Acórdão nº 154/19.2GAFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução14 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães . RELATÓRIO Nos presentes autos de Processo Sumário que seguem termos sob o nº 154/19.2GAFAF no Tribunal Judicial da Comarca de Braga/Juízo Local Criminal de Fafe, o Ministério Publico requereu o julgamento do arguido R. M., casado, mecânico reformado, nascido a -/-/1973, residente na Rua ..., em Fafe, Imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1 alínea a) do Código Penal.

O arguido não apresentou contestação, nem arrolou prova testemunhal.

Foi levado a efeito o julgamento, findo o qual veio a ser proferida sentença, na qual foi decidido: . Condenar o arguido R. M., como autor material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena 10 (dez) meses de prisão efectiva; . Condenar o arguido em 18 (dezoito) meses de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal; . Condenar o arguido nas custas do processo, tendo sido fixada a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, reduzidas a metade, atenta a confissão integral e sem reservas, nos termos do artigo 8º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais.

Inconformado com tal decisão condenatória, o arguido R. M. da mesma interpôs o presente recurso, que motivou, apresentando as seguintes conclusões: 1ª – Vem o presente recurso da douta sentença que condena o arguido na pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., pelo art.º 292.º, nº 1 do Código Penal.

  1. – Pese embora o arguido/recorrente não possa ignorar, nem ignore, os seus antecedentes criminais bem como as penas que lhe foram sendo aplicáveis, e reconhecer que, em face do seu registo criminal, poucos argumentos poderá esgrimir relativamente à opção, pelo Tribunal a quo, por uma pena de prisão em detrimento de uma pena de multa.

  2. - A verdade é que já não pode aceitar que o Tribunal a quo não tenha optado pela suspensão da execução da pena aplicada ou pela sua substituição, nomeadamente, pelo cumprimento da pena de prisão em regime de permanência da habitação, nos termos do art.º 43.º do Código Penal.

    Com efeito, 4ª - Nos termos do nº1 do art.º 40º do CP “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

  3. - Pelo que a necessidade das penas, mormente as de natureza privativa de liberdade, dependem da sua necessidade imperiosa, adequação e proporcionalidade para a protecção dos bens jurídicos que a norma incriminadora visa proteger.

  4. - Do preâmbulo do Dec. Lei 48/95, de 15.03 – por força do qual operou a grande reforma do Código Penal de 1982 – decorre que “a pena de prisão – reacção criminal por excelência – apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelarem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção”.

  5. – Nesta linha de orientação, não pode o julgador desconsiderar que toda a postura e personalidade do arguido foi potenciada por uma infância/adolescência marcada pelo absentismo familiar e o seu crescimento pautado por episódios dramáticos, como evidenciado no Relatório Social, nomeadamente: - R. M. cresceu integrado no agregado de origem, composto pelos progenitores e uma irmã, cuja dinâmica é descrita como coesa e solidária. O progenitor era proprietário de uma oficina de mecânica automóvel e a progenitora auxiliava na gestão da mesma.

    - Frequentou o sistema de ensino até aos dezasseis anos de idade, que abandonou por sua iniciativa, motivado por querer desempenhar actividade laboral e obter autonomia financeira. Terminou o 9º ano de escolaridade em regime pós-laboral.

    - O arguido sofreu um acidente quando criança (atropelamento que causou um traumatismo craniano) do qual resultaram problemas físicos e instabilidade emocional, com repercussões ao nível do comportamento, descrito como mais instável e rebelde.

    - O seu percurso profissional iniciou-se na oficina de mecânica automóvel do progenitor, que se constituiu a principal experiência laboral pois foi a única continuada e estruturada.

    - Foi pai com dezanove anos de idade, fruto de uma relação ocasional, não detendo um relacionamento afectivo significativo com esta descendente. Casou aos vinte e quatro anos de idade, tendo resultado um filho, actualmente maior. A dinâmica relacional, apesar de descrita como de suporte, foi sendo comprometida pelo comportamento do arguido relativamente ao consumo de bebidas alcoólicas.

    - Desde a juventude que R. M. tem hábitos de consumo regular de bebidas alcoólicas que se intensificaram após a morte súbita do progenitor (tinha o arguido trinta anos de idade). Fez tratamento médico à problemática aditiva, no Centro de Alcoologia do Norte, entre Julho de 2010 e 2014, período durante o qual demonstrou maior organização e estabilidade geral. Todavia, voltou a recair e registar um padrão de consumo abusivo destas substâncias.

    - R. M. regista diversos contactos com o sistema de justiça, o primeiro dos quais em 2001, pela prática de crime de ofensas à integridade física, no qual foi condenado numa pena de multa que pagou.

