10/02, quando menciona que, quando a nota de ilicitude não forneça ao Arguido “(…) todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afetado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado(…)”.

  14. - Não foi transmitido ao recorrente, no decorrer da instrução do procedimento contra-ordenacional, todos os elementos essenciais ao exercício do seu Direito de defesa. Importa ter presente que o art.º 41.º do RGCOC manda aplicar subsidiariamente o processo penal a todo o procedimento contra-ordenacional, gozando os Arguidos dos mesmos direitos e garantias concedidos pela lei processual penal.

  15. - Atenta a nulidade invocada deverá a douta decisão ser revogada e ser o procedimento contra-ordenacional ser declarado nulo. Ao contrário do entendimento perfilhado na sentença recorrida, a nulidade invocada não está sanada, pois o arguido, quer na defesa escrita quer no recurso de impugnação judicial, arguiu a dita nulidade, além, de, à cautela, ter sido exercido o seu direito de defesa quanto aos demais factos, como, sem prescindir, se exige à defesa.

    SEM PRESCINDIR: 18ª - Ocorre ainda nulidade da decisão administrativa por violação do artigo 18º, nº 1 do RGCO (vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) e por falta de fundamentação.

  16. - Segundo o artigo 18.º, n.º 1, do RGCO, «a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra - ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra - ordenação».

  17. - No caso vertente, a decisão administrativa concluiu pela «média-alta gravidade» do recorrente, sem a fundamentar, não permitindo descortinar a razão pela qual não optou pela gravidade «pequena ou menor», seguramente menos penosa.

    21º - A decisão administrativa não explica a(s) razão(oes) pela qual optou pela «média-alta gravidade» do recorrente e não pela pequena gravidade e, por isso, a mesma é nula, por falta de fundamentação.

  18. - O mesmo se diga quanto à «culpa» do recorrente. Lê-se na decisão administrativa que a conduta do recorrente “integra o conceito de dolo eventual, dizendo-se, nomeadamente, que: “No caso em apreciação está-se, pois, perante o dolo eventual já que o arguido decidiu não entregar o livro de reclamações (…) e que em virtude da sua atividade comercial, o arguido está obrigado a conhecer os preceitos legais aplicáveis, nomeadamente que tinha de entregar o livro de reclamações logo que solicitado”.

    E que agiu portanto, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, … 23ª - Tal fundamentação só pode ser «copy and paste» de outra decisão, retirada de um outro processo de contra – ordenação, pois dos autos, em momento algum, resulta a consciência da ilicitude do recorrente.

    Em momento algum da instrução do processo, ficou demonstrado que o recorrente agiu portanto, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, … 24ª - Por outro lado, a sentença recorrida desconsiderou o facto de a decisão administrativa não ter fundamentado e ter ignorado a situação económica do recorrente, limitando-se a dizer que a “sua situação não era favorável”.

  19. - De qualquer modo, a entidade administrativa ASAE confessa, na determinação da medida da coima, que não quantificou o benefício económico da infração, violando assim o disposto no citado artigo 18º do DL 433/82 de 27/10.

  20. - As omissões acima referidas assacam à decisão administrativa a sua nulidade e o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, em conformidade com o disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, aplicável na situação vertente por força do preceituado no referido artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.

  21. - Olhada a fundamentação da decisão administrativa, vemos que a mesma é pois omissa quanto aos elementos de que se serve para determinar a medida da coima.

    Nada se diz na motivação daquela decisão, designadamente a razão por que qualificou a conduta do recorrente de «média-alta gravidade»; com «dolo eventual» e nem sequer quantificando o benefício económico que o recorrente retirou (o que não se concede) com a prática da infracção imputada.

  22. - Verifica-se que, no caso, a convicção da entidade administrativa se reduz a nada, pois que se fica pela mera indicação dos factos provados e pela conclusão, sem se explicarem as razões pelas quais aplicou a coima naquele montante.

    O momento da fundamentação duma decisão é, pode dizer-se, um momento crucial, pois deve evidenciar, para todos os efeitos, as razões que alicerçam a decisão, tomando-a transparente e reveladora da imparcialidade e independência de quem aprecia e condena.

  23. - Por isso, uma decisão administrativa – ainda por cima, condenatória - não fundamentada é o mesmo que uma decisão caprichosa, pois é segredo para os outros e apenas está (estará) fundamentada na mente do seu autor.

    Mas mais que nula, a decisão ora impugnada está afetada de inconstitucionalidade, porquanto nada fundamenta, violando o princípio mais geral que é o direito de defesa previsto no artº 32º, 10 da CRP.

  24. - Resulta pois que a decisão administrativa devia ter sido julgada nula, por não permitir compreender satisfatoriamente o raciocínio que conduziu à mesma...

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