Acórdão nº 597/19 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução21 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 597/2019

Processo n.º 651/19

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora (TRE), em que é recorrente A., Lda. e recorrido o Ministério Público, foi pela primeira interposto recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), da «douta decisão proferida» por aquele Tribunal da Relação (cfr. requerimento de interposição de recurso, a fls. 239).

2. A questão de inconstitucionalidade submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, nos termos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, é assim enunciada: «a inconstitucionalidade da norma que se extrai do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de permitir uma sentença com fundamentação deficiente, porquanto a fundamentação terá de ser de forma a que possa ser a decisão sindicada perante exame do processo, num lógico, racional e democrático processo de recurso» (cfr. requerimento de interposição de recurso, 2), ou, ainda nos seguintes termos: «A inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada é no sentido de que a aceitação de uma decisão em que não se tenha conhecido da questão essencial, constitui uma denegação da justiça» (cfr. idem, 4), por violação, do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no que respeita às garantias de defesa e do recurso, previstas no n.º 1 desse normativo constitucional, bem como do artigo 205.º, também da Constituição.

3 . Na Decisão Sumária n.º 563/2019 (cfr. fls. 246-252), decidiu-se que, faltando a observância de vários pressupostos, essenciais e cumulativos, de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não se podia conhecer do objeto do recurso. Isto, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss.):

«4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade dos recursos previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC. Assim, cumpre, antes de mais, decidir se é possível conhecer do seu objeto.

5. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto.

Cumpre por isso começar por identificar a decisão de que se recorre para o Tribunal Constitucional.

No requerimento de recurso, a recorrente indica que «não se conformando com a decisão proferida, vem dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional» (cf. fls. 239). Resulta dos autos que a «douta decisão proferida» que antecedeu a interposição de recurso para este Tribunal é o acórdão proferido pelo TRE em 7 de maio de 2019 (cfr. fls. 229-24) que julgou improcedente a arguição de nulidade dirigida pela ora recorrente ao precedente acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 19 de fevereiro de 2019 (cfr. fls. 199-215) – o qual negou provimento ao recurso interposto pela arguida, ora recorrente, da sentença proferida em primeira instância (que, por sua vez, julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto da decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que a condenara em coima pela prática de uma contra-ordenação prevista na subalínea i) da alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto, alterada e republicada pela lei n.º 109/2015, de 26 de agosto e punível pela alínea e) do n.º 1 do artigo 25.º do mesmo diploma – cfr. acórdão de 19/2/2019, I. Relatório).

Assim, há que aferir do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso por referência ao acórdão do TRE proferido em 7/5/2019 – e, ainda, em 19/2/2019, admitindo-se que a recorrente também dele pretende recorrer para este Tribunal.

7. Nos presente autos pretende a arguida, ora recorrente, ver apreciada pelo Tribunal Constitucional «a inconstitucionalidade da norma que se extrai do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de permitir uma sentença com fundamentação deficiente, porquanto a fundamentação terá de ser de forma a que possa ser a decisão sindicada perante exame do processo, num lógico, racional e democrático processo de recurso», enunciada ainda nos seguintes termos: «A inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada é no sentido de que a aceitação de uma decisão em que não se tenha conhecido da questão essencial, constitui uma denegação da justiça» (cfr. requerimento de recurso, 2 e 4), por alegada violação, além do mais, do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no que respeita às garantias de defesa e do recurso, previstas no n.º 1 desse normativo constitucional, bem do artigo 205.º, também da Constituição (cfr. requerimento, 4 e 5).

8. Resulta dos autos que não se encontram preenchidos vários pressupostos, essenciais e cumulativos, de que depende a admissibilidade do recurso.

8.1 No requerimento de recurso a recorrente invoca (cfr. 6.) que suscitou a questão que ora pretende ver apreciada «na arguição de nulidade» do acórdão do TRE (acórdão de 19/2/2019).

Ora, tal peça processual, por configurar um incidente pós-decisório, já não se afigura o momento processual adequado para suscitar previamente e de modo adequado uma questão de constitucionalidade normativa perante o TRE antes de este proferir o primeiro acórdão, de 19/2/2019.

Assim, se interposto o recurso de constitucionalidade do acórdão do TRE de 19/2/2019, não se mostra cumprido o ónus de suscitação prévia e adequada da questão de constitucionalidade normativa que se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, previsto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, em termos que obstam ao conhecimento do objeto do recurso relativamente aquele acórdão.

8.2 Depois – e qualquer que seja o acórdão do TRE recorrido para o Tribunal Constitucional – não se encontra preenchido um pressuposto, essencial e cumulativo, de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta: o pressuposto relativo à questão de inconstitucionalidade normativa.

O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – pelo que os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais, só podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.

No presente caso, do teor do requerimento de interposição de recurso, bem como do teor da peça processual em que a recorrente alega ter suscitado a questão que ora pretende ver apreciada, decorre que a recorrente não pretende que o Tribunal Constitucional exerça um controlo da constitucionalidade com natureza...

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