    - Em 2014 foi condenado em pena de prisão por dias livres, pena que foi posteriormente revogada e incluída em cúmulo jurídico. Cumpriu pena de prisão entre marco de 2016 e Novembro de 2017, quando saiu em liberdade definitiva.

  6. - Sendo que todo o enquadramento de vida familiar e pessoal do arguido em nada favoreceu o seu desenvolvimento como pessoa pautada por valores sociais o que, irremediavelmente, se reflectiu nos seus comportamentos desviantes, ocorridos (frisa-se) em períodos marcados pelo consumo e dependência de álcool.

  7. - Se é certo que os antecedentes familiares do arguido não desculpabilizam a sua conduta, não é menos certo que tiveram forte influência na sua formação como pessoa totalmente desacompanhada ou desprovida de orientação ético-valorativa.

  8. - Facto é que há todo um quadro pessoal positivamente evolutivo desde a prática dos factos até ao presente que deve ser devidamente atendido no juízo de ponderação entre a execução efectiva da pena aplicada ou o cumprimento em regime alternativo à reclusão.

  9. - Desde a prática dos factos, o arguido tem procurado uma aproximação com o sue filho, actualmente com 20 anos de idade, neste momento a frequentar um curso superior.

  10. - Aproximação que tem sido progressiva e bastante positiva para o arguido, o que o motiva a focalizar-se em mudar o rumo da sua vida.

  11. - Em termos profissionais, tem tentado fazer alguns trabalhos, o que não tem sido tarefa fácil dada a sua situação de saúde neste momento.

  12. – Aqui se corrobora o Ac. RP de 28.05.2008 (Relatora Desembargadora Maria do Carmo Dias Silva), in www.dgsi.pt “(...) sabemos que um delinquente (e não em refiro ao ocasional) não deixa de cometer crimes de um dia para o outro.

    É necessário construir e ajudar a construir todo um processo que lhe permitam criar uma “identidade não criminal”. Nesse capítulo é essencial encontrar um trabalho e ter condições de vida com (pelo menos) um mínimo de dignidade.

    É precisamente por causa da ineficácia da pena de prisão junto da pequena e da média criminalidade que o legislador vem reagindo, sendo disso exemplo a diversificação das penas substitutivas da prisão que se vão criando. (...)”.

  13. – Na senda do entendimento perfilhado no referido Acórdão da Relação do Porto e que aqui se acompanha, é digno de ser reconhecido o esforço do arguido para se ressocializar após o tempo de cumprimento de pena de prisão.

  14. - Voltar aos corredores de um Estabelecimento Prisional corresponderá a um total retrocesso de todo o desejado caminho entretanto percorrido pelo arguido no sentido de orientar o seu estilo de vida e criar uma identidade afastada de condutas desviantes.

  15. – Ainda que não se possa ignorar todos os antecedentes do arguido, o quadro evolutivo das suas circunstâncias atuais de natureza pessoal desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, justificando um juízo de prognose positivo à suspensão da execução da pena de 10 meses de prisão a que foi condenado ou de medida substitutiva.

  16. - Com o devido respeito, e contrariando a posição perfilhada pelo Tribunal a quo, encontram-se verificadas circunstâncias que permitem criar uma esperança fundada de que o arguido interiorize o carácter ilícito e censurável da sua conduta e sinta a sua condenação como um alerta e uma advertência bastantes para que, no futuro, não mais volte a delinquir.

  17. - Sendo credível que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão permitir-lhe-ão concretizar o esforço já iniciado de viver em conformidade com os valores ético-jurídicos comunitários, mas também, e sobretudo, se afastar da prática de futuros crimes.

  18. - Neste momento o arguido está afastado co consumo de bebidas alcoólicas, tendo mesmo optado, de forma consciente e voluntária, por se afastar das relações de risco que a conduziram a um percurso desviante.

  19. - O arguido, com quarenta e três anos de idade, está ainda em tempo de ser recuperado e refazer toda uma vida pautada pelos valores ético-jurídicos.

  20. - Reencontrando a desejável e desejada identidade afastado da prática delinquente, que permitirá, também, aos poucos, que se desvincule do rótulo estigmatizante de “ex-recluso” a que ainda continua associado à sua imagem social.

  21. - Fazendo as pazes com a Justiça e com a sociedade, o que lhe permitirá dar continuidade ao positivo processo de progressiva conquista da confiança e afecto do filho, actualmente com 20 anos de idade, e que tem sido a alavanca motivadora do arguido na sua ressocialização.

  22. - Perante este quadro evolutivo, não será pretensioso afirmar que neste momento, a ameaça de prisão é francamente...

